Acórdão nº 15246/08.5TDPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução20 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n° 15246/08.5 TDPRT.P1*Acordam no Tribunal da Relação do Porto Nos autos de processo comum colectivo supra identificado, interposto recurso para esta Relação, o Relator lavrou a seguinte decisão sumária: “O arguido B…, divorciado, agente empresarial da C…, filho de D… e de E…, natural …, Porto, onde nasceu em 15/02/64, residente na Rua …, .., .° Dto., Porto, foi condenado na 1a Vara Criminal do Porto pela forma seguinte: 1. Como autor material de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217° n° l e 218° números l e 2, alínea a), por referência ao art. 202° alínea b), todos do C.P., na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; 2. Como autor material de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256° n° l, alíneas c), d) e e), e n°3 do Código Penal, na pena de l (um) ano e 6 (seis) meses de prisão: 3. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, pena essa que foi declarada suspensa na sua execução por igual período, condicionada a regime de prova; 4. Na procedência do pedido de indemnização civil, foi ainda o arguido / demandado condenado a pagar ao assistente / demandante «F…, SA», a título de danos patrimoniais, o montante global de € 284.406,20 (duzentos e oitenta e quatro mil, quatrocentos e seis euros e vinte cêntimos), ao qual acrescerão ainda juros de mora, à taxa legal de 4%, sem prejuízo de outra que entretanto vigorar, calculados sobre € 259.962,80 (duzentos e cinquenta e nove mil, novecentos e sessenta e dois euros e oitenta cêntimos) e devidos desde 20.01.2011 até efectivo e integral pagamento.

O assistente / demandante interpõe recurso que, nos termos do art.° 403° do CPP, expressamente limitou à apreciação da questão única suscitada, a de saber se a suspensão da execução da pena deveria ter sido subordinada ao pagamento da indemnização, mesmo que só parcial.

Responderam o MP e o arguido.

Nesta Relação, o Ex.mo PGA suscita a questão prévia da ilegitimidade / falta de interesse em agir para a interposição do recurso.

Cumprido o disposto no art.° 417°, n.° 2 do CPP, cumpre decidir da questão prévia.

Começando por afirmar que a limitação do recurso é admissível segundo o n.° 1 do art.° 403° do CPP.

O art.° 401° do CPP, na alínea b) do n.° 1, confere legitimidade para recorrer ao assistente relativamente às decisões «contra ele proferidas».

Acrescenta o n.° 2 que «Não pode recorrer quem não tiver interesse em agir».

O preceito foi objecto de diferentes interpretações e, por isso, o Supremo Tribunal de Justiça tem sido chamado a uniformizar jurisprudência divergente.

Assim, por acórdão de 30/10/1997, publicado no DR de 10/8/1999, firmou a seguinte jurisprudência: «O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir».

A pena suspensa é, sem qualquer dúvida, uma pena de substituição em sentido próprio, «uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição»[1].

Porque assim, atendendo a que se subscreve a doutrina do acórdão uniformizador citado, o assistente apenas pode interpor recurso quanto a questões relacionadas com a pena suspensa, designadamente à sua subordinação a deveres, entre os quais se inclui o do pagamento total ou parcial da indemnização - art.° 51°, n.° 1, alínea a) do C. Penal -, se demonstrar o concreto e próprio interesse em agir.

O interesse em agir «não é um interesse meramente abstracto, interesse na correcção das decisões judiciais, mas um interesse em concreto»[2].

O interesse em agir, não se confunde com o uso do processo pelo assistente «para se desforçar», como não visa «dar satisfação ao ofendido pelo crime»[3] , ou seja, no que ora interessa, não visa conceder ao ofendido uma tutela acrescida para o pagamento da indemnização pois que nem o direito penal e nem as penas, que são direito público, servem aquela finalidade privatística, que não está subordinada aquele (cfr. art.° 40° do C. Penal.) O Supremo Tribunal de Justiça[4] escalpelizou, e em profundidade, os conceitos de legitimidade e interesse em agir no que ao assistente diz respeito para efeitos de interposição de recurso.

Porque com a doutrina nos identificamos, passamos a citá-la: «Os assistentes, no processo penal, são configurados como ‘colaboradores do Ministério Público, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as excepções da lei’, nos termos do n.° l do artigo 69.° do Código de Processo Penal. (...) Um desses poderes dos assistentes, e que importa aqui analisar por se lhe referir a divergência a dirimir, é o previsto na alínea c) do n.° 2 daquele preceito: o de ‘interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito’.

Mas, mesmo nos casos em que actua autonomamente, o assistente é sempre um colaborador do Ministério Público, no sentido de que, com a sua actuação, contribui para uma melhor realização dos interesses cometidos ao Ministério Público, a quem, em conformidade com o disposto no artigo 53.°, n.° 1, do código citado, compete, no processo penal, ‘colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito’. Valem neste ponto as palavras de Damião da Cunha: ‘O conceito de colaboração e de subordinação não significa obviamente que a intervenção do assistente não possa entrar em directo conflito com as decisões do MP. O que se pretende dizer é, isso sim, que o interesse que o assistente eventualmente corporize (que tem de ser um interesse particular, autónomo) tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que a actuação do assistente, fundada no interesse particular, só assume relevância (processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da administração da justiça (ou, no caso concreto, um melhor exercício da 'acção penal’). O que significa, pois, que colaboração e subordinação se referem aos 'interesses' em jogo (RPCC, 1998, p. 638).

É a esta luz que deve definir-se o alcance do poder do assistente de interpor recurso das decisões que o ‘afectem’, previsto no artigo 69°, n° 2, alínea c), que se identifica com a legitimidade para recorrer das decisões ‘contra ele proferidas’ conferida pelo artigo 401°, n° 1, alínea b). O assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire esse estatuto em função de um interesse próprio, individual ou colectivo. Porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa a esse interesse, que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo-lhe, em função da ofensa a esse interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal os seus pontos de vista sobre a justeza da decisão, substituindo o Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua actividade, com o que, por isso, se não desvirtua o carácter público do processo penal.

O assistente só tem legitimidade para recorrer das decisões contra ele proferidas, mas dessas decisões pode sempre recorrer, haja ou não recurso do Ministério Público.

A circunstância de haver ou não recurso do Ministério Público não aumenta nem diminui as possibilidades de recurso do assistente. A única exigência feita pela lei ao assistente para poder recorrer de uma decisão é que esta seja proferida contra ele. Não há que procurar outras a coberto do chamado interesse em agir, a que alude o n° 2 do artigo 401°.

De facto, sendo a legitimidade, no processo civil, a posição de uma parte em relação ao objecto do processo, justificando que possa ocupar -se em juízo da matéria de que trata esse processo (cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lições, 1973-1974, p. 151), em processo penal, a legitimidade do assistente para recorrer significa que ele só pode interpor recurso de decisões relativas aos crimes pelos quais se constituiu assistente (cf. Damião da Cunha, ob. cit., p. 646).

Já o interesse em agir do assistente, em sede...

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