Acórdão nº 839/11.1TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 23 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MATOS
Data da Resolução23 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 839/11.1TBVNG.P1 Vila Nova de Gaia Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Apelante/réu: B….., divorciado, residente na Rua …, nº…, …., Gondomar.

Apelada/autora: C…., divorciada, residente na Rua …., nº …, …, …, …, Vila Nova de Gaia.

  1. Na 2ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, intentou a recorrida a presente acção declarativa, com processo ordinário, destinado à execução específica do contrato-promessa de partilhas celebrado com o recorrido em simultâneo com a conferência que, por divórcio, dissolveu o seu recíproco casamento e do qual decorre, entre outras cláusulas, a obrigação deste lhe adjudicar, por escritura pública, a fracção autónoma correspondente a uma habitação com o número 1.3, no 1º andar, com o número 70, do prédio urbano, sito na Rua …, nº .. a .., freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia.

    A realização da escritura pública de partilha ficou acordada para data posterior ao pagamento da dívida hipotecária sobre a fracção e, verificado este, o recorrido não emitiu, como se havia obrigado, a procuração a favor da recorrente para a realização da partilha.

    Discriminadamente, pediu: - a declaração da execução específica do contrato-promessa de partilha com a adjudicação à autora da fracção; - a condenação do réu no pagamento de uma sanção pecuniária à autora, no valor de € 15,00 por cada dia transcorrido desde a citação e até ao trânsito em julgado da sentença que substitua a declaração negocial do réu.

    Contestou o réu excepcionando a nulidade do contrato-promessa de partilha por haver atribuído aos cônjuges prestações manifestamente desproporcionadas (a autora ficou com bens no valor de € 110.000,00 e o réu com bens no valor de € 30.000,00) e, por impugnação, atribuindo à autora a responsabilidade pelo incumprimento do contrato-promessa de partilhas (o pagamento de tornas que o réu, no contrato declarou de boa fé haver recebido, seria concretizado com a adjudicação do saldo de uma conta bancária titulada pelo casal e a autora, sem conhecimento do réu, levantou e fez sua a quantia depositada).

    Conclui, assim, pela sua absolvição do pedido (seja na procedência da excepção da nulidade do contrato-promessa de partilhas ou como consequência da resolução deste) e pela condenação da autora como litigante de má fé (por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não ignora, alterar a verdade dos factos e omitir factos essenciais à decisão).

    A autora respondeu à matéria da excepção e do pedido de condenação em má fé, pugnando pela improcedência de ambos e termina por concluir que o réu formula pedidos contra si, sem que o haja feito por via reconvencional (identificação e separação expressa, como a lei impõe) o que determina a sua rejeição e que ademais litiga de má fé (deduz pretensões incompatíveis com o acordado na partilha) justificando-se assim que seja multado e indemnize a autora.

    1.3. Foi proferido despacho saneador que, por inobservância das formalidades previstas para a dedução de pedido reconvencional, não admitiu o pedido de resolução do contrato-promessa de partilhas formulado pelo réu e foram seleccionados os factos relevantes para a decisão da causa, com factos provados e base instrutória dos quais o réu, sem êxito,[1] reclamou.

    Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, sem reclamações foi proferido despacho que respondeu à matéria de facto incluída na base instrutória e depois proferida sentença em cujo dispositivo se exarou: “ (…) julgo a presente acção procedente por provada e improcedente a excepção que lhe foi oposta e, em consequência, suprindo a manifestação de vontade do Réu, declaro transmitida para a Autora, pelo valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros), a propriedade do prédio urbano melhor identificado na al. d) dos factos provados e no documento de fls. 176, correspondente à fracção autónoma designada pela letra “P” do prédio urbano descrito sob o n.º267/19860715 da Conservatória de Registo Predial de Vila Nova de Gaia, freguesia de Mafamude, sem prejuízo dos ónus ou encargos que sobre a mesma eventualmente impendam”.

  2. 3. É desta sentença que o réu recorre, formulando as seguintes conclusões que se transcrevem: “1.ª - A douta sentença recorrida violou, por errada interpretação e aplicação as normas dos artigos 389.º, 393,º, n.ºs 2 e 3, 394.º, n.º 1, 352.º, 358.º, n.º 1762.º, n.º 1, 432.º, n.º 1, 830.º, n.º 1, e 1730.º, n.º1, do Código Civil, e 456.º do Código de Processo Civil.

    1. - Devem ser alteradas as respostas dos pontos 1.º, 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 13.º, da Base Instrutória, com base na reapreciação da prova gravada (depoimento de parte da Autora e depoimentos das testemunhas D….. e E…..), e na análise dos documentos juntos ao processo.

    2. - No que toca ao ponto 1.º deve ser atribuído ao imóvel um valor superior, ou pelo menos igual, ao que na perícia foi indicado como sendo o de 2011.

    3. - A resposta ao ponto 4.º deve ser alterada para “provado”, e a resposta ao ponto 5.º para “provado”, ou, pelo menos, “provado que os móveis que constituíam o recheio da casa de habitação do casal ficaram, na sua maior parte, na posse da Autora”.

