Acórdão nº 486/08.5GAPMS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA PILAR DE OLIVEIRA
Data da Resolução16 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular nº 486/08.5GAPMS do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, o arguido A..., identificado nos autos, foi submetido a julgamento acusado da prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea b) e nº 2 do Código Penal.

O Hospital de Santo André, EPE, deduziu pedido de indemnização cível contra o arguido, pelos tratamentos prestados à ofendida B..., reclamando o pagamento de € 324,00 acrescidos de juros legais desde a notificação e até integral pagamento.

A ofendida B..., constituiu-se assistente, aderiu à acusação pública e deduziu pedido cível contra o arguido requerendo indemnização em valor não inferior a € 5.020,25, acrescida de juros legais vencidos desde a data da dedução do pedido cível e até integral pagamento.

Realizada que foi a audiência de julgamento, em 31 de Março de 2011, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: Nestes termos e com os fundamentos expostos decido: - Condenar o arguido, A..., como autor material de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n.º 2, por referência à alínea b), do n.º 1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão; - Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido, pelo período de um ano; - Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 uc, e demais encargos legais; - Condenar o arguido a pagar à demandante B..., a quantia de €: 2.000,00 a título de indemnização por facto ilícito, acrescido de juros contados à taxa legal sobre esta quantia, desde a notificação do pedido de indemnização cível e até integral pagamento.

- Absolver o arguido o arguido do pedido de indemnização formulado pelo demandante Hospital de Santo André - Leiria; - Custas cíveis na proporção do decaimento.

Inconformado, recorreu o arguido A...

, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. O arguido foi condenado em sentença pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n.º 2, por referência à alínea b), do n.º 1 do C. Penal, na pena de um ano de prisão, suspensa por pelo período de um ano e condenado a pagar à demandante B..., a quantia de € 2.000 a título de indemnização por facto ilícito, acrescido de juros contados desde à taxa legal sobre esta quantia, desde notificação do pedido de indemnização cível e até integral pagamento.

  1. Contudo o recorrente não se conforma com a mesma, quer por entender por não ter sido efectuada uma correcta apreciação da prova produzida em sede de julgamento, da qual faz transcrição das partes que imporem decisão diferente, assim como, e em consequência, entende ter sido efectuada uma deficiente aplicação do direito aos factos.

  2. No que à matéria de facto concerne e com o qual o recorrente não se conforma, que a prova carreada para a audiência de discussão e julgamento não foi suficiente para considerar como provada a matéria constante dos pontos 6 e 23.

  3. O recorrente negou a prática do facto dado como provado no ponto 6 da sentença mas o meritíssimo juiz deu como provado esse facto apenas com base no depoimento da testemunha C..., irmã da assistente.

  4. No entanto, além desta testemunha, mais ninguém ouviu o arguido proferir qualquer expressão ofensiva contra a assistente. Muito pelo contrário, o que as restantes testemunhas afirmaram foi que a assistente insultava o arguido, que nem sequer lhe respondia.

  5. Apesar de uma acusação repleta de factos de carácter muito grave, nada se considerou provado, muito por conta do depoimento da assistente que foi mesmo considerado na sentença" genérico, desconexo e de pouca credibilidade".

  6. Assim, e conforme resulta da sentença foram apenas as declarações proferidas pela testemunha C... que foram consideradas para dar como provado o ponto 6, que foi determinante para a condenação do arguido.

  7. O Meritíssimo descredibilizou o testemunho do recorrente, dando crédito só a uma única testemunha, violando deste modo o princípio "in dubio pro reo".

  8. No que diz respeito ao ponto 23 da sentença foi dado com provado que "Ao privar a sua esposa do acesso à água, gás, electricidade., telefone e correio, na casa onde ambos habitavam, sabia o arguido que atentava contra a dignidade humana da sua esposa, causando-lhe sofrimento psíquico, o que quis e conseguiu".

  9. Mas entende o recorrente que não ficou provado que o acto acima referido "colocou a ofendida numa situação de quase indigência no interior da sua própria casa, acto que não se pode deixar de considerar extremamente humilhante e lesivo da sua dignidade humana, o que o arguido sabia, e quis.". Esta é a descrição utilizada na sentença para enquadrar o comportamento no tipo legal do crime.

