Acórdão nº 6439/07.3TBMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Novembro de 2012
Magistrado Responsável | ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 08 de Novembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação Processo n.º 6439/07.3TBMTS.P1 [4.º Juízo Cível da Comarca de Matosinhos] Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto: I.
B…, residente em …, instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, acção declarativa comum, contra o Fundo de Garantia Automóvel, com sede em Lisboa, e C…, residente em ….
Terminou a petição inicial pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia global de € 210.881,48, acrescida de juros legais de mora que se vencerem desde a citação até integral pagamento, e ainda a quantia que se vier a liquidar decorrente do facto de o autor ir necessitar de se submeter a uma intervenção cirúrgica ao tornozelo esquerdo, incluindo o custo da intervenção, os prejuízos por ficar inactivo para o trabalho e aos danos não patrimoniais.
Para o efeito alegou que no dia 29 de Agosto de 2005, se deu um embate entre o veículo LM-..-.., conduzido por si, e o veículo 1-VLG-..-.., conduzido pelo 2º réu, em consequência do qual o primeiro entrou em despiste e embateu noutro veículo que se encontrava estacionado no local, sendo que esse embate se deveu a culpa exclusiva do 2.º réu, conforme já ficou estabelecido em sede criminal. O 2º réu não transferiu para qualquer seguradora a responsabilidade decorrente da circulação do 1-VJG. Em consequência desse embate o autor sofreu lesões corporais e danos materiais cujo montante ascende ao valor do pedido formulado.
A acção foi contestada somente pelo Fundo de Garantia Automóvel, que impugnou a matéria de facto alegada e alegou não lhe poder imputada a responsabilidade pela indemnização das lesões materiais e existir uma franquia legal, concluindo no sentido de a acção ser julgada em conformidade com a prova que viesse a ser produzida.
Devidamente tramitada e instruída, a acção prosseguiu até julgamento, findo o qual foi proferida sentença julgando a acção parcialmente provada e procedente e condenando os réus nos seguintes termos: A) Ambos os réus a pagarem ao autor, solidariamente, as seguintes quantias: €22,80 a título de taxas moderadoras pagas em consultas e tratamentos de fisioterapia; €342,85 a título de tratamentos de fisioterapia; €2.78,15 a título de despesas médicas, actos médicos e combustíveis; B) O 2º réu C… a pagar o valor a liquidar relativamente aos danos produzidos no motociclo do autor e o 1º réu, solidariamente, em relação a esses danos a quantia que exceda a franquia legal; C) Ambos os réus a pagarem ao autor, solidariamente, as seguintes quantias: €3.112,32 a título de remunerações que a esposa do Autor deixou de auferir em virtude de ter que dar assistência ao Autor; €720 a título de subsídio de alimentação; €1.600 a título de subsídio de turno e de patrulha que não lhe foram pagos desde a data do acidente até 15.04.2006; €2.400 a título de subsídio de turno e de patrulha que deixou de auferir entre 26.4.2006 e 24.4.2007; €64.000 a título de dano patrimonial futuro; quantias a que acrescem juros de mora desde a citação até integral pagamento; E) Ambos os réus a pagarem ao autor a quantia que se vier a liquidar, relativa ao facto de o autor ter que se submeter a uma intervenção cirúrgica ao tornozelo esquerdo, incluindo o custo da intervenção, os prejuízos que eventualmente resultarem da inactividade para o trabalho e os danos não patrimoniais decorrentes da intervenção cirúrgica.
F) Ambos os réus a pagarem ao autor, solidariamente, €15.000 a título de danos não patrimoniais.
Do assim decidido, o réu Fundo de Garantia Automóvel interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões: 1. A resposta ao quesito 56.º da base instrutória deve ser alterada para provado; 2. A presunção legal de prova decorrente da sentença penal condenatória não obsta a que tal quesito se considere provado; 3. A prova de tal quesito decorre do RELATÓRIO DE RECONSTITUIÇÃO DE ACIDENTE DE VIAÇÃO junto a fls…, conjugado com as regras da experiência comum; 4. O sobredito RELATÓRIO não foi infirmado quanto aos seus pressupostos e mérito técnicos; 5. Deve ser imputada ao autor 20% da responsabilidade pela produção do acidente; 6. Se assim não se entender, deve considerar-se que a velocidade excessiva concorreu para o agravamento dos danos, reduzindo-se a indemnização em 20%; 7. O autor é parte ilegítima para reclamar as perdas salariais sofridas pela sua esposa; 8. Se assim não se entender, não existem elementos que permitam aferir sobre se o salário era um bem comum; 9. A indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pelo autor deve ser de €9.000; 10. A idade de cessação da vida activa do autor será a idade de 60 anos; 11.A indemnização pelo dano patrimonial sofrido pelo autor deve ser de €35.000; 12.Aos não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 496.º, 495.º, n.º 2, 570.º, ambos do CC, e os artigos 674º-A e 26.º do CPC e, por fim, a alínea c), do n.º 2, do artigo 86.º do DL n.º 299/2009, de 14 de Outubro.
O autor recorrido não respondeu a estas alegações.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
II.
