Acórdão nº 46/10.0TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelDEOLINDA VARÃO
Data da Resolução24 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 46/10.0TBVFR.P1 – 3ª Secção (Apelação) Acção Sumária – 4º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira Rel. Deolinda Varão (616) Adj. Des. Freitas Vieira Adj. Des. Carlos Portela Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B… e C…, casados entre si, instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum sumário, contra D…, LDA.

Pediram que seja declarada a nulidade ou a resolução do contrato-promessa de compra e venda que celebraram com a ré e que, em consequência, a ré seja condenada a restituir-lhes a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 31.01.09.

Como fundamento, alegaram, em síntese, que: - Prometeram comprar à ré e esta prometeu vender-lhes um T2 no prédio sito no …, em Santa Maria de Lamas, pelo preço de € 95.000,00, tendo entregado à ré, de imediato, € 1.000,00; - Para pagamento do remanescente, solicitaram dois empréstimos bancários, que lhes foram concedidos, e pelos quais pagariam uma prestação mensal global de € 360,94; - Tinham data de casamento marcada e pretendiam outorgar a escritura nos primeiros dias de 2007, o que a ré lhes prometeu mas que não veio a acontecer, desde logo porque a casa não tinha licença de utilização; - Autores e ré alteraram o contrato-promessa inicial, por forma a permitir-lhes ir de imediato habitar o referido T2, tendo entregado à ré a quantia de € 9.000,00 e um cheque de € 85.000,00 como garantia do pagamento do remanescente; - A ré não assinou a referida adenda e as assinaturas de autores e ré não foram reconhecidas, para além de que o texto dos contratos foi dado a assinar aos autores sem que tivesse havido qualquer negociação das suas cláusulas; - Em Novembro de 2008, a escritura pública ainda não tinha sido realizada e tiveram que se dirigir ao seu banco para renovar o pedido de empréstimo concedido em 17.01.07, mas nessa altura foram informados que as condições se tinham alterado e que agora teriam de pagar uma prestação mensal de € 571,66, para a qual os autores não tinham capacidade financeira; - Resolveram o contrato, afirmando que devido ao atraso na escritura não lhes havia sido garantido o empréstimo inicial e, nessa altura, receberam carta da ré afirmando ter já na sua posse a licença de habitabilidade e marcando a escritura para 11.02.09; - A ré acabou, porém, por aceitar a rescisão e em 31.01.09, vistoriou a casa e recebeu dos autores as respectivas chaves mas jamais devolveu aos autores a quantia referente ao sinal.

A ré contestou, alegando, em síntese, que: - Jamais prometera celebrar escritura em 2007 e informou os autores de que o prédio não tinha ainda licença pelo que não poderiam colocar qualquer data para o efeito no contrato promessa; - Porque os autores tinham urgência em ir viver para a referida casa, permitiu que eles a ocupassem; - Os autores exigiram alterações na casa, a que procedeu, e só depois de lhes ter enviado a comunicação referente à posse da licença de utilização e marcação da escritura é que aqueles rescindiram o contrato; - Os autores habitaram o imóvel até Março de 2009 e não compareceram à escritura pública; - Jamais aceitou a rescisão do contrato e muito menos devolver o sinal; - As partes expressamente prescindiram do reconhecimento notarial das assinaturas.

Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos contra ela formulados.

Os autores recorreram, formulando as seguintes Conclusões 1ª – O contrato-promessa de compra e venda é um contrato formal escrito sujeito a vários requisitos legais cuja inobservância implica a nulidade do contrato conforme estipula o artigo 220º do CC.

  1. – Estamos perante um contrato bilateral formal que, por força do artigo 410º do CC, «só vale se constar de documento assinado … por ambas» as partes.

  2. – Os contratos juntos aos autos mostram que os mesmos só têm uma assinatura (de E…) quando deviam ter quatro assinaturas: duas da promitente vendedora e duas dos promitentes-compradores.

  3. – O contrato-promessa (incluindo a adenda) refere expressamente que a empresa promitente vendedora é «representada por um dos seus sócios». Sucede que a forma de obrigar dessa sociedade é a de intervenção de dois gerentes (conforme certidão da CRC com a obrigatoriedade das duas assinaturas dos gerentes e procuração forense da ré nos autos).

  4. – É formalidade ad substantiam de um contrato-promessa de compra e venda as assinaturas dos promitentes, sendo a falta de qualquer assinatura uma questão substantiva do conhecimento oficioso que implica a nulidade do contrato-promessa (artºs 220º, 286º e 410º/2 do CC).

