Acórdão nº 1659/10.6JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Julho de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Data da Resolução11 de Julho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1659/10.6JAPRT.P1 4ª Secção Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Moreira Ramos.

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO No processo comum, com intervenção de tribunal colectivo, n.º 1659/10.6JAPRT, do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, foi julgado e condenado, por acórdão proferido a 17/2/2012, o arguido B…, com os demais sinais dos autos,[1] nos seguintes termos: 1.

- PENA ÚNICA: 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão 2.

– PENAS PARCELARES > 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo art. 152º n.ºs 1 a) e 2, do Código Penal; > 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punível pelo art. 86º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 16 de Maio; > 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punível pelo art. 86º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a redacção introduzida pela Lei n.º 17/2009, de 16 de Maio.

  1. - PENA ACESSÓRIA: Proibição de contacto com a vítima pelo período de 5 (cinco) anos.

  2. – MEDIDA DE SEGURANÇA: Cassação de licença de detenção, uso e porte de arma, pelo período de 8 (oito) anos***§ 1º No decurso da audiência de julgamento, na sessão levada a efeito no dia 13 de Janeiro de 2012, no âmbito da inquirição da testemunha C…, o arguido B…, requereu a exibição das imagens constantes de CD apreendido nos autos, com os seguintes fundamentos: “Atento o teor do depoimento ora prestado pela testemunha em inquirição, requer que seja exibido em audiência, o CD apreendido nos autos que conste a gravação feita, aparentemente, num quarto de hotel, em que participa o arguido, a assistente e uma terceira pessoa, fisicamente semelhante e de aparência idêntica à testemunha, quer na dicção (voz), e com compleição física e respectivos traços fisionómicos. Para melhor localização do referido suporte informático, desde já se indica que existe cópia da gravação junta com o requerimento de instrução deduzida nos presentes autos.

O visionamento das imagens visam exclusivamente aferir da liberdade ou não dos intervenientes, e subsequente confirmação da identidade da testemunha como sendo ou não a terceira pessoa visionada, sendo certo que esta declarou ao Tribunal não se opor a tal exibição.” §2º O Ministério Público e mandatário da assistente declararam nada ter a opor ao requerido.

§3º Por seu turno, o tribunal a quo apreciou e indeferiu a pretensão formulada nos termos que se transcrevem: «Entende o Tribunal que a prova testemunhal prestada em julgamento deverá ser avaliada de acordo com as regras de experiência, bem como em conjugação com toda a restante prova existente no processo, nomeadamente, prova documental ou que se encontre em suportes informáticos ou outros.

Uma coisa é avaliar o depoimento da testemunha, outra coisa será avaliar a restante prova do processo.

Se dessa restante prova resultar que o depoimento da testemunha possa não ser verdadeiro, a consequência será o mesmo não ser tido em conta.

Acresce que resulta, quer do depoimento da assistente, quer do depoimento desta testemunha que as gravações que tenham sido feitas da sua pessoa, em eventuais actos da sua vida privada, o foram sem o seu consentimento e sem o seu conhecimento, o que nos termos do disposto no art. 126º n.º 3, do C.P.P., é considerado prova nula.

Por tais razões, o Tribunal entende não visualizar as gravações em causa, primeiro porque seguirá as regras de apreciação dos depoimentos das testemunhas, e segundo porque a prova em causa poderá ser nula nos termos acima expostos.

Notifique.»***Inconformado com o decidido e bem assim com o subsequente acórdão final condenatório, o arguido, interpôs recurso, finalizando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) Recurso Interlocutório 1) - Porque vem ao ora Recorrente imputada a factualidade de, com a finalidade de obrigar a Assistente a manter relações sexuais com terceiros, ter-lhe apontado armas de fogo e até armas brancas tendo tais encontros ocorrido em diversos hotéis, nomeadamente no D… em Lisboa gravando tais encontros em filme - cfr. n.ºs 4 a 9 da Acusação.

2) - Porque o Recorrente, no exercício do seu direito de defesa assevera que sendo verdade que ocorreram tais encontros, os mesmos ocorreram por livre vontade de todos os intervenientes, incluindo a Assistente que os fomentava.

3) - Porque estão apreendidos nos autos, tanto centenas de fotografias, como diversos filmes em vídeo de tais encontros, em que participam não só a Assistente, como o ora Recorrente e algumas das testemunhas arroladas nos autos.

4) - Porque no decurso da inquirição da testemunha C… ocorrida em 13.1.2012, um dos intervenientes nos factos imputados ao arguido, foi pelo ora Recorrente requerida, para prova do por si alegado, a exibição, em audiência de julgamento, do vídeo apreendido nos autos pelo OPC, no decurso das buscas autorizadas e efectuadas nos autos.

