Acórdão nº 1970/07.3TAGDM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Junho de 2012

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução13 de Junho de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1970/07.3TAGDM.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Gondomar, foram submetidos a julgamento os arguidos B…, Lda. e C…, tendo a final sido proferida sentença, depositada em 30.03.2011, que condenou os arguidos: - C…, como autor material de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. nos artºs. 6º e 107º nº 1 da Lei nº 15/2001 de 5.6, na pena de um ano e seis meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, sob condição de pagar nesse prazo a quantia de € 198.608,30 e acréscimos legais ao Instituto da Segurança Social, IP; - a arguida B…, Lda., pela prática do mesmo crime, na pena de 500 dias de multa à taxa diária de € 12,00, num montante global de € 6.000,00; Foi ainda julgado procedente o pedido cível deduzido pelo Instituto da Segurança Social, IP. E, consequentemente, condenados: ● a sociedade arguida no pagamento da quantia de € 227.016,10 acrescida de juros vencidos e vincendos contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário de cada uma das prestações; ● o demandado C… no pagamento, solidariamente com a sociedade arguida, da quantia de € 198.608,30 acrescida de juros vencidos e vincendos contados a partir do termo do prazo para pagamento voluntário de cada uma das prestações.

Inconformado com a sentença condenatória, dela veio o arguido C… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. Face à prova carreada para os autos e à produzida em Audiência de Julgamento impunha-se uma decisão diferente da que veio a ser proferida na douta sentença recorrida; 2. Seja por razões formais/adjetivas, seja por razões substanciais, sustentada, na pior das hipóteses no princípio do “in dubio pro reo”, devia o recorrente ser absolvido do crime de que vem acusado; 3. O Tribunal “a quo” não levou em consideração tal princípio do “in dubio pro reo”, pois fez uma valoração da prova que, com o devido respeito, mas em bom rigor não podia fazer, porque não foi produzida; 4. Tal prova devia ser cabal, objetiva, segura e sem margem para qualquer dúvida, o que não sucedeu, verificando-se, assim, o fundamento da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”; 5. O Tribunal “a quo” aplicou mal o direito ao presente caso, como se demonstrou ao longo da motivação deste recurso; 6. A decisão recorrida não conheceu questões de direito que devia conhecer, as quais, por relevantes e incontornáveis, impõem uma decisão diferente da que foi proferida; 7. O Tribunal “a quo” violou o disposto no artº 127º do Cód. Proc. Penal, ao extravasar, ao passar para além do âmbito da apreciação da prova segundo regras da experiência comum e a livre convicção que lhe são permitidas; 8. Quanto ao pedido de indemnização civil, o Tribunal “a quo” não só escamoteou leis aplicáveis ao caso concreto, de cuja aplicação resultaria uma decisão substancialmente diferente quanto ao montante do capital reclamado e sentenciado, como mal decidiu relativamente aos juros que foram indevida e erradamente reclamados e liquidados; 9. Em ordem a melhor se entenderem as razões de facto e de direito que justificam a discordância do recorrente com a decisão proferida, cumpre dizer que a sociedade arguida fazia as declarações dos salários e respetivas quotizações dos trabalhadores e dos membros dos órgãos estatutários através de sistema informático da Segurança Social; 10. Como é por demais sabido, à data dos factos e ainda hoje, tal sistema informático da Segurança Social, face aos valores dos salários declarados para cada um dos trabalhadores e das remunerações dos membros dos órgãos estatutários, só permite que os salários e remunerações e, consequentemente, as quotizações declaradas, sejam inferiores, se estes faltarem ao trabalho, ou se estiverem de baixa, ou seja, por razões que estão previstas no Código do Trabalho; 11. Salvo nos casos referidos, tal sistema não prevê, nem admite informaticamente que sejam declarados valores de salários e de remunerações inferiores aos inicialmente declarados, não admite declarar valores parciais; 12. Isto é, caso a entidade patronal pague mensalmente salários e remunerações parciais (não pague a totalidade dos salários e remunerações por não dispor de dinheiro), o sistema da Segurança Social não permite que as declarações reflitam tal realidade; 13. Dos factos dados como provados na fundamentação da sentença resulta inequívoco e corresponde à realidade, que a sociedade arguida foi declarada falida em 3/11/2005; 14. A sociedade arguida fez entrar processo de recuperação de empresa no dia 4/09/2004, conforme se prova e alcança da certidão judicial junta aos autos, a fls. 403-406; 15. Na motivação da sentença recorrida, a Mtª Juiz “a quo” afirma que a sua convicção se formou na apreciação crítica do conjunto da prova produzida, consubstanciada nas declarações do arguido, nos