Acórdão nº 63/10.0GJCTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelEDUARDO MARTINS
Data da Resolução19 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 63/10.0GJCTB que corre termos no Tribunal Judicial de Castelo Branco, 3º Juízo, foi proferido acórdão, em 7/3/2012, cujo DISPOSITIVO é o seguinte: “III - Dispositivo: Atento todo o exposto, decide-se julgar procedente por provada a acusação do Ministério Público, e, nesta conformidade: 1. Condena-se o arguido A...: 1.1. pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, 145º, n.ºs 1 a) e 2, e 132º, n.º 2 a), todos do C. Penal, na pena de 12 meses de prisão; 1.2. pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts. 143º, 145º, n.ºs 1 a) e 2, e 132º, n.º 2 a), todos do C. Penal, na pena de 18 meses de prisão; 1.3. pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelos arts. 153º e 155º, n.º 1 a), ambos do C. Penal, na pena de 10 meses de prisão; Nos termos do art.

77º, do C. Penal, condena-se o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC”.

**** Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 27/3/2012, o arguido, defendendo a sua substituição por outra que o absolva, extraindo da respectiva motivação do recurso as seguintes conclusões: 1. O arguido é um doente mental grave que padece ainda de distúrbio psicótico predominantemente polimórfico.

  1. O QI (quociente intelectual) do arguido tem um amplitude de 20 a 34 graus, a que corresponde, em adultos, uma idade mental de 3 a menos de 6 anos.

  2. Em consequência desta deficiência mental e deste didtúrbio psicótico não podem ter-se como provados os factos 4 e 8 da Fundamentação do Acórdão, de resto meras conclusões ou juízos, sem suporte documental ou outros factos provados de que possam ser deduzidos.

  3. A doença mental grave e os distúrbios psicóticos de que padece o arguido comprometem a sua consciência da ilicitude e reduzem a sua culpa a zero.

  4. Não podem ter-se como provados os factos que resultam dos depoimentos dos dois agentes da GNR, por não ter sido feito o seu confronto com a fonte, depois de prestados.

  5. Não é possível saber se os agentes da GNR tiveram ou não capacidade para avaliar a veracidade ou falsidade do que lhes foi relatado.

  6. Não podem ter-se como provados os factos das alíneas a), b) e c) do n.º 9 desta Motivação, uma vez que os pais do arguido não prestaram depoimento na audiência e da acta não consta que tivesse sido autorizada a leitura dos depoimentos que porventura prestaram no inquérito.

  7. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º, n.º 2, als. a) e b), do Código Penal, e o disposto nos artigos 128º/1 e 129º/1, do CPP, pelo que deve ser revogado, absolvendo-se o réu **** O Ministério Público junto do Tribunal recorrido, em 3/5/2012, respondeu ao recurso, defendendo a sua total improcedência e apresentando as seguintes conclusões: 1. Nunca o arguido colocou em causa a sua imputabilidade penal ou requereu perícia para se aferir da mesma, podendo fazê-lo.

    O arguido sofre de doença mental grave classificada com os seguintes diagnósticos: debilidade mental ligeira; alterações do comportamento associadas a consumo de álcool com heteroagressividade; dependência alcoólica continuada; síndrome de privação alcoólica e depressão secundária ao alcoolismo.

    Nada permite concluir que, de acordo com tal quadro, seja o arguido inimputável e muito menos fazendo a ligação entre tal quadro clínico e a idade mental, para daí se concluir que é inimputável em razão da doença mas por reporte à idade mental, parecendo o recorrente confundir os conceitos de imputabilidade em razão da idade e imputabilidade em razão de anomalia psíquica. O arguido padece da doença em causa por força da dependência alcoólica que apresenta.

    Não está, pois, comprometida a sua consciência da ilicitude ou reduzida a zero a sua culpa, como pretende o arguido.

  8. O Tribunal Colectivo valorou, e bem, as declarações dos agentes da GNR na parte em que se referiram ao que ouviram da boca dos pais do arguido, maxime do ofendido B..., não obstante estes se terem remetido ao silêncio em audiência. Nesse sentido se orienta a disciplina, de entre vários outros arestos – além dos citados na decisão recorrida – das seguintes decisões dos Tribunais Superiores: Ac. do TRC, de 30/11/2005, in www.dgsi.pt, Ac. do TRC, de 26/6/2002, in www.dgsi.pt, e AC. TRC, de 10/12/2003, in www.dgsi.pt.

  9. Quanto ao referido pelo recorrente no que toca à circunstância de não poder – na sua perspectiva – o tribunal dar por provada a matéria constante do ponto 9 da sua motivação de recurso (condições de vida do arguido), por se fazer alusão em tal factualidade ao que disseram/relataram/referiram os pais do arguido, sendo certo que estes não prestaram declarações em audiência, apenas se dirá que tal factualidade se considerou provada - como da fundamentação do acórdão recorrido consta - com base no relatório social elaborado pelos serviços competentes e quando nos factos provados o Tribunal alude às declarações dos pais do arguido não se refere às declarações destes em audiência, mas – como é óbvio - às declarações que estes prestaram aos técnicos de serviço social que elaboraram tal relatório.