5) - Porque o requerido visionamento das imagens visa, exclusivamente, aferir da liberdade da Assistente, ou não, e bem assim a confirmação da identidade da testemunha como sendo, ou não, a terceira pessoa visionada, sendo certo que esta declarou ao Tribunal não se opor a tal exibição.

6) - Porque declarado que foi pela referida testemunha não só que se não opunha a tal exibição em audiência de julgamento, como até solicitava a sua realização e tendo sido declarado pela Assistente e Digmº Procurador da República que se não opunham à referida exibição, dessa forma patenteando o respectivo expresso consentimento na requerida exibição do vídeo.

7) - Porque o que está em causa com a diligência de prova requerida não é aferir da avaliação do depoimento da testemunha que estava em depoimento, nem sequer a sua conjugação com a restante prova produzida, ou a produzir.

8) - Porque esse não foi o fundamento do requerido, mas tão só poder o Tribunal, na formação da respectiva convicção, legitimamente valorar o conteúdo daquela prova constante dos autos e apreendida pelo OPC.

9) - Porque o que está em causa, isso sim, é o Tribunal poder valorar a prova constituída pelo registo das imagens gravadas no decurso de uma concreta situação - encontro para prática de actos sexuais a três - e, também na respectiva ponderação, formar a convicção a declarar na Decisão que vier a ser proferida, nomeadamente sobre se tais encontros ocorriam sob a ameaça de armas e, ou, contra a vontade da Assistente tal como, concretamente, é imputado na pronúncia ao Arguido.

10) - Porque essa foi a única questão suscitada e que, salvo o devido respeito não foi apreciada e, por isso, não foi tida em conta na Decisão em apreço que dela não conheceu.

11) - Porque o visionamento das imagens - que inequivocamente versam sobre actos da vida privada, que não integram a prática de crime em si mesmos - constitui um meio de prova requerido pelo arguido, com vista a demonstrar que tais encontros - concretamente aquele a que se reportam as imagens -, não ocorreu sob ameaça de arma ou contra a vontade da Assistente, antes permitindo conferir o grau e nível de participação desta nos factos objecto da pronúncia.

12) - Porque a lei comina com nulidade as provas obtidas mediante intromissão na vida privada apenas quando inexiste consentimento do respectivo titular.

13) - Porque tudo quanto a Lei determina é que a nulidade subsiste quando, e se, não existir consentimento do titular do direito à reserva da vida privada.

14) - Porque a Lei não impõe que tal consentimento e mesmo conhecimento, seja prévio à gravação das imagens, ou de qualquer acto que integre intromissão na vida privada.

15) - Porque os únicos intervenientes na filmagem, que constitui o vídeo cuja exibição foi requerida, são o próprio Recorrente - que a requereu -, a Assistente e a testemunha então em depoimento que anuíram à sua exibição.

16) - Porque a ratio legis do disposto no art. 126º, n.º 3 do CPP radica, essencialmente, na protecção do direito constitucionalmente garantido e plasmado tanto no disposto no art. 26º, n.º 1 como no art. 32º, n.º 8, ambos da C. R. P.

17) - Porque estamos perante um direito - reserva da vida privada - a que o titular pode, caso assim o entenda, renunciar.

18) - Porque a nulidade decorrente das provas nulas obedece a um regime distinto consoante se esteja perante uma nulidade insanável ou, ao invés, de uma nulidade sanável.

19) - Porque a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no art. 126º, n.º 3 do CPP é sanável pelo consentimento do titular do direito.

20) - Porque a consentimento pode ser dado ex ante ou ex post facto.

21) - Porque se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida.

22) - Porque todos os intervenientes, ou melhor, todas as pessoas filmadas prestaram o consentimento na exibição do meio de prova e uso da prova requeridos pelo ora Recorrente em audiência de julgamento.

23) - Porque ao indeferir a prova requerida pelo Recorrente, o Tribunal a quo impediu o legítimo exercício do contraditório e da defesa, constitucionalmente garantidos pela consagração do estatuído no art. 32º, n.ºs 1 e 5 da CRP.

24) - Porque o entendimento e interpretação feita do disposto no art. 126º, n.º 3 do CPP e plasmado na Decisão em apreço, segundo a qual por do depoimento da assistente, quer do depoimento desta testemunha resulta que as gravações que tenham sido feitas da sua pessoa, em eventuais actos da sua vida privada, o foram sem o seu consentimento, e sem o seu conhecimento, o que nos termos do disposto pelo art. 126º, n.º 3 do C.P.P., é...

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