  5. – Faltando a assinatura de mais um gerente da ré e a assinatura dos autores, o contrato é nulo por violação de formalidade substancial externa. Além disso, 7ª – Com o nº 3 do artigo 410º visou-se a protecção do promitente-comprador, como parte sociologicamente mais fraca no tipo de negócio regulado pois o legislador, afastando-se da pureza dos princípios que regem a ordem pública de protecção, entendeu que o promitente-vendedor não era merecedor de protecção e passou a reconhecer expressamente apenas ao promitente-comprador o direito de invocar a nulidade.

  6. – Como entidade que actua profissionalmente no comércio imobiliário, a ré seguramente não podia ignorar que a ausência do reconhecimento presencial das assinaturas retirava inelutavelmente a estabilidade ao negócio, colocando-a sob o risco fundado de os autores invocarem a invalidade que a lei expressamente prevê como forma específica e prioritária de tutela dos seus interesses (Ac. do STJ de 08.06.10 – relator Lopes do Rego).

  7. – Como profissional do comércio imobiliário, a ré também sabia que a licença era necessária para poder celebrar validamente o contrato-promessa e, ao fazê-lo sem licença infringindo a lei, assumiu o risco de poder ver o contrato invalidado pelos promitentes-compradores ao exercerem o direito próprio que lhes é concedido pelo nº 3 do artº 410º.

  8. – O direito dos promitentes-compradores poderem invocar a omissão das formalidades contratuais é exclusivo e antecipadamente irrenunciável, sendo nula qualquer acordo ou cláusula em contrário.

  9. – Não pode generalizar-se e banalizar-se o recurso à figura do abuso de direito como forma de acabar por se precludir a aplicação sistemática do regime legal imperativo que comina determinada invalidade por motivos de deficiências de forma do acto jurídico.

  10. – Na hierarquia dos valores jurídicos o abuso de direito (de natureza individual) não pode nunca sobrepor-se à fraude à lei (de natureza pública).

  11. – Na verdade, aceitar como válida uma cláusula num contrato-promessa a dispensar o cumprimento da lei seria permitir um expediente destinado apenas a contornar de forma oblíqua uma disposição – pelo que essa cláusula é nula por fraude à lei nos termos do artigo 280º do CC.

  12. – A fraude à lei é do conhecimento oficioso e não pode nunca ser afastada pelo abuso de direito.

  13. – Querendo casar e obcecados com o seu casamento, os autores assinariam tudo o que lhes fosse posto à frente, pois não tinham a serenidade e os conhecimentos para ponderar os aspectos e consequências jurídicas do seu acto.

  14. – À data do contrato, foi concedido um empréstimo pelo F… com a prestação mensal de € 270,69, complementado por mais um empréstimo com a prestação de € 90,25 (respostas aos nºs 1 e 2 da base instrutória) — ou seja, os autores iriam pagar € 360,94 de prestação mensal total. Em Novembro de 2008, as condições dos empréstimos tinham sido alteradas e a prestação mensal ascendia a € 571,66 (resposta ao nº 6 da base instrutória).

  15. – Verifica-se assim que houve uma alteração posterior da prestação em mais € 210,72 — o que era um acréscimo substancial (em mais de 57 %) e incomportável para os autores, jovens operários com baixos salários — o que constitui uma justa causa para a resolução do contrato.

  16. – Em 11.02.09, os autores não tinham que comparecer no Cartório Notarial porque já tinham procedido à resolução do contrato e os sócios da ré tinha vistoriado a recebido as chaves da fracção.

  17. – Foram violadas, entre outras, as seguintes normas jurídicas: artigos 220º, 280º, 410º e 830º, nº 3 do CC.

A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II.

O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: Por documento particular datado de 25.09.06, que autores e ré denominaram de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, a ré prometeu vender aos autores, e estes prometeram comprar-lhe, uma fracção autónoma, pertencente à ré, correspondente a uma habitação tipo “T2”, fracção “G”, 1º esqº, com garagem individual, sito na Rua …, …, Santa Maria de Lamas, nesta comarca pelo preço de € 95.000,00. (A) Os autores entregaram à ré, “como sinal e princípio de pagamento” a quantia de € 1.000,00. (B) Por documento particular datado de 17.08.07, que autores e ré denominaram de “Adenda ao Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado em 25/09/2006”, foi alterada a forma de pagamento do preço referido em A), estipulando autores e ré que tal pagamento seria efectuado em três tranches e os...

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