  10. Não se mostram violadas, pois, quaisquer normas legais, designadamente as apontadas pelo recorrente.

  11. A decisão recorrida não enferma de qualquer vício ou imperfeição técnica que a torne impugnável, pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos.

    **** O recurso foi, em 18/5/2012, admitido.

    Já no Tribunal da Relação de Coimbra, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu, em 28/5/2012, douto parecer, no qual acompanhou a resposta do Ministério Público da 1ª instância, defendendo, assim, a improcedência total do recurso. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

    Colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    **** II. Decisão Recorrida: “(…) II – Fundamentação: A) Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos: B) Da acusação pública: 1) O arguido é filho de B... e, pelo menos no período compreendido entre os meses de Novembro de 2010 e Março de 2011, inclusive, pelo menos frequentou a residência dos progenitores sita na Rua ….

    2) e 3) No dia 15 de Novembro de 2010, à noite, na residência identificada em 1), o arguido apertou o pescoço do ofendido B... e disse-lhe que o havia de matar.

    4) O arguido sabia que a expressão por si proferida era adequada a causar receio e inquietação no ofendido de que o arguido viesse a atingi-lo na sua integridade física e vida, o que quis e conseguiu.

    5) No dia 8 de Março de 2011, cerca das 20H30, igualmente no interior da referida residência, o arguido desferiu um murro no nariz do ofendido B....

    6) Como consequência, direta e necessária, de tal agressão o ofendido sofreu as lesões descritas e examinadas na perícia de avaliação do dano corporal de fls 81 a 83, cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente equimose de cor arroxeada sobre o dorso do nariz, que determinaram para a sua cura um período de dez dias de doença, sem afetação da capacidade de trabalho geral e profissional.

    7) Com as condutas descritas nos pontos 3) e 5), o arguido quis molestar fisicamente o ofendido B..., seu pai, o que conseguiu.

    8) Atuou o arguido de modo livre e voluntário, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

    9) O arguido fora condenado por acórdão transitado em julgado no dia 16-09-2010, no Proc. Comum Colectivo n° 64/07.6GJCTB, do 3º Juízo deste Tribunal, pela prática de crimes de ofensa à integridade física qualificada, um na forma tentada e outro consumado, em que figura como ofendido o aqui ofendido, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa por igual período, sob regime de prova. 10) O arguido padece de distúrbios mentais e de comportamento secundários ao uso do álcool e distúrbio psicótico predominantemente.

    * Outros factos: O arguido fez internamento compulsivo no Serviço de Adições do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra, de 4 de Maio a 16 de Junho de 2008 por violência e agressões a terceiros associado ao consumo de álcool. Após o internamento veio a consulta em ambulatório em 13/8/2008, com o tio C..., com quem estava a trabalhar. Mantinha consumos de bebidas alcoólicas e tinha elevada taxa de absentismo. Reformulou-se projecto terapêutico. Em 17/9/2008 voltou à consulta, a situação tinha-se agravado substancialmente.

    Atendendo que estava a ser difícil controlar a situação à distância, foi o seu processo transferido para o Departamento de Psiquiatria do Hospital … .

    O doente sofre de doença mental grave, classificada de acordo com a 9a Classificação Internacional de Doenças (CID9) com os seguintes diagnósticos: 1. Debilidade Mental Ligeira – 317 2. Alterações do comportamento associado a consumo de álcool com heteroagressividade - 291.89 3. Dependência Alcoólica Continuada - 303.91 4. Síndrome de Privação Alcoólica - 291.3 5. Depressão Secundária ao Alcoolismo - 303.32 Na sequência do primeiro interrogatório judicial a que foi submetido, no dia 9 de Janeiro de 2010, onde lhe foi aplicada, a título coactivo, além do mais, a medida de proibição de permanência na habitação dos ofendidos seus pais e de contacto com os mesmos, o arguido veio a ser acolhido na Associação … , de onde veio a sair, a 1 de Junho de 2010, por sua iniciativa, alegadamente por incompatibilidade com as normas institucionais, passando a residir na Rua … , em Castelo Branco.

    Enquanto esteve nesta Associação, desenvolveu trabalhos, sobretudo, de construção civil, sendo-lhe proporcionada cama, mesa e roupa lavada.

    A partir de 22 de Janeiro, até 31 de Maio de 2010, não ingeriu bebidas alcoólicas, afirmando o mesmo ter continuado nesse registo após essa data.

    Em Castelo Branco, o arguido, desde 4 de Junho de 2010, encontrava-se a residir...

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