Acórdão nº 144/11.3GBPBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelAB
Data da Resolução26 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

1 – A...

, (arguido, melhor id.º nos autos, máxime a fls. 206), inconformado com a decisão judicial – documentada na sentença junta a fls. 211/230 – que, na sequência de pertinente julgamento, o condenou pela comissão dum crime de violência doméstica, [p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al.

a), do C. Penal], à reacção penal de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respectiva execução por idêntico período, bem como ao pagamento à respectiva vítima, B...

, da importância pecuniária de € 1.579,55 (mil quinhentos e setenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos), a título ressarcitivo de danos não patrimoniais e patrimoniais – respectivamente € 1.000,00 (mil euros) e € 579,55 (quinhentos e setenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos –, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde 06/01/2012 e até integral pagamento, dela interpôs o recurso ora analisando – validamente pela peça junta a fls. 278/317 e 318/357 (telecópia e correspondente original)[1], cujos dizeres nesta sede se têm por reproduzidos) –, de cuja motivação extraiu o seguinte – pretenso – quadro-conclusivo e decorrentes pretensões (vd.

fls. 352/357): «[…] A. Com o presente recurso sobre os vícios da douta sentença recorrida, reapreciação da prova gravada, bem como sobre matéria de Direito, no tocante ao não preenchimento dos requisitos objectivos para a punição, subsunção jurídica dos factos e dosimetria penal, não se pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostra investida a Ilustre julgadora, mas tão-somente exercer o direito de "manifestação de posição contrária" ou "discordância de opinião", traduzido no direito de recorrer, consagrado na alínea i) do n.º 1 do art. 61º CPP e no n.º 1 da CRP; B. O pedido de indemnização cível deduzido nos autos é extemporâneo, uma vez que deu entrada para além dos 20 dias a contar da notificação de dedução de acusação, razão pela qual deveria o Tribunal a quo ter-se pronunciado sobre tal facto, conhecido da extemporaneidade e em consequência absolver o demandado; C. Padece a douta sentença do vício de omissão de pronúncia face à conduta e culpa inequívoca e manifesta da alegada vítima e visão de conjunto (global) relativamente ao circunstancialismo de prática dos factos, essencial para a correcta subsunção jurídica dos factos, maxime ao nível do ilícito subjectivo, uma vez que a mesma cometeu previamente um crime de ofensa à integridade física qualificada e posteriormente outro na forma tentada, ambos na pessoa do seu filho, um crime de violação de domicilio e ainda igualmente cometeu um crime de violência doméstica na pessoa do arguido, atentas as lesões psíquicas que tal discussão extremamente sonora (com gritos e pontapés em portas), ofensas verbais e físicas (murros e pontapés enquanto o arguido a procurava colocar fora de casa) lhe provocou, não se resumindo unicamente a violência doméstica à saúde física! D. Resulta assim, além de uma ausência de fundamentação, denegação de investigação, desconsideração e cindibilidade da prova, radicada numa entorse aos princípios garantísticos, radicados nas ideias de fair trial e audiatur et altera pars, nemo potest inauditu damnari, atento o recorte constitucional e legal em matéria processual penal, devendo ainda o Tribunal ter aquilatado da possibilidade de atenuação especial da pena em razão da provocação injusta levada a cabo pela vítima; E. Mostra-se incorrectamente valorada a prova maxime ao nível do preenchimento do tipo legal, ressaltando ausência de factos, a justificar reenvio para novo julgamento, que permitam aquilatar do que terá sucedido no hiato temporal de quase 5 horas após a vítima ter abandonado o local, sendo que do exame de avaliação de dano corporal em processo penal, tendo por base o esquema de Legrand du Saulle, a escrita não bate com a pena nem a bota com a perdigota; F. De igual forma se constata não verificado o preenchimento do tipo de ilícito subjectivo tendo o arguido agido unicamente em legítima defesa ou quando muito num direito de necessidade ou estado de necessidade desculpante, visando retirar a presença incómoda da vítima de sua casa, para salvaguardar a sua saúde psíquica, a integridade física do seu filho e a estabilidade/intimidade/privacidade/paz e sossego inerente ao seu domicilio, que se mostravam não só ameaçados como já efectivamente lesados pela conduta ilícita da ofendida que teimava em não adoptar postura condigna e conforme ao Direito não obstante múltiplos apelos do arguido, filho e testemunha Carina; G. Dando-se ora por reproduzidas, por razões de economia processual, as passagens indicadas supra, relativas aos depoimentos do arguido, vítima e testemunhas … e C... , temos que a prática dos factos se deu I) em reacção a condutas ilícitas da ofendida, consubstanciadora da prática de quatro crimes, II) para salvaguarda de direitos e interesses legalmente protegidos, próprios e do filho, III) apenas por forma a que fosse colocado cobro a tal actuação ilícita da mesma após esgotada a via do diálogo a que o arguido deu primazia e IV) sem consciência de provocação de lesões e muito menos com a gravidade que no final vieram ser apresentadas, sendo certo que ao abandonar o local a vítima as não ostentava, nem perdeu os sentidos! H. Tem-se por inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da especialidade a interpretação segundo a qual se verifica preenchimento do tipo de ilícito objectivo de crime de violência doméstica unicamente quando está em causa um facto isolado, sem qualquer nota de pluralidade, devendo interpretar-se a norma legal cum grano salis, não tomando por sinónimos os vocábulos "pluralidade" e "reiteração", por forma a evitar uma duplicação penal, maxime ao nível do crime de ofensa à integridade física qualificada quando praticada contra cônjuge ou ex-cônjuge; I. Ao interpretar-se a norma legal subjacente à punição do crime de violência doméstica como se mostra feito pelo Tribunal a quo toma-se a árvore pela floresta, passando a ser completamente despicienda e estéril a previsão do crime de ofensa à integridade física qualificada na pessoa de cônjuge ou ex-cônjuge plasmada no art. 145º n.