Questões a resolver: Devidamente interpretadas, as alegações de recurso colocam este Tribunal perante o dever de resolver as seguintes questões: i) Qual a natureza e extensão da presunção prevista no artigo 674.º-A do Código de Processo Civil relativamente às sentenças de condenação em processo-crime.
ii) Qual a natureza processual do “relatório de reconstituição” de um acidente de viação – se é meio de prova e em que circunstâncias ou medida pode ser considerado pelo tribunal.
iii) Se o autor pode reclamar por si mesmo indemnização destinada a compensar a perda de rendimentos da mulher que para lhe prestar assistência deixou de trabalhar e auferir a correspondente retribuição.
iv) Como classificar e indemnizar o dano sofrido pelo autor em virtude da incapacidade de que ficou afectado.
III.
Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos (ora renumerados: 1. O Autor nasceu em 26.07.1965.
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No dia 29 de Agosto de 2005, pelas 12.10 horas, o Autor conduzia o seu motociclo, matrícula LM-..-.., pela Rua …; 3. O Autor conduzia no sentido …/…; 4. Pela Rua …, no sentido …/…, à frente do LM-..-.. seguia o ciclomotor matrícula 1-VLG-..-.., tripulado pelo Réu C…; 5. À frente do 1-VLG-..-.. circulava um veículo automóvel; 6. Quando o Autor circulava em frente ao prédio com o número de polícia …, situado no lado direito da Rua …, atento o sentido …/…, resolve ultrapassar o 1-VLG-..-.., para o que se certifica pelo espelho que não está a ser ultrapassado; 7. O Autor acciona o sinal luminoso da esquerda; 8. O Autor desvia-se para a hemi-faixa esquerda, atento seu sentido; 9. Quando o LM-..-.. está com a sua frente ao lado da traseira do 1-VLG-..-.., o condutor deste veículo, o Réu E…, guina para esquerda; 10. O LM-..-.. embateu com a sua frente na lateral traseira do lado esquerdo do 1-VLG-..-..; 11. Em consequência do embate, o LM-..-.. entrou em despiste; 12. O LM-..-.. foi embater no veículo ..-..-ZZ que se encontrava estacionado no lado esquerdo da Rua …, considerando o sentido …/…; 13. O Réu C…, tripulante do 1-VLG-..-.., iniciou a manobra de ultrapassagem sem previamente a ter assinalado; 14. O Réu C… iniciou a manobra de ultrapassagem sem previamente se certificar se estava a ser ultrapassado pelo LM-..-..; 15. O veículo 1-VLG-..-.., à data de 29.08.2005, não estava abrangido por contrato de seguro que garantisse a responsabilidade civil emergente da sua circulação; 16. O LM-..-.., em consequência do embate, sofreu danos em montante não concretamente apurado; 17. Logo após o embate, o Autor foi transportado para o Hospital …, em Matosinhos; 18. No hospital efectuaram ao Autor exames de RX, diagnosticando-lhe fractura da vértebra D5, arrancamento ósseo na articulação subastragalina do tornozelo esquerdo e escoriações; 19. O Autor ficou internado no hospital até ao dia 20.09.2005; 20. Durante o período de internamento, o Autor fez pensos e esteve no leito imobilizado na posição dorsal, com tala gessada no tornozelo esquerdo; 21. Antes da alta hospitalar, foi imobilizada ao Autor a coluna com colete tipo “Jawtt”; 22. O Autor andou com o colete cerca de dois meses; 23. O Autor andou com tala de gesso no tornozelo esquerdo, o que implicou que tivesse sido obrigado a deslocar-se com a ajuda de duas canadianas; 24. O Autor andou com a ajuda das canadianas durante dois meses; 25. O Autor frequentou consultas externas e tratamentos de fisioterapia durante um ano; 26. Durante esse período de um ano o Autor despendeu a quantia de €322,80, a título de taxas moderadoras; 27. Gastou a quantia de €342,85, a título de tratamento de fisioterapia efectuados na Clínica "D…, Lda."; 28. O Autor teve que efectuar despesas com medicamentos, actos médicos e combustíveis, cujo montante ascende a €278,15; 29. O Autor esteve com incapacidade absoluta para a sua actividade profissional (agente policial principal) desde 30.08.2005 até 15.04.2006; 30. Em 15.04.2006 o Autor iniciou a sua actividade mas em regime de exercício de serviços moderados; 31. Durante o período de incapacidade, as lesões que o Autor sofreu impediram-no de realizar sozinho a sua higiene pessoal, deitar-se, levantar-se e vestir-se; 32. O Autor necessitou da assistência da sua esposa para o auxiliar na sua higiene pessoal, deitar-se, levantar-se e vestir-se; 33. A sua esposa, à data do embate, exercia a actividade de cabeleireira, auferindo o vencimento mensal de €389,04; 34. A sua esposa foi obrigada a deixar de trabalhar desde Setembro de 2005 até 30.04.2006, período que esteve de licença sem vencimento; 35. À data do embate o Autor exercia a actividade de agente policial principal na esquadra da Maia, auferindo o vencimento mensal de €1.548,65; 36. Desde a data do embate até 15.04.2006, ao Autor foi-lhe pago o salário descontado do subsídio de alimentação, no valor de €90,00 mensais, e do subsídio de turno e de patrulha, no valor de €200,00, também mensais; 37. A partir de 16.04.2007...
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