  10. Não pode aceitar o recorrente que se considere provado que: " ... causando-lhe sofrimento psíquico, o que quis e conseguiu".

  11. Não se fez prova que o episódio acima referido, que conforme se descreve na douta sentença, surgiu como uma retaliação por ter a assistente retirado da conta da filha de ambos dinheiro depositado, teria colocado a assistente numa situação de indigência no interior da sua própria casa.

  12. Tal conclusão não resulta de uma análise objectiva da prova produzida em audiência de julgamento, como ainda e face à incoerência e pouca precisão dos depoimentos prestados, deveria no mínimo, ter o M.º Juiz atendido ao princípio in dúbio pró réu, completamente olvidado na apreciação dos factos.

  13. Na verdade, e no final de uma vastíssima acusação, condena-se o recorrente por um crime de violência doméstica assentando tal condenação em apenas dois comportamentos. Por um lado as ofensas verbais praticadas pelo arguido, chamando á sua esposa "vaca", tendo por base apenas o depoimento de uma única testemunha, irmã da assistente. Por outro lado o facto do arguido ter negado à ofendida o acesso a bens e serviços absolutamente necessários para a sua vida diária.

  14. Nenhuma testemunha relatou ou confirmou o referido sofrimento que tal situação teria provocado na assistente. Aliás foi referido que foi ela que provocou a situação.

  15. Como tal resultou, uma incorrecta subsunção dos factos provados ao tipo legal de crime praticado.

  16. Não se compreende que o julgador não tenha dado qualquer relevância probatória as testemunhas de defesa.

  17. O Julgador não pode ao arrepio de toda a prova produzida, das contradições e incoerências demonstradas decidir em sentido contrário ao arguido.

  18. Tendo em atenção o supra referido, entende-se que a prova fornecida durante a audiência de discussão e julgamento não justificam de forma alguma ter-se considerado provado os factos referidos nos pontos 6 e 23.

  19. Tais factos ter-se-iam que considerar não provados o que implicaria necessariamente a absolvição do arguido.

  20. O Meritíssimo Juiz a quo não valorou devidamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento o que se veio a traduzir numa deficiente decisão sobre a matéria de facto dada como provada, e assim numa injusta condenação.

  21. Mesmo considerando os factos dados como provados como correctos, o que também só se admite por mero dever de patrocínio, o Tribunal recorrido fez um incorrecto enquadramento jurídico dos mesmos.

  22. Entende assim o recorrente, que mesmo que se considerassem os factos dados como provados na sentença, estes não são susceptíveis de integrar a prática do crime pelo qual vem condenado – crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152°, n.º 2, por referência à alínea b), do n.º 1 do C. Penal.

  23. A conduta do recorrente não foi suficiente para lesar o bem jurídico protegido no crime de violência doméstica, não reveste gravidade suficiente para que se possa falar de crime em questão.

  24. O recorrente entende que mesmo que se dessem como provadas as duas situações descritas nos factos dados como provados (ponto 6 e 23) estas não representam uma grave agressão que se enquadre na protecção a que se refere o artigo 152° do C. P.

  25. O recorrente agiu sempre numa situação de legitima defesa, e portanto, ao abrigo de uma causa exclusão de ilicitude.

  26. Os dois únicos comportamentos apontados para integrar o crime de violência doméstica não assumem gravidade tal que atinja o bem jurídico protegido.

  27. A situação de conflito vivida pelo casal, as constantes discussões e provocações cometidas pela assistente, o permanente clima de animosidade tem de ser devidamente valorado e apreciado dentro de um contexto muito específico.

  28. Não são todas as ofensas entre cônjuges que cabem na previsão criminal do artigo 152°, mas aqueles que revistam de uma certa gravidade.

  29. Toda a factualidade apurada em audiência de julgamento não consubstancia a colocação da assistente como uma vítima. Todos os comportamentos por parte do arguido resultaram apenas da tentativa do arguido se proteger a si e à sua filha dos constantes comportamentos desequilibrados e ofensivos por parte da assistente. A assistente nunca se...

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