Acórdão nº 1064/11.7TBSJM.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDO SAMÕES
Data da Resolução19 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo n.º 1064/11.7TBSJM.P1 Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró *Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção: I. Relatório B….

e mulher C…..

e D…..

, residentes na Rua …, n.º …, S. João da Madeira, instauraram, em 4/11/2011, no Tribunal Judicial daquela Comarca, onde foi depois distribuída ao 2.º Juízo, acção declarativa com processo sumário contra E…., residente no n.º … da mesma Rua, pedindo que a ré seja condenada a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial, que a detenção que dele vem fazendo é destituída de qualquer fundamento válido e a entregá-lo, livre e devoluto, aos autores.

Para tanto, alegaram, em resumo, que: Adquiriram, por dação em cumprimento outorgada e registada em 20/11/2009, o direito de propriedade sobre o prédio urbano, constituído por casa destinada a habitação, de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sito na Rua …, n.º .., freguesia e concelho de S. João da Madeira, inscrito na matriz predial urbana dessa freguesia sob o artigo 3.597 e descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Madeira sob o n.º 4866.

Esse prédio é habitado pela ré, que nele ficou a residir após se ter divorciado de F…., de quem os autores o receberam como contrapartida do empréstimo que lhe efectuaram, no montante de 40.000,00 €.

Apesar de saber daquela aquisição e não obstante os pedidos de entrega, a ré recusa-se a entregá-lo aos autores.

A ré contestou por impugnação e excepção, alegando, em síntese, que, no âmbito da acção de divórcio por mútuo consentimento, acordou com o referido Carlos Alberto, seu ex-marido, que o 1.º andar da casa do prédio cuja entrega lhe é pedida ficaria destinado à sua habitação, na pendência daquele processo e após o divórcio; tal casa constituiu a casa de morada de família e foi por ambos construída no prédio que foi adquirido pelo F…., por sucessão, tendo-lhe sido adjudicado na partilha das heranças abertas por óbito de seus pais, acabando por ser relacionado naquele processo de divórcio como bem comum, pelo que entende ser titular do direito real de habitação sobre esse 1.º andar. Concluiu pela improcedência da acção quanto à peticionada entrega do 1.º andar da casa do prédio identificado no art.º 1.º da petição inicial.

Os autores responderam sustentando a impossibilidade de aquisição do invocado direito de habitação, por, na perspectiva da ré, não se tratar de coisa alheia, concluindo pela improcedência da excepção invocada.

Em despacho pré-saneador, de 2/2/2012, face às “incongruências” e “insuficiências” detectadas e ali referenciadas, foi a ré convidada a concretizar o teor dos artigos 4.º a 6.º da contestação e a indicar em qual dos títulos referidos no art.º 1440.º do Código Civil, para o qual remete o art.º 1485.º do mesmo diploma, funda o seu direito real de habitação, devendo, no caso de aceder ao convite, relativamente àquela concretização: tomar posição expressa sobre a natureza patrimonial da casa objecto dos autos, mormente se constituía, na vigência do seu casamento com F…., um bem próprio seu, um bem próprio do seu ex-cônjuge ou, finalmente, um bem comum de ambos; alegar os factos pertinentes ao esclarecimento da natureza patrimonial do bem, designadamente a data dos óbitos referidos no artigo 5.º da contestação, data do início e conclusão da construção da casa mencionada no artigo 6.º, assim como especificar os recursos económicos utilizados nessa construção; na eventualidade de considerar que se trata de um bem comum, esclarecer se já ocorreu a partilha do património conjugal na sequência da dissolução do seu casamento com F…. e, em caso afirmativo, indicar a quem foi atribuído o imóvel.

Acedendo ao convite, a ré esclareceu que casou com F….. sob o regime da comunhão de adquiridos e que, na constância do casamento, construíram, com o produto do trabalho e com dinheiro de ambos, a casa do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial; aquando do divórcio, o referido prédio integrava os acervos não partilhados das heranças abertas por óbito dos pais do F…., tendo então ficado ajustado que o 1.º andar do mesmo ficaria destinado à satisfação das suas necessidades de habitação; por escritura pública de 21/1/1992, foram partilhados os bens deixados pelos pais do F…., tendo sido adjudicado a este o referido prédio, o qual é, necessariamente, um bem próprio do mesmo, por força do disposto no art.º 1722.º, n.º 1, al. c), do Código Civil. Com essa adjudicação, tornou-se válido o anterior acto de disposição de F…. do direito de habitação a favor da ré, vertido no acordo sobre o destino da casa de morada de família, homologado por sentença que dissolveu o casamento entre ambos. Conclui, como na contestação, pela improcedência da acção quanto à entrega do 1.º andar do prédio reivindicado.

Na fase do saneamento, foi fixado o valor da acção em 48.000,00 € e, em consequência, foi mandado seguir a forma de processo ordinário; foi dispensada a audiência preliminar e proferido despacho saneador que, conhecendo do mérito da causa, julgou a acção totalmente procedente e, em conformidade, condenou a ré: “A) a reconhecer que os autores são proprietários do prédio urbano constituído por casa destinada a habitação de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sito na Rua …, n.º .., freguesia e concelho de S. João da Madeira, inscrito na matriz predial urbana da aludida freguesia sob o art. 3597 e descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Madeira sob o n.º 4866; B) a entregar aos autores o prédio identificado em A, livre de pessoas e bens, no prazo máximo de cinco meses a contar do trânsito em julgado da presente sentença”.

Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com as seguintes conclusões: “1 - Num processo de divórcio por mútuo consentimento, o acordo sobre o destino da casa de morada de família é um pressuposto essencial para a procedência do pedido – artº 1775º do C.C.

2 - Esse acordo está interligado com o direito a alimentos, que a habitação integra (artº 2003º do C.C.), vertido em acordo também exigível e sujeito a homologação, na vertente do crédito que com ele se transfere de um cônjuge para o outro.

3 - Para além dessa interligação, o acordo sobre o destino da casa de morada de família é uma emanação da protecção legal da casa de morada de família, que, como tal, é objecto de sindicância pelo Conservador ou pelo Juiz, a tal ponto que pode ser recusada a sua homologação se não estiverem acautelados os interesses dos cônjuges e dos filhos (o mesmo sucedendo com o interligado acordo sobre a prestação de alimentos ao cônjuge que deles careça) – artºs 1776º e 1778-Aº do C.C. – sendo esse acordo, depois de homologado, apenas alterável pelo Tribunal nos termos do nº 2 do artº 1793º do C.C..

4 - Assim e analisando o caso dos autos, seja o acordo sobre o destino da casa de morada de família um negócio jurídico (direito real de habitação, como defendemos, ou...

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