Acórdão nº 297/11.0JAPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Outubro de 2012

Magistrado ResponsávelMELO LIMA
Data da Resolução17 de Outubro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROCESSO Nº 297/11.0JAPRT RELATOR: MELO LIMA Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório 1.

Pelo 1º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca da Maia, respondeu em Processo Comum com intervenção de Tribunal Colectivo, o arguido B….

, acusado da prática, em autoria material e concurso efectivo, de: ● Um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do C. Penal; ● Dois crimes de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art.º 173.º, n.º 2, do C. Penal.

  1. A final, na parcial procedência da pronúncia, o Tribunal decidiu: 2.1 Absolver o arguido da prática do crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do C. Penal; 2.2 Condenar o arguido: 2.2.1 Como autor material de um crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art.º 173.º, n.º 2, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; 2.2.2 Como autor material de um crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art.º 173.º, n.º 2, do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão; 2.2.3 Em cúmulo, na pena única de 3 (três) anos de prisão, efectiva.

  2. Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido B…., cuja motivação rematou com as seguintes conclusões: 3.1 Vem o presente recurso interposto do douto acórdão de fls. 122 e ss., proferido nos autos de processo comum com intervenção do tribunal colectivo que condenou o arguido, B…., em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos de prisão efectiva, pela prática em autoria material de dois crimes de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo art° 173° n°2 do Código Penal.

    3.2 Entende o arguido, ora Recorrente, que face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a pena aplicada “in casu” revela-se manifestamente excessiva, conforme se passa a expor: 3.3 Dos factos dados como provados e no que concerne os tidos como importantes para a fixação da medida da pena, importa salientar os seguintes: 3.3.1 “C…. nasceu a 4 de Fevereiro de 1997, na freguesia de …., concelho de Guimarães; 3.3.2 Em Fevereiro de 2011, após ter saído do estabelecimento prisional onde esteve a cumprir uma pena de prisão efectiva, o arguido B…. decidiu procurar a C…..

    3.3.3 Entre os dias 11 e 18 de Fevereiro, o arguido contactou, por diversas vezes, com a menor C…., na altura com 14 anos de idade, onde lhe referiu que gostava dela e que queria casar com ela.

    3.3.4 A menor C….. era virgem e não tinha até essa data mantido qualquer contacto sexual com nenhum homem.

    3.3.5 A menor C…. sempre viveu com a sua avó.

    3.3.6 A menor C…. tem uma debilidade mental de grau moderado (WISC III, Ql global= 51), estando, por força dela, mais vulnerável ao comportamento de sedução do arguido e dos seus apelos para actos sexuais e limitada na sua capacidade de se autodeterminar sexualmente.

    3.3.7 O arguido, conhecedor da idade da menor, da sua inexperiência e da sua maior vulnerabilidade, decidiu aproveitar-se disso para a convencer a ter relações sexuais consigo.

    3.3.8 O arguido é oriundo de um núcleo familiar de etnia cigana, com onze descendentes, de parcos recursos socioeconómicos.

    3.3.9 O processo de socialização do arguido, foi também, marcado por um trajecto escolar limitado ao 1º ano do 1° ciclo do ensino básico, por precocidade da sua união conjugal (de acordo com as regras da etina cigana) aos quinze anos de idade, dissolvida mais tarde e substituída por outro relacionamento amoroso, pelo envolvimento no consumo abusivo de psicotrópicos e pelo cumprimento de pena de prisão aos dezassete anos.

    3.4 O Tribunal “a quo” deu ainda como provados os demais factos constantes de fls. 123 a 126, referentes ao arguido, que não se transcrevem por questões de economia processual e por não relevarem para a presente motivação.

    3.5 O Tribunal “a quo” fundamentou-se, na apreciação dos factos nas declarações do arguido, no depoimento da menor C…. e no depoimento da sua avó, D….. e demais elementos de prova, referidos a fls. 129 do acórdão.

    3.6 Ainda que no acórdão de que ora se recorre, referir o Tribunal “a quo” ter em consideração o estatuído no n° 2 do art° 71° do Código Penal, nomeadamente: “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, considerando (…)“,- sublinhado nosso- no caso em apreço e salvo melhor opinião, não considerou minimamente as circunstâncias do caso em concreto, que para a determinação da medida da pena, poderiam depor a favor do arguido, nomeadamente: 3.7 Em primeiro lugar, não pode de forma alguma ser pura e simplesmente “esquecida” a circunstância de, arguido e ofendida, pertencerem à etnia cigana.

    3.8 Efectivamente e não querendo de forma alguma, com tal consideração, “fazer tábua rasa” do princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Portuguesa, certo é que existem alguns chamados “regimes de excepção”, que analogicamente e no caso em concreto não podem deixar de ser chamados à colação.

