Acórdão nº 842/10.9PEAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelALBERTO MIRA
Data da Resolução26 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: 1.

Na Comarca do Baixo Vouga, após julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, foi proferida decisão do seguinte teor: A) Absolver o arguido A..., actualmente detido no EP de Coimbra, da prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro; B) Condenar o arguido A..., pela prática de sete crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um deles; C) Condenar o arguido A...

na pena conjunta de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;*2.

Inconformado, o arguido interpôs recurso do acórdão, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª - O arguido, ora recorrente, discorda e não se conforma com a decisão proferida no acórdão do Tribunal a quo, no que diz respeito à aplicação da matéria de direito, por entender que a factualidade provada consubstancia um crime continuado e, em consequência, e ainda de acordo com a mesma, deveria a pena que lhe fosse aplicada ser suspensa na sua execução.

Vejamos: 2.ª - Nos termos do consagrado no art. 30 n.º 2 do C.P., o crime continuado ocorre quando, através de várias ações criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, usando-se de um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade, homogeneidade, e aproveita um condicionalismo exterior que propicia a repetição, quadro de solicitação externa, fazendo assim diminuir consideravelmente a culpa do agente.

  1. - No caso “sub iudice” uma repetição criminosa que não afasta a forma de crime continuado, uma vez que ela resultou de uma renovação de oportunidades que proporcionaram ao arguido a repetição da sua conduta anterior.

  2. - As situações favoráveis à reiteração criminosa não foram criadas pelo arguido; a realidade exterior verificada, a não intercetação do mesmo pelas autoridades é que solicitou o arguido, é que lhe facilitou o caminho da prática reiterada do ilícito. Foram as circunstâncias externas, que sendo sempre as mesmas, e anteriormente experimentadas com sucesso pelo arguido, facilitaram a repetição da condução do veículo.

  3. - No quadro da mesma situação exterior que tinha proporcionado a sua primeira conduta, o que vem novamente favorecer a tentação da sua repetirão, nada lhe tendo, entretanto, acontecido, o que voltou a fazer com que cada vez fosse menos exigível ao arguido comportar-se diferentemente.

  4. - O pressuposto de diminuição considerável da culpa do agente, constante do n.º 2 do artigo 30.º do C. Penal, está directamente relacionado com fatores externos, que facilitem a repetição de atitude já anteriormente assumida.

  5. - O arguido apenas terá acedido a esses chamamentos exteriores, a essas novas oportunidades surgidas, para continuar a conduzir sem a respectiva licença, pois que o arguido nunca foi intercetado pela polícia. Efetivamente, desde 13 de Abril a 10 de Agosto de 2010, tal como ficou assente, à luz do princípio das regras da experiência e livre apreciação da prova, de acordo com o preceituado no art.127.º do C.P., na matéria de fato provada, o arguido conduziu por diversas vezes sem que tenha sido intercetado pela polícia.

  6. - “Ponto decisivo para unificação de uma pluralidade de crimes na forma de um só crime continuado será, verdadeiramente, a existência de uma situação exterior que consideravelmente facilite a repetição da atividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com a norma” - de acordo com os ensinamentos de Eduardo Correia.

  7. - “A isto acresce que, salvo melhor opinião, nem toda a separação temporal na actividade do agente importa em pluralidade de resoluções. Há diversos atos separados no tempo que, no entanto, representam uma só resolução, embora a prática de cada um dos actos obrigue a uma certa manifestação de vontade. Ora esses actos não são mais do que descargas automáticas da resolução inicial”.

  8. - Deste modo, do exame de toda a fatualidade resulta que a atuação do arguido tem de se subsumida a um único crime continuado.

  9. - No plano naturalístico, o arguido desenvolveu uma primeira conduta que se prolonga no tempo e que não foi “cortada”, não “terminou”, não se verificou intercecão pelos agentes da autoridade.

  10. - O crime ora em apreço é de consunção instantânea, mas só termina quando o agente é intercetado ou cesse voluntariamente essa atuação e dela têm conhecimento as autoridades que têm competência para proceder criminalmente. Trata-se, para usar a expressão de Eduardo Correia (Unidade e Pluralidade de Infracções, pág. 23), de um “estado antijurídico”, que, no caso, se traduz num só episódio.

