Acórdão nº 1194/11.5TYVNG-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelCARLOS QUERIDO
Data da Resolução26 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1194/11.5TYVNG-A.P1 Sumário do acórdão: I. No nosso regime da propriedade industrial vigora o registo constitutivo, face ao que preceitua o n.º 1 do artigo 224.º do CPI: “O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina”.

  1. Apesar da protecção legal da “marca de facto”, decorrente da conjugação dos artigos 266.º, n.º 1, 239.º, n.º 1, e) e 241.º, n.º 2, todos do CPI, traduzida na possibilidade de anulação do registo de uma marca conflituante com fundamento em concorrência desleal objectiva, não tendo o requerente registado a marca, não poderá requerer providências cautelares ao abrigo do disposto no artigo 338.º-I do CPI, aplicável exclusivamente às situações em que existe titularidade do direito de propriedade industrial [só concretizável através do registo].

  2. No entanto, o requerente da providência que não registou a marca poderá - face à conjugação do disposto no artigo 338.º-P do CPI, com o n.º 3 do artigo 392.º do CPC - lançar mão do procedimento cautelar comum previsto no artigo 381.º do CPC, fundado na concorrência desleal, desde que a mesma se traduza em lesão grave e dificilmente reparável, pressuposto essencial enunciado no n.º 1 do citado preceito.

  3. O n.º 3 do artigo 392.º do CPC impõe ao juiz o poder-dever de convolação da providência concretamente requerida para a que considere legalmente adequada ou mais eficaz à prevenção do receado dano, cumprindo-lhe corrigir, mesmo oficiosamente, o erro na forma do procedimento.

    Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. Relatório B… e C…, autores na acção declarativa em que é ré D…, instauraram por apenso à mesma, o presente procedimento cautelar comum contra a ré e intervenientes principais E…, Lda., e F…, formulando os seguintes pedidos: I. Que sejam os requeridos intimados a, no prazo de 8 dias a contar da notificação para o efeito, alterarem o nome do estabelecimento de restauração que exploram no n.º .. da Rua …, no Porto, no sentido de deixarem de usar o nome “ALEIXO”, ou palavras com ele confundíveis ou que lhe façam alusão, na identificação e publicidade desse estabelecimento e em toda a documentação com ele relacionada; II. Que sejam proibidos os requeridos, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na acção declarativa, de utilizar a palavra “ALEIXO” como sinal distintivo da sua actividade ou de algum estabelecimento que explorem ou venham a explorar, ou produtos ou serviços que comercializem, bem como quaisquer palavras com ela confundíveis ou que lhe façam alusão, nomeadamente na publicidade, papel timbrado, Internet, correio electrónico ou na ornamentação de estabelecimento; III. Que seja fixada como sanção pecuniária compulsória a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a pagar pelos Requeridos à Requerente, por cada dia de atraso no cumprimento da intimação referida no ponto I ou de violação da proibição referida no ponto II, supra.

    Alegaram em síntese os requerentes[1]: a requerente B… é mãe e o requerente C… irmão da requerida D…; na sequência do falecimento de G…, marido da 1.ª requerente e pai do 2.º requerente e da requerida D…, foi feito inventário, fazendo parte do acervo hereditário, o restaurante “Casa Aleixo”; o referido estabelecimento foi adjudicada a todos os herdeiros (requerentes e 1.ª requerida), na proporção de 4/6 à 1.ª requerente, 1/6 ao 2.º requerente e 1/6 à requerida D…; a requerida D… abriu um restaurante em local próximo da “Casa Aleixo”, ao qual atribuiu a designação de “D… do Aleixo”, tendo pedido ao INPI o registo da marca, do nome do estabelecimento, bem como de um logótipo muito semelhante ao que usa a “Casa Aleixo”; os proprietários da “Casa Aleixo” nunca solicitaram qualquer registo de nome ou de marca; a requerida visou com a conduta descrita, uma associação do seu estabelecimento à imagem da “Casa Aleixo”, que é um restaurante de referência na cidade do Porto, e que assim vem sendo gravemente prejudicado.

    Os requeridos deduziram oposição, alegando em síntese: não se verificam os pressupostos enunciados no artigo 338.º do CPI; os restaurantes em causa não se situam na mesma rua; os requerentes não são detentores de qualquer “marca registada”, tal como assumem no seu articulado; a requerida D… é comproprietária do estabelecimento “Casa Aleixo”, prevalecendo o seu direito à marca, porque a registou; a proibição de uso do nome do estabelecimento da requerida causaria elevados danos.