    3.9 É do conhecimento geral que na etnia cigana, as pessoas casam muito cedo. Veja-se inclusive o caso do arguido, conforme referido na matéria de facto dada como provada — (...) precocidade da sua união coniugal (de acordo com as regras da etina cigana) aos quinze anos de idade (...) — ponto 22. da matéria de facto provada.

    3.10 Não obstante o facto de o arguido ser conhecedor da idade da menor C….., para ele tal facto não foi, nem é, minimamente relevante, já que para os elementos da comunidade dele (etnia cigana), a partir do momento em que uma mulher possa ter filhos, já está em idade de casar. O que acontece frequentemente.

    3.11 Além disso, deveria também o tribunal “a quo” ter em atenção o disposto no art° 72° n°5 1 e 2, alínea b) do Código Penal, nomeadamente: “O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime (…), que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena. 2 — Para efeitos do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes: (…) b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa merecida.”— sublinhado nosso.

    3.12 O Tribunal “a quo”, apesar de considerar como meio de prova os exames periciais a telemóveis e o auto de visionamento de fis. 241 a 247, não teve minimamente em consideração o facto de no dia 22 de Fevereiro de 2011, existirem várias insistências por parte da menor C….. a solicitar o contacto com o arguido.

    3.13 Caso para pensar: Se ela não tivesse solicitado o contacto com o arguido, poderia o segundo crime ter existido? Não podemos ignorar, nem deixar de considerar que o segundo crime existiu. Mas não terá sido a conduta do arguido determinada pela tentação da própria vítima? 3.14 Acresce ao exposto que no decurso do inquérito, esteve proposta pelo Ministério Público e aceite pelo arguido, a suspensão provisória do processo, sujeita a determinadas regras de injunção, sendo certo que o arguido não cumpriu a regra de se apresentar às entrevistas determinadas pela equipa de reinserção social, cumprindo na íntegra a outra imposição que foi a de não mais se aproximar da menor C…..

    3.15 Veio também, pouco tempo após a detenção do arguido para prestar declarações no âmbito dos presentes autos, a avó da menor, apresentar desistência de queixa (fls. 109), que o Ministério Público não aceitou.

    3.16 Refira-se ainda e finalmente a este propósito que do relatório médico-legal de fls. 206 e 207, efectuado na pessoa da menor, C…., menciona que a menor “...

    (continua a não se sentir ofendida, a não referir medo do arguido e a não querer nenhum castigo para o mesmo). (...) A suspensão provisória seria vantajosa por forma a reduzir a exposição da menor à comunidade, onde a iniciação nestas idades e mesmo a gravidez são aceites e a mesma terá dificuldade em ser aceite junto de futuros companheiros.

    Não se revela emocionalmente afectada pelos factos relatados.” — sublinhado e negrito nosso.

    3.17 Assim sendo e tendo em conta tudo quanto supra se refere e aqui chegado, vejamos então porque entende o arguido que a pena que lhe foi aplicada em concreto é manifestamente exagerada.

    3.18 Tendo em atenção os fundamentos para tal aduzidos no acórdão de que ora se recorre, nomeadamente que a fixação da medida concreta da pena, terá que ser efectuada nos termos equacionados no n° 1 do art° 71° do Código Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui limite inultrapassável. Será que assim foi? Parece que não.

    3.19 Vejamos o que nos refere o douto acórdão a este respeito, nomeadamente as circunstâncias relevantes a que atendeu no caso em concreto, para a fixação da medida da pena.

    3.20 Começando pelo grau de ilicitude do facto típico, entendeu o tribunal “a quo”, que ela se situa num grau acima do médio, considerando designadamente, os actos sexuais em causa e a idade da menor.

    3.21 Não obstante considerarmos que objectivamente, existe ilicitude na acção do arguido, não podemos concordar com o facto de o tribunal entender que ela se situa num grau acima do médio, considerando os actos sexuais em causa e a idade da menor, já que conforme supra se menciona e inclusive consta do relatório médico-legal de fls. 206 e 207, a menor “...

    (continua a não se sentir ofendida, a não referir medo do arguido e a não querer nenhum castigo para o mesmo).

    (...) A suspensão provisória seria vantajosa por forma a reduzir a exposição da menor à comunidade, onde a iniciação nestas idades e mesmo a gravidez são aceites e a mesma terá dificuldade em ser aceite junto de futuros companheiros.

    Não se revela emocionalmente afectada pelos factos relatados.” — sublinhado nosso.

    3.22 Quanto à intensidade do dolo, no caso em concreto e atendendo às especiais circunstâncias do presente caso, entendemos que o arguido não agiu com qualquer...

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