Acórdão nº 71/09.4IDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Novembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR ESTEVES
Data da Resolução14 de Novembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso Penal nº 71/09.4IDPRT.P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: 1.Relatório No 4º juízo criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, em processo comum com intervenção de tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-los, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105° n°s 1 e 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 5 meses de prisão, substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade fixada em 150 horas.

Inconformado com a sentença, dela interpôs recurso o arguido, pretendendo que seja revogada e substituída por outra que declare a nulidade invocada ou, caso entenda que não se verifica esse vício, lhe aplique uma pena de multa, para o que apresentou as seguintes conclusões: A.

Vem o presente recurso da douta Sentença proferida nos presentes autos que condenou o aqui Recorrente na prática do crime de abuso de confiança fiscal, porquanto resultou provado nos presentes autos que o aqui Recorrente se apropriou do montante total de €80.500,05 relativo a IVA que deveria ter sido entregue à fazenda nacional e assim se viu como penalmente sancionável a apropriação relativa ao quarto trimestre de 2004 e ao segundo trimestre de 2006, no valor total de €16.514,35, porquanto as restantes quantias se apresentam de valor inferior a €7.500,00, considerado por declaração.

B.

Tendo sido por tal motivo o aqui Recorrente condenado na pena de 05 (cinco) meses de prisão, que ao abrigo do disposto no artigo 58.° do Código Penal, se substituiu pela prestação de trabalho a favor da comunidade, a executar conforme vier a ser definido pelos serviços de reinserção, no total de 150 horas. Mais foi o aqui Recorrente condenado nas custas do processo fixado em duas unidades de conta, o valor da taxa de justiça devida, nos demais encargos, a que a sua actividade deu lugar (conforme artigos 513.° n.° l e 513.° n.° l do Código de Processo Penal).

C.

Considera o Recorrente que o procedimento criminal em apreço nos presentes autos se encontra prescrito, porquanto O crime imputado ao arguido é referente ao quarto trimestre de 2004 e segundo trimestre de 2006, sucede que compulsado o presente processo verifica-se que o Recorrente foi apenas em 17 de Outubro de 2011, constituído arguido.

D.

Sendo certo que o artigo 21.° do Regime Geral das Infrações Tributárias estatui que o procedimento criminal por crime fiscal se extingue, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos, afigura-se inequívoco que, de acordo com o disposto na referida disposição legal, o procedimento tributário que sustenta os presentes autos já se encontra prescrito, prescrição esta que expressamente se argui.

E.

Vem o Recorrente trazer à colação do presente recurso a excepção ora invocada e que não foi pelo Digníssimo Tribunal “a quo” conhecida, porquanto considerou o Tribunal “a quo” que “o processo se mantém-se isento de nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa”.

F.

Em face do exposto, e no cumprimento do disposto no artigo 379.° n.° l do Código de Processo Penal, sempre será de concluir pela Nulidade da douta sentença recorrida, porquanto o Tribunal , “a quo” não conheceu da excepção que ora se enuncia.

G.

Tendo antes referido que “o processo mantém-se isento de nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa”.

H.

Não sendo procedente a excepção supra invocada, sempre será de se referir que o presente recurso tem por objecto a reapreciação das consequências jurídicas do crime de abuso de confiança fiscal imputado ao aqui arguido, pelo que o presente recurso versa exclusivamente matéria de direito.

I.

A douta sentença recorrida considerou a acusação procedente e, em consequência, condenou o arguido: como autor material, e sob a forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105°, n.° l e n.° 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 05 (cinco) meses de prisão, que ao abrigo do disposto no artigo 58.° do Código Penal, se substituiu pela prestação de trabalho a favor da comunidade, a executar conforme vier a ser definido pelos serviços de reinserção, no total de 150 horas; nas custas do processo fixado em duas unidades de conta, o valor da taxa de justiça devida, nos demais encargos, a que a sua actividade deu lugar (conforme artigos 513.° n.° l e 513.° n.° l do Código de Processo Penal).

J.

A questão objecto do recurso em apreço envolve, para além da excepção supra invocada, a sindicância do critério da escolha da pena previsto no artigo 70.° do Código Penal, porquanto o crime cometido pelo arguido é punível com pena de prisão ou pena de multa.

K.

Considerou o Digníssimo Tribunal “a quo” ser de aplicar ao aqui Recorrente uma pena de 05 (cinco) meses de prisão, que ao abrigo do disposto no artigo 58.° do Código Penal, se substituiu pela prestação de trabalho a favor da comunidade, a executar conforme vier a ser definido pelos serviços de reinserção, no total de 150 horas, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105°, n.° l e n.° 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias.