    4. - A redacção da resposta ao ponto 9.º deve ser alterada para “Provado que o Réu não levantou o dinheiro na ocasião referida em A) e que a aplicação em questão apenas se vencia em Dezembro de 2005, estando então a render juros”.

    5. - As respostas aos pontos 7.º, 8.º 10.º e 13.º devem ser alteradas para “provado”.

    6. - Os argumentos expendidos na sentença para considerar não provados estes pontos, como a “ausência de confissão da autora”, a inexistência de documentos que contrariem a expressão “tendo o primeiro já recebido o valor de tornas que lhe é devido”, constante do contrato, e o disposto no n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil, são insusbsistentes.

    7. - Não obstante ter pretendido defender que o saldo de 25.000 euros era bem próprio seu, certamente por ter compreendido que essa era a única saída para afastar a nulidade do contrato ou o seu incumprimento, a Autora não o demonstrou.

    8. - Tendo sido considerado na sentença que se trata de um bem comum, tal saldo tem necessariamente de corresponder às tornas, a que o Réu tem direito, referidas pelas partes no contrato, uma vez que a Autora confessou que os únicos bens não especificados no contrato e que seriam adjudicados por acordo eram os móveis que constituíam o recheio da casa.

    9. - No seu depoimento de parte, a Autora fez diversas afirmações de onde decorre com clareza que a mesma apenas pretendia a casa, e reconheceu a relação de compensação entre o dinheiro do saldo e a casa.

    10. - Os documentos juntos ao processo, nomeadamente respeitantes ao processo crime e ao Inventário demonstram as contradições e a falta de sustentabilidade da tese de que terão sido pagas tornas ao Réu.

    11. Da prova testemunhal acima referida, que deve ser admitida neste caso, por se estar perante questões de interpretação do contrato ou de apuramento de vícios de vontade, resultam igualmente demonstrados os pontos 7.º, 8.º, 10.º e 13.º.

    12. - A recusa em valorar a prova testemunhal efectuada a este respeito, dá a ideia de que se aceita simplesmente, mesmo estando perfeitamente claro que o Réu não recebeu quaisquer tornas, o certo é que declarou tê-las recebido e não há nada a fazer, isto é, “como diz que recebeu está recebido”, mesmo que o contrário seja evidente para todos, inclusive o senso comum.

    13. - A Autora e o Réu, no contrato, não tinham de referir como haviam sido pagas as tornas, e nem se deve entender que o Réu, por ter declarado o recebimento, era obrigado a levantar de imediato a quantia aplicada.

    14. A decisão considerou não provado o facto negativo, constante da Base Instrutória, de que “o Réu não recebeu as tornas aludidas em A”, mas também não deu como provado o facto contrário (tanto que nem quesitou o que a esse respeito foi alegado pela Autora).

    15. Ora, para decretar a execução específica do contrato teve necessariamente de considerar que o Réu recebeu as tornas, ou seja, que não houve incumprimento por parte da Ré, mas o certo é que fica sem se saber como é que aquelas foram pagas ao Autor, e nem mesmo o respectivo montante (que não consta do contrato).

    16. Note-se que a Ré, na sua Réplica, alegou enigmaticamente que as tornas foram constituídas pela diferença do valor dos automóveis e por outros bens (que não especificou), que sempre não poderiam ser consideradas tornas, mas bens partilhados, e por dinheiro cujo valor se absteve de indicar.

    17. - No modesto entender do apelante, estas dúvidas não podem ficar ultrapassadas com fundamento numa mera declaração feita no contrato, que pode ter muitas interpretações e ter sido rodeada de circunstancialismos vários, e, assim, sem certeza de que se esteja perante um resultado minimamente justo, transferir a propriedade de um imóvel para uma parte que, para além de não ter dissipado a seu favor as dúvidas que necessariamente se estabeleceram, adoptou um postura processual muito censurável.

    18. - O Tribunal considerou que apenas tinha que decidir da excepção da nulidade do contrato e não da excepção do incumprimento/resolução do mesmo, por ter entendido que se tratava de um pedido reconvencional, mesmo não tendo o Réu formulado nenhum pedido na alínea B) a não se o de que fosse julgada improcedente por não provada a acção e o Réu absolvido do pedido.

    19. - Mas como decorre claramente decorre da Contestação, a resolução do contrato foi alegada como facto que impede o efeito jurídico dos que foram articulados pela Autora, constituindo defesa por excepção, o que, aliás, a Autora entendeu, impugnando-o (cfr. artigo 1º da Réplica).

    20. - No que toca à questão da nulidade do contrato, entende o Réu que, mesmo tendo em conta apenas os bens que constam do contrato e o seu conteúdo, e os respectivos valores considerados na sentença, existe violação da “regra da metade” plasmada na norma de protecção do artigo 1730º, nº 1, do Código Civil, por não se ter apurado o valor das pretensas tornas que o Réu terá...

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