    A M.ª Juíza entendeu desnecessária a realização de quaisquer diligências instrutórias, face às alegações e documentos contidos nos autos, proferindo de imediato sentença, onde conclui: «Portanto, daqui não se pode concluir que os requerentes tenham um direito – direito à marca “Casa do Aleixo”, nem que esta esteja devidamente registada, cfr. artº 224º do CPI. (vd. Ac. TRG de 19.12.07).

    O CPI consagra o sistema de registo constitutivo ou atributivo da propriedade da marca – artº 224º, n.º 1 -, o que significa que, não existe um direito exclusivo sobre uma marca se e enquanto não se encontrar registada; a propriedade da marca não resulta do seu uso mas do seu registo – Ac. RC de 23.11.93.

    Daqui decorre, desde já, que o primeiro pressuposto não se verifica, pelo que, nos parece que prejudicada fica a apreciação dos demais pressupostos previstos no artº 338º-I, n.º 1 do CPI, julgo improcedente a presente providência cautelar».

    Não se conformaram os requerentes, e interpuseram o presente recurso de apelação, apresentando alegações onde formula as seguintes conclusões: A - O tribunal recorrido decidiu erradamente a matéria de facto, ao ter-se abstido de dar como provada a matéria alegada pelos Apelantes nos artigos 8.º a 15.º e 31.º a 47.º do requerimento inicial da providência.

    B – Especificando (…) os factos alegados nos artigos 8.º a 15.º do requerimento da providência resultam provados dos documentos n.ºs 5 a 23 da PI da acção principal, bem como do documento junto aos autos com o requerimento de 19/07/2012, sendo em boa parte admitidos pelos requeridos, na sua oposição e na contestação da acção; e os factos alegados nos artigos 31.º a 44.º do requerimento da providência resultam provados dos documentos 1 a 7 da réplica da acção principal, sendo em boa parte admitidos pelos requeridos, na sua oposição e na contestação da acção.

    C - Pelo exposto, existe fundamento para que a decisão sobre a matéria de facto desde já seja alterada, no sentido de passar a dar como assente a matéria alegada nos artigos 8.º a 15.º e 31.º a 44.º do requerimento de providência (sendo que a matéria dos artigos 45.º a 47.º depende de produção de prova testemunhal).

    D - Ao abrirem um restaurante denominado “D… DO ALEIXO” a poucos metros do famoso restaurante “ALEIXO”, os Apelados sabiam e não podiam ignorar que, com essa designação e localização, iriam causar confusão e, sobretudo, aproveitar a grande reputação que este estabelecimento goza, tentando desse modo desviar clientela deste para aquele estabelecimento, numa conduta típica de Concorrência Desleal.

    E - O facto de os Apelantes - comproprietários do restaurante “ALEIXO” - não serem ainda titulares de um registo de marca ou de logótipo sobre esse sinal, não os priva da tutela decorrente da proibição da Concorrência Desleal, nem daquela que decorre do direito de anular marcas registadas abusivamente.

    F - No caso em apreço, o direito cuja efectividade se pretende assegurar através da providência cautelar é o direito à abstenção e/ou cessação da conduta ilícita por parte do infractor, fundando-se o interesse dos requerentes em direito emergente da decisão a proferir na acção principal.

    G - O facto de o registo de marcas e logótipos ter natureza constitutiva em nada impede a concessão da providência, pois é a própria lei (art. 381.º/2 do C PC) que admite que o interesse do requerente se funde num direito já existente ou direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva já proposta.

    H - Por isso, mal andou o tribunal a quo, ao entender que os Apelantes - pelo facto de não disporem de uma marca ou logótipo registado - não eram titulares de um direito passível de fundar a providência requerida.

  4. A sentença recorrida - além de ter decidido erradamente a matéria de facto assente - violou o disposto nos artigos 381º/2 do C PC e 317.º do CPI.

    Os requeridos apresentaram resposta às alegações de recurso, onde alegam que impugnaram os factos que os recorrentes pretendem que sejam considerados provados, formulando as seguintes conclusões: i. Deverá ser mantida a decisão recorrida, não se alterando a decisão sobre matéria de facto, no sentido de passar a dar como assente a matéria alegada nos artigos 8.º, 14.º, 15.º, 32.º a 39.º e 44.º do requerimento inicial da providência.

    ii. Por não serem titulares do direito exclusivo sobre a marca “CASA ALEIXO” (ou sobre qualquer outra marca contendo o vocábulo “ALEIXO”), nem sequer estarem autorizados a utilizá-la, falha, desde logo, o primeiro dos pressupostos do qual depende, nos termos do art. 338.º-I do CPI, a procedência da providência cautelar requerida.

    iii. E, bem assim, não poderá ser invocado o disposto no art. 381.º, n.º 2 do CPC, relativo ao procedimento cautelar...

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