Acórdão nº 135/04.0IDAVR-B.C1.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 30 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Data da Resolução30 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 135/04.0IDAVR-B.C1.P1 4ª Secção Relatora: Maria Deolinda Dionísio Adjunto: Moreira Ramos Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO Por acórdão proferido, a 18 de Novembro de 2009, nos autos de que foi extraído este apenso e devidamente transitado em julgado, foi o arguido B…, com os demais sinais dos autos, condenado, pela prática de crimes de fraude fiscal, na pena única de 10 (dez) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 (um) ano mediante condição de, neste prazo, pagar a quantia de € 30.000 (trinta mil euros) por conta da prestação tributária globalmente em dívida.

Decorrido o prazo de suspensão e na sequência de diligências frustradas para a audição do arguido, no dia 11/10/2011, foi proferido despacho de revogação da suspensão da pena, ao abrigo do disposto nos arts. 50º e 56º n.ºs 1 a) e 2, do Cód. Penal.

Inconformado, o arguido interpôs recurso finalizando a motivação com as seguintes conclusões: (transcrição) 1ª - A gravosa decisão de revogar a suspensão da execução da pena de prisão foi tomada sem serem assegurados ao arguido os direitos processuais de estar presente e ser ouvido (CPP 61º-1 e 495º-2), aliás garantias constitucionais (Const. 32º), estando assim claramente consubstanciada a nulidade insanável prevista no art. 119º-c) do CPP.

  1. - Se pudesse ser ouvido, começaria o arguido por rebater o "segundo crime" e a "segunda condenação" que lhe são apontados pela douta decisão ora reclamada/recorrida, porquanto isso não corresponde à verdade.

  2. - Depois, demonstraria que envidou esforços junto de diversos Serviços de Finanças para pagar as prestações tributárias em que tinha sido condenado nos presentes autos, mas ficou sempre impossibilitado de proceder a esses pagamentos porque a primeira condição a si exigida pelas referidas Repartições era identificar um processo de cobrança/execução fiscal que afinal não existe.

  3. - Finalmente, poderia esclarecer os autos de que realmente já não é proprietário dos bens sujeitos a registo que a douta decisão lhe "atribuiu", em virtude de os ter perdido em execuções e penhoras que o seu mau, péssimo, momento económico desencadeou de há algum tempo a esta parte.

  4. - A douta decisão de fls. 573 ss. violou os arts. acima referidos e ainda os arts. 55º e 56º do CP.

  5. - TERMOS em que, e no mais proficientemente suprido, deverá revogar-se a douta decisão reclamada/recorrida, porquanto o arguido involuntariamente não satisfez as condições da suspensão da pena de prisão, em ordem à realização de JUSTIÇA!*Houve resposta do Ministério Público que pugna pela manutenção do decidido concluindo nos seguintes termos: (transcrição) 1. O arguido foi condenado por Acórdão de 18 de Novembro de 2009, do Tribunal da Relação do Porto numa pena de 10 meses de prisão, suspensa por um ano, na condição de entregar € 30.000 às Finanças.

  1. O arguido prestou TIR nos presentes autos, tendo ficado definida a morada Estrada Nacional …, n.º … - …, ….-…, ….

  2. Após essa data, nunca o arguido veio comunicar aos autos a mudança de morada.

  3. Uma vez que a pena aplicada foi suspensa na sua execução, o TIR mantém-se válido enquanto decorrer a suspensão.

  4. Foram tentadas diversas notificações para se proceder à audição do arguido, sem sucesso, uma vez que nunca foi possível localizar o mesmo.

  5. O despacho recorrido não viola qualquer norma constitucional ou processual penal, uma vez que não foi por motivos imputáveis ao Tribunal que se tornou impossível a audição do arguido.

  6. Já decorreram quase dois anos sobre a data do Acórdão, sem que o arguido tenha pago qualquer quantia às Finanças.

  7. O recurso interposto da decisão proferida não é um procedimento anómalo, pelo que ao mesmo se aplica o anterior Código das Custas, como muito bem decidiu a M.ma Juiz.

***Admitido o recurso foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do recurso merecer provimento, essencialmente, pelas razões que se transcrevem: “Em causa está, em suma, por um lado a questão de saber se o arguido incumpriu, culposamente, a condição de que dependia a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado - pagamento da quantia de €30.000,00 por conta da prestação tributária globalmente em dívida - e por outro se, a ter existido incumprimento culposo, será a revogação da suspensão a adequada consequência jurídica.

O Prof. Figueiredo Dias,[1] a propósito das consequências jurídicas do incumprimento das condições de suspensão da execução da pena de prisão, ensina que: «o incumprimento das condições não conduz sempre, segundo a lei, às mesmas consequências, podendo o tribunal escolher entre diversas medidas [art. 50.º (actual art. 55º)]: fazer ao condenado uma solene advertência; exigir-lhe garantias de cumprimento dos deveres impostos; prorrogar o período de suspensão [...]; ou revogar a suspensão da execução da prisão.

Pressuposto material comum à verificação de qualquer destas consequências é que o incumprimento das condições de suspensão tenha ocorrido com culpa. A culpa no incumprimento, porém, sendo assim pressuposto da consequência jurídica, em nada deve influenciar a escolha da medida que o tribunal vai tomar: mesmo esta deve ser função exclusiva das probabilidades, porventura ainda subsistentes, de manter o delinquente afastado da criminalidade no futuro e, deste modo, do significado que o incumprimento assuma para o juízo de prognose que foi feito no momento da aplicação da suspensão de execução da prisão. [...] A consequência da revogação da suspensão, prevista no art. 50. ° ai. d) [actual art. 56.º, n.º 1], não é obrigatória; o que significa que, face ao incumprimento culposo das condições de suspensão, o tribunal ponderará se a revogação é a única forma (e a última: cláusula de última ratio, visto que a revogação determina, nos termos do art. 51.º, n.º 2 [actual art. 56.º, n.º 2], "o cumprimento da pena cuja execução estava suspensa [...])" de lograr a consecução das finalidades da punição».

Analisada a questão controvertida à luz dos apontados ensinamentos, e salvaguardando o devido respeito por diferente opinião, afigura-se-nos precipitada a decisão de revogação da suspensão da pena, ora, impugnada.

Com feito, mesmo que se possa considerar ilegítimo o comportamento do arguido, certo é que não vemos, ainda assim, suficientemente concretizado no despacho impugnado o referido pressuposto material de que depende a verificação de qualquer das consequências do incumprimento das condições de suspensão: a culpa.

Mas mesmo admitindo a sua culpa, ainda assim, haveria de ponderar-se que esta, sendo pressuposto da consequência jurídica, como ensina Figueiredo Dias, em nada deve influenciar a escolha da medida a tomar. Face a um incumprimento culposo daquela condição de suspensão - e afastada que está na lei penal vigente, como é sabido, a possibilidade de revogação automática - impor-se-ia ao tribunal ponderar então se a revogação seria a única forma de lograr a consecução das finalidades da punição. O que vale por dizer que a decidida revogação só seria justificável se o tribunal, fundadamente, formulasse a convicção no sentido de que o comportamento do recorrente subsequente à condenação infirmara o juízo de prognose que estivera na base da suspensão da execução da prisão.

Nas palavras do Prof. Figueiredo Dias,[2] a revogação da suspensão só deve ter lugar quando, do incumprimento culposo das condições de suspensão, «[...] nasce a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança depor meio desta manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade».

Ora, um tal juízo não...

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