  11. - Necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável. Assim sendo, deverá ser aplicada pena consentânea com a punição do crime continuado nos termos do art. 79.º do C.P.

  12. - Para a determinação da medida concreta da pena há que fazer apelo aos critérios definidos pelo artigo 71.º do Código Penal, nos termos do qual, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstractamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. Neste caso releva que o arguido, posteriormente à prática dos fatos de que vem acusado, a 03/09/2010, ficou titular de carta de condução, categorias A1, B e B1.

  13. - Tendo em conta o disposto nos artigos 79.º, 71.º, 70.º e 40.º, n.ºs l e 2 do CP e pelos motivos aí expostos, donde resulta ser insuficiente a aplicação ao arguido de uma pena não detentiva, a fim de se conseguir de forma adequada e suficiente a recuperação social do arguido e se satisfazerem as exigências de reprovação e de prevenção do crime. Porém, sempre será razoável ponderar que seja decretada a suspensão da execução da pena.

  14. - Tendo ficado assente na matéria de fato provado que o arguido é actualmente e desde 03/09/2010 titular de carta de condução, categorias A1, B e B1, é possível, fundamentadamente, concluir que este tipo de ilícito não mais será cometido pelo arguido e a simples censura do fato e a ameaça da prisão realizarão ainda de forma adequada e suficiente as finalidades da punição na vertente da prevenção geral.

  15. - De acordo com o preceituado no artigo 50.º do Código Penal, o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena, se concluir que a simples censura do fato e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste e só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos, que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.

  16. - O Tribunal deverá correr um risco prudente; cremos pois, salvo melhor opinião que, tendo ficado como matéria assente provada: “Das condições pessoais”: nas als. 27), 28), 29), 30), 31), 36) 37) 42) e 43) que, em suma, o arguido é oriundo de uma família destruturada e problemática, com uma infância e juventude conturbada, toxicodependente, com comportamentos desviantes, mas ainda assim com uma retaguarda familiar dos tios e com o sentido de responsabilidade pela educação da filha menor, pelo que frequenta a escola no EP, além de que já é titular de carta de condução nas categorias A1, B, B1, o juízo de prognose, salvo melhor opinião, deverá ser positivo, pois que, seguramente também decerto, será bastante para assegurar as finalidades da prevenção geral e as necessidades de prevenção especial ou de reintegração, o cumprimento da eventual pena única do cúmulo das penas anteriores, que vier, entretanto, a ser determinado.

  17. - Pelo supra exposto, discordamos da sentença recorrida, do tribunal a quo, quando “entende que não é possível formular um juízo de prognose social favorável do arguido”. Discordamos que a suspensão da execução possa pôr em causa a crença da comunidade na validade da norma e a confiança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais, tanto mais que o arguido, ora recorrente, já é titular de carta de condução. Assim sendo, entendemos que a simples censura do fato e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção (geral) do crime, devendo, salvo melhor opinião, suspender-se a pena de prisão que for aplicada ao arguido.

  18. - Violou, pois, o tribunal recorrido, na decisão ora em crise, as normas jurídicas preceituadas nos arts. 30.º. n.º 2, 50.º e 79.º do Código Penal.

Termos em que, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, Venerandos Desembargadores, deverão considerar procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão ora em crise e substituída por outra que considere a fatualidade provada como crime continuado e ainda suspensa na sua execução a pena concreta que for aplicada ao arguido, ora recorrente.

Far-se-á, assim, a habitual, serena e necessária justiça!*3.

O Ministério Público respondeu ao recurso, conclusivamente nos termos infra transcritos: 1. O recorrente, pela leitura atenta do seu petitório, defende que os factos julgados como provados integram a figura do crime continuado, pelo que indirectamente impugna a medida da pena única, e pugna pela suspensão da execução da pena que lhe venha a ser aplicada, pelo que o recurso está limitado a matéria de direito.

  1. A pena única aplicada tem em atenção a culpa do recorrente, a elevada ilicitude dos factos, a intensidade do dolo, o passado criminal do recorrente e, em obediência ao disposto no art. 71.º do CP, sendo essas, tanto as penas parcelares, como a pena única, as penas justas e, como tal, a medida certa da pena, a mesma não...

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