L.

Verifica-se que a moldura penal do crime de que vem acusado o arguido prevê, em alternativa à pena de prisão a aplicação de pena de multa.

M.

Nestas circunstâncias prevêem os artigos 40.º; 48.°; 50,°; 70.° e 71.º do Código Penal que “na escolha da pena deve o Tribunal preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa (de multa) sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa se revele adequada e suficiente à finalidade da punição”, conforme se refere no sumário proferido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 01.04.2009.

N.

Isto posto e ainda na esteira do referido Acórdão, temos que, “a aplicação de uma pena alternativa à pena de prisão, no caso a pena de multa, depende tão somente de considerações de prevenção especial, sobretudo de prevenção especial de socialização, e de prevenção geral sob a forma de satisfação do “sentimento jurídico de comunidade.”.

O.

No caso em apreço constata-se que por um lado o Recorrente não tem antecedentes criminais pela prática de ilícitos idênticos ao dos autos, o que no entender do Recorrente não foi devidamente considerado na douta sentença recorrida, e por outro lado o arguido actualmente já não se encontra a desenvolver qualquer actividade relacionada com a prática do crime pelo qual vem aqui condenado.

P.

Verifica-se que o Código Penal traça um sistema punitivo que arranca do princípio basilar de que as penas devem ser executadas com sentido pedagógico e ressocializador, resultando que o critério de escolha da pena e a determinação da respectiva medida - conforme artigo 40.° e artigo 70.° do Código Penal - se valida no principio de que o legislador se encontra limitado pela exigência do respeito pela dignidade da pessoa humana, pelas exigências de prevenção e que toda a pena tem de ter como suporte axiológico normativo uma culpa concreta. Principio este que significa que não há pena sem culpa, e que a culpa decide sobre a medida da pena a aplicar a cada crime. Nas palavras de Figueiredo Dias in “Código Penal, Actas e Projecto de Revisão”, M. J., Lx, pág. 78, “ A culpa (...) é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção, geral e especial”.

Q.

Nestes termos considera o aqui Recorrente que a pena de prisão aplicada, ainda que substituída por pena não privativa da liberdade, se revela como ABSOLUTAMENTE DESADEOUADA ao caso presente.

R.

Deveria o Tribunal “a quo” ter ponderado de forma equitativa o conjunto de circunstâncias internas e externas relacionadas com os acontecimentos do ilícito criminal, designadamente o dolo, os fins do crime; o prejuízo para a administração fiscal; o modo de execução, a gravidade das consequências do facto e por fim a inexistência de antecedentes criminais nesta área, o que nos presentes autos, no entender do aqui Recorrente, não aconteceu.

S.

Desta forma, e com todo o devido e merecido respeito, não poderá concordar o aqui Recorrente, com a aplicação não de uma pena de multa, mas de uma pena de prisão ainda que substituída pela prestação de trabalho a favor da comunidade.

T.

Tal pena é de todo incompreensível e desadequada às circunstâncias do caso presente, e, bem assim, à personalidade do Recorrente, sendo certo que, ao invés do vertido na douta sentença recorrida, a aplicação de uma pena de multa sempre satisfaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente, as necessidades de prevenção especial.

U.

Tal sanção constitui, per si, sério aviso para o arguido, sendo, assim, suficiente para afastá-lo da criminalidade e para satisfazer as exigências de reparação e prevenção do crime.

V.

Atenta a especificidade do tipo de crime em apreço, de forma alguma se poderá concluir que a reinserção do aqui Recorrente só será possível com a aplicação ao mesmo de uma pena de prisão, e não, da pena alternativa, de multa.

W.

Nesta perspectiva, atendendo a tudo quanto se encontra sobredito julga o aqui Recorrente ser suficiente uma pena de multa para censurar a prática do tipo legal de crime que lhe foi imputado, aceitando-se ao mesmo tempo que o juízo de censura intrínseco à sua aplicação irá prevenir a prática de actos de semelhante natureza.

X.

Assim, é forçoso concluir-se que a opção pela aplicação ao aqui Recorrente de uma pena de prisão, ainda que substituída por trabalho a favor da comunidade, não se mostra de modo algum como correcta e justa, pecando por manifestamente desadequada, não se enquadrando, nos princípios legais referidos nos artigos 40° e 70° do Código Penal.

Y.

Pelo que a Sentença proferida ao não atender aos...

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