os 1 e 2 por referência ao art. 132° nº 2 b) CP, não se assegurando a coexistência e compatibilização das normas penais em termos de sistema e levando a que o legislador não possa gozar da presunção de justeza vertida no n.º 3 do art. 9° CC, ficando-se com duas normas exactamente com o mesmo recorte legal mas com molduras de punição diferenciadas; J. Para mais quando a moldura penal de tal crime é mais benigna e quando se não mostra existente um funcionamento automático dos exemplos-padrão que sempre têm de ser lidos e aferidos à luz da cláusula geral de especial perversidade ou censurabilidade, que o Tribunal a quo afastou sem necessidade de considerar para a punição pelo crime de violência doméstica que sempre deveria representar, em razão da majoração penal, um plus de censurabilidade; K. Da mesma forma que se tem por inconstitucional, desde logo por violação do princípio da igualdade, o entendimento segundo o qual se possa ter por praticado o crime de violência doméstica sem a ocorrência de especial desvalor para com a dignidade de pessoa humana ou acto de crueldade, bastando-se o mesmo com a prática de um único acto lesivo de ofensa à integridade física e com funcionamento automático da questão da existência anterior de vínculo conjugal já dissolvido; L. Entende-se que estando em causa a protecção da família bem como especial coexistência do ponto de vista da harmonia do lar conjugal, nunca poderá haver crime de violência doméstica sempre e quando se não verifique à data de prática dos factos pelo menos um de dois requisitos objectivos: coexistência ou coabitação de agente e vítima e/ou existência de vínculo conjugal ou para-familiar (união de facto ou economia comum por exemplo), sob pena de se desvirtuar toda e qualquer finalidade e âmbito da reacção penal que passaria a contar não com carência de tutela penal mas superavit; M.

In casu, agente e vítima mostravam-se divorciados (o que nos termos da lei é factor de cessação de vínculo familiar, por o divórcio ser fonte da mesma!) há quase 10 anos e desde então residiam em locais distintos, substancialmente distantes, e sem qualquer manutenção de vínculo ou convivência entre si, não se mostrando violados os bens jurídicos ou interesses plúrimos que a incriminação visou acautelar e proteger, não sendo assim justificada a convocação de tal norma legal, inexistindo suporte legal para a douta condenação; N. Enferma a douta sentença de contradição entre a fundamentação e a decisão, quando refere tal facto a fls. 9 in fine, dado que se o casamento é fonte de constituição de vínculo familiar, o certo é que o divórcio o quebra de forma inequívoca, não havendo assim in casu tal bem jurídico a preservar e salvaguardar, não se justificando a convocação de tal crime! O. Atendendo a que do preceito legal em causa não ressalta qualquer cláusula geral de salvaguarda face a eventuais situações não justificativas de tal condenação, tem-se tal preceito por inconstitucional por violação dos arts. 13°, 18° n.

os 2 e 3, 30° n.º 4, 32° n.

os 1 e 5 e 202° n.º 2, 204° e 205° CRP, sendo que, da mesma forma e por identidade de razões que se tem tal preceito por inconstitucional sempre e quando interpretado no sentido de não se ter de avaliar e ponderar em conjunto todo o circunstancialismo de prática dos factos, culpa da ofendida e personalidade do agente, trabalho a cargo do Tribunal no âmbito do princípio do inquisitório e poderes que lhe assistem, podendo ser coadjuvado por outras entidades, nos termos do n.º 3 do art. 202° CRP, para efeito de avaliação de especial censurabilidade que justifique tal punição a título de crime; P. Em razão de ausência de preenchimento de integral dos elementos do tipo objectivo (questão do hiato temporal não explicitado das lesões e interpretação pensante e cum grano salis da...

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