depoimentos das testemunhas inquiridas e nos documentos juntos aos autos; 16. Após referir, por súmula parte do teor das declarações do arguido e dos depoimentos das testemunha, a Mtª Juíza “a quo” retira a seguinte conclusão (fls. 619 dos autos) “Daqui resulta que os salários foram efetivamente pagos, em tempo ou com atraso, na totalidade ou em parcelas, é indiferente – caso contrário seriam reclamados no processo de falência, que não foram-, os descontos para pagamento à Segurança Social (à excepção dos recuperados no processo de falência da B…, e por isso alheios à vontade do arguido), tendo esses montantes retidos sido usados para manutenção da atividade da empresa e, designadamente, para pagamentos de salários dos trabalhadores e despesas correntes da mesma”; 17. Para além desta conclusão retirada pela Mtª Juíza não se estribar em matéria factual bastante para o efeito, a mesma contraria a verdade dos factos e os depoimentos das testemunhas e declarações do arguido, os quais não mereceram qualquer juízo de censura e de descrédito por parte do Tribunal; 18. Porém, a Mtª Juíza “a quo” não lhes deu qualquer importância quanto a factos relevantes da prova que produziram, tendo escamoteado parcialmente tal prova; 19. Dúvidas não podem subsistir que a sociedade arguida entrou em processo de falência devido à falta de pagamentos dos seus clientes, mormente um dos mais expressivos, a D… (que foi declarada falida), sendo a dívida desta no montante de cerca de um milhão de euros; 20. Dúvidas não podem subsistir que as dificuldades financeiras da arguida tiveram início no final do ano de 2000, princípio de 2001, conforme foi sobejamente atestado em sede de julgamento por parte de todas as testemunhas, à excepção da testemunha de acusação E…, funcionário da Segurança Social; 21. Face a todos estes depoimentos e declarações prestadas em audiência de julgamento, redunda à evidência e saciedade que a sociedade arguida desde pelo menos o mês de Março de 2001 deixou de pagar pontualmente os salários aos seus trabalhadores, passou a ter salários em atraso, com um, dois, três e mais meses de atraso; 22. Passou a sociedade arguida a pagar parcialmente os salários aos trabalhadores, umas vezes 70%, outras 50% e até em menor percentagem. Ou seja, no dizer de algumas testemunhas (trabalhadores) passou a pagar salários aos “soluços”, aos “bocados”; 23. Esta realidade é incompatível com a que a Mtª Juíza deu como provada na sentença recorrida, certamente só sustentada nas declarações de remunerações para a Segurança Social que estão juntas aos autos, das quais resulta que os salários e remunerações eram e foram pagas na totalidade e pontualmente; 24. Verificando as declarações efetuadas à Segurança Social relativas aos trabalhadores F…, G… e H…, constatamos que os seus salários sempre foram declarados na sua totalidade desde o mês de Março de 2001 até Outubro de 2005; 25. O que não corresponde à verdade, como de resto os mesmos o testemunharam na audiência de julgamento; 26. Tendo afirmado que tinham salários em atraso e que recebiam apenas parte dos seus salários, aos bocados, aos soluços; 27. E esta realidade é extensível a todos os demais trabalhadores e membros dos órgãos estatutários, conforme resulta, também, dos depoimentos de várias testemunhas; 28. Pergunta-se, então, porque razão a sociedade arguida decidiu, a partir do mês de Março de 2001 mandar as folhas/declarações de salários para a Segurança Social, declarando nas mesmas, como se fossem pagos, a totalidade dos salários dos trabalhadores e das remunerações dos membros dos órgãos estatutários, sem que isso correspondesse à verdade? 29. A resposta a esta questão foi plenamente transmitida, demonstrada e provada em sede de audiência de julgamento e prende-se com o facto do sistema informático da Segurança Social não permitir que fossem declarados salários e retenções das quotizações inferiores aos valores dos salários que estavam declarados desde o início e para cada trabalhador; 30. A alternativa a esta situação, ou seja, a solução para declarar salários e respetivas retenções para quotizações inferiores era declarar faltas e baixas dos seus trabalhadores; 31. Outra alternativa, se a sociedade e os seus sócios estivessem de má-fé e com o propósito de enganar e prejudicar a Segurança Social, era enviar as declarações a zero, ou não enviar qualquer declaração; 32. Foi perante a impossibilidade de fazer declarações parciais à Segurança Social e perante a incapacidade financeira da sociedade que o Contabilista da sociedade arguida recomendou e processou as declarações que estão juntas aos autos, mas que não traduzem a verdade e a realidade; 33. Pois nelas são declarados valores de salários que não foram efetivamente pagos e quotizações que não eram, nem são devidas por esse facto; 34. Em conclusão, não podia a Mtª Juíza “a quo” concluir e dar como provado que os salários foram efetivamente pagos, em tempo ou com atraso...

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