Acórdão nº 47/12.4TBALD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução11 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Proc. nº 47/12.4TBALD.C1 I.

Forma de Julgamento do recurso.

Dado o reduzido valor da causa e do recurso e a simplicidade do seu objecto, declaro que este será julgado liminar, singular e sumariamente (artºs 700 nº 1 c) e 705 do CPC).

II.

Julgamento do recurso.

1.

Relatório.

Companhia de Seguros A…, SA propôs, no Tribunal Judicial da Comarca de Almeida, contra M…, acção declarativa constitutiva com processo comum, sumaríssimo pelo valor, pedindo a anulação, por erro na declaração, da transacção celebrada na acção especial, emergente de acidente de trabalho, que corre sob o nº 246/10 no Tribunal do Trabalho da Guarda.

Fundamentou esta pretensão no facto de na tentativa de conciliação do processo para a efectivação dos direitos resultantes do acidente de trabalho que provocou a morte ao trabalhador da sociedade J. …, Lda., de nome O…, cônjuge da ré, relativamente ao qual assumiu a responsabilidade civil por acidentes de trabalho, ter declarado aceitar a proposta do Ministério Público, designadamente quanto às despesas reclamadas de funeral com trasladação no valor de € 3.689,14, valor que foi homologado tal como se encontrava no auto de conciliação, de ao proceder ao seu pagamento ter verificado que tais despesas somavam, de acordo com os documentos juntos pela ré, € 3.031, 83, de o requerimento de rectificação do erro de cálculo lhe ter sido indeferido, e de haver notória divergência entre aquilo que quer – conciliar-se com a ré, pagando-lhe as despesas de funeral e trasladação pelo valor do seu custo – e o que declarou – subsídio de funeral pelo valor máximo previsto na lei, acima do seu custo.

A ré, regularmente citada, não contestou.

Porém, a Sra. Juíza de Direito, depois de observar que o artº 118.º, alínea c) da Lei nº 52/2008, de 28.08, dispõe que compete aos tribunais do trabalho, em matéria cível conhecer das questões, emergentes de acidentes de trabalho, e que, em face do articulado da autora e dos documentos descritos que acompanham a petição inicial, mostra-se inequívoca que a relação de controvertida se baseia no acidente de trabalho que vitimou o marido da ré, e da obrigação que daí decorreu da aqui autora indemnizar a ré, sendo inequívoco que as questões emergem directamente de um acidente de trabalho e integram a competência dos tribunais de trabalho, sendo in casu competente o Tribunal do Trabalho da Guarda, declarou o Tribunal Judicial da Comarca de Almeida incompetente em razão da matéria e absolveu a ré da instância.

É, justamente, esta decisão absolutória que a recorrente impugna por via do recurso ordinário de apelação, no qual pede a sua revogação e substituição por outra que considere competente, em razão da matéria o tribunal recorrido.

Para inculcar o mal fundado da decisão impugnada, a recorrente condensou a sua alegação, nestas conclusões: … Não foi oferecida resposta.

2.

Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

… 3.

Fundamentos.

3.1.

Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

Maneira que, de harmonia com o conteúdo da decisão recorrida e das alegações da recorrente, pareceria que a questão concreta controversa que importa resolver seria só uma: a de saber se o Tribunal de que provém o recurso é ou não absolutamente competente, em razão da matéria, para conhecer do objecto da causa. Mas não é assim.

A recorrente visa, com o recurso, obter este preciso efeito jurídico: a revogação da decisão impugnada e a sua substituição por outra que declare o tribunal recorrido competente para a acção.

A decisão do recurso de apelação segue o modelo de substituição que se concretiza, entre outras, na regra seguinte: se o tribunal de 1ª instância tiver deixado de conhecer de certas questões, por considerar a sua apreciação prejudicada pela solução dada a outras, a Relação, caso disponha para tal de todos os elementos necessários, pode conhecer dessas questões no mesmo acórdão em que revogue a decisão recorrida (artº 715º, nº 2 do CPC). Neste caso, o relator – caso seja necessário para prevenir o risco de decisões surpresa – deve, em princípio, ouvir as partes (artº 715º, nº 3 do CPC).

No caso, o tribunal recorrido, por julgar verificada a excepção dilatória da sua incompetência ratione materiae, não conheceu, evidentemente, do fundo da causa – do pedido constitutivo material da recorrente, de anulação do acordo concluído no Tribunal do Trabalho, que estatuiu sobre indemnização devida à recorrida, pelo facto lamentável da morte do trabalhador, seu cônjuge.

Nesta conjuntura, caso se deva concluir que a decisão recorrida não é juridicamente conforme – por não se verificar a excepção dilatória apontada – além de a revogar, esta Relação deve decidir a questão jurídica material objecto da causa: a anulação daquele negócio jurídico processual.

E em face da revelia absoluta da recorrida – tanto na causa como no recurso – e da consequente fixação dos factos materiais da causa, e do conteúdo das alegações da recorrente, não se justifica mesmo proceder à audição prévia das partes, dado que a ambas tiveram já ampla possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria de facto e de direito relevante, não existindo, assim, risco de proferimento de qualquer decisão surpresa, i.e., de enquadramento jurídico da situação de forma diferente daquela que é perspectivada pelas partes ou com o qual estas não pudessem razoavelmente contar (artº 3º, nº 3, 1ª parte, 137º e 207º, 2ª parte do CPC).

De modo que não é uma mas duas as questões que devem constituir o universo das nossas preocupações: a de saber se o tribunal recorrido é ou não competente, em razão da matéria, para conhecer da causa; a de saber se se verificam no caso os pressuposto do erro na declaração na qual a recorrente funda o seu direito potestativo de anulação do negócio jurídico processual representado pelo acordo concluído, no Tribunal do Trabalho, na fase conciliatória do processo especial para a efectivação dos direitos resultantes de acidente de trabalho.

A resolução destes problemas vincula, naturalmente, à aferição da competência material do tribunal recorrido e dos pressupostos da anulação do negócio jurídico processual de transacção por erro na declaração.

Outro ponto que deve, desde já, deixar-se claro é o relativo à lei de organização judiciária aplicável ao problema da determinação da competência material do tribunal recorrido.

Uma das normas aplicadas pela decisão impugnada, para recortar o perímetro da competência do tribunal de trabalho, foi a contida na alínea c) do artº 118º da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e é a violação desse preceito que a recorrente imputa àquela decisão.

Simplesmente, a escolha dessa norma para enquadrar o caso concreto encontra-se ferida de um nítido erro.

Realmente, a LOFTJ aprovada pela Lei nº 52/2008, apenas é aplicável, a título experimental, às comarcas piloto do Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Lisboa Noroeste (artºs 171º e 187º, nº 1 da LOFTJ).

Como o Tribunal de que provém o recurso não se compreende no perímetro de qualquer daquelas comarcas, segue-se que à espécie objecto do processo é aplicável a LOFTJ aprovada pela Lei 3/99, de 13 de Janeiro, com as...

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