Acórdão nº 6586/11.7TBMTS-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Dezembro de 2012

Magistrado ResponsávelLUÍS LAMEIRAS
Data da Resolução10 de Dezembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso de Apelação Processo nº 6586/11.7TBMTS-B.P1---. Apelantes - B… e esposa - C…, residentes na Rua … nº .., …, em Matosinhos;---. Apelada - D…, SA, com sede na … nº .., em Lisboa.

---SUMÁRIO: I – O instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efectivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa; e viabiliza ao creditante, no caso do seu incumprimento, a instauração imediata da acção executiva (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil); II – A disciplina do artigo 782º do Código Civil, que exclui da perda do benefício do prazo os co-obrigados do devedor e os terceiros garantes do crédito, tem natureza supletiva; e cede em face de convenção em contrário (artigo 405º, nº 1, do Código Civil); III – Constituindo o contrato de abertura de crédito uma operação bancária, de natureza comercial (artigo 362º do Código Comercial), não goza aquele que se constituiu fiador da entidade creditada, ainda que não seja comerciante, do benefício da excussão prévia do património desta (artigo 101º do Código Comercial).

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. A instância executiva.

1.1.

A D…, SA suscitou em 6 de Outubro de 2011 acção executiva, além do mais, contra B… e esposa C…; alegando, em síntese, haver ajustado por escrito particular, de 12 de Janeiro de 1998, com E…, Ld.ª, como mutuária, e com os demais executados (garantes), como fiadores e dadores de penhor, um contrato de abertura de crédito em conta corrente, concedida à sociedade, até ao limite de 997.595,75 €, confessando-se a empresa devedora, e pelo prazo de um ano renovável; que à D… se permitia resolver o contrato e considerar vencida toda a dívida em caso de incumprimento da mutuária; que o extracto de conta do empréstimo valia como documento suficiente para prova da existência e liquidação do crédito; que para garantia do empréstimo referente ao contrato de abertura de crédito em conta corrente, além do mais, os executados B… e C… constituíram-se fiadores solidários e principais pagadores, responsabilizando-se solidariamente com a empresa pelo pagamento de tudo o que viesse a ser devido à exequente em consequência do contra-to até ao montante de 498.797,89 €, juros e despesas; que as quantias mutuadas foram efectivamente entregues à empresa, e os respectivos valores creditados na conta de depósitos à ordem associada ao contrato; que por escrito particular de 24 de Fevereiro de 2000 foi celebrada com os executados uma alteração consistente no aumento do prazo contratual para trinta meses automaticamente prorrogado; por fim, que os executados deixaram de cumprir as obrigações emergentes do contrato, estando em dívida o capital de 414.779,00 €, acrescendo-lhe comissões (6.240,27 €), conforme extracto de conta do empréstimo, juros convencionados e despesas; numa dívida completa que, à data da propositura da execução, ascendia a 457.217,84 € (v fls. 37 a 49).

A D… juntou o documento de contrato de abertura de crédito em conta corrente, com reconhecimento notarial das assinaturas dos executados (doc fls. 50 a 60); o documento da referida alteração (doc fls. 61 a 68); e um documento de nota de débito (doc fls. 69 a 70).

1.2.

Os executados B… e C… opuseram-se à execução. Arguíram a inexistência de título executivo; que do contrato resultam eventuais obrigações futuras (movimentos em conta a crédito e débito); não gerando ele, por si só, alguma obrigação; não resulta a forma como a conta foi movimentada; não certifica a obrigação; para ser título executivo devia ser documento autêntico ou autenticado (artigo 50º do CPC). Arguíram a inexigibilidade da obrigação; a restituição do capital só era exigível no termo do prazo de duração do contrato, só atingível em 28 de Junho de 2012; e mesmo que a mutuária perdesse o benefício do prazo mantê-lo-iam os oponentes (artigo 782º do CC). Arguíram a inexistência de fiança, por preterição do regime das cláusulas gerais. E arguíram, por fim, gozarem do benefício da excussão prévia, a que não renunciaram (artigo 638º do CC). Concluíram pela extinção da execução.

1.3.

A exequente D… contestou a oposição. Disse que o extracto de conta do empréstimo e documentos de débito atestam que o montante mutuado foi efectivamente disponibilizado à E…, Ld.ª e no quadro do contrato de abertura de crédito em conta corrente; sendo tal contrato de empréstimo e confissão de dívida título executivo; que, de resto, da cláusula 19ª resulta que o extracto da conta é documento suficiente de prova e existência e de liquidação do crédito que dela resultar; que a leitura dos documentos permite aferir os montantes em dívida; além de que, para dissipar dúvidas, junta agora os respectivos pedidos de movimentos da mutuária e os respectivos comprovativos (docs fls. 98 a 107). Ademais, que os oponentes renunciaram expressamente ao benefício do prazo na hipótese de incumprimento da mutuária; que o diploma das cláusulas gerais não é aplicável e, de todo o modo, inverosímil a sua preterição; por fim, a responsabilização solidária e a consequente exclusão da vantagem do benefício de excussão prévia (artigo 640º, alínea a), do CC). Improcedendo a oposição.

1.4.

Os oponentes pronunciaram-se sobre os documentos juntos com a contestação; não demonstram a disponibilização dos montantes alegados à empresa; há valores não reflectidos nos documentos; seja como for, a abertura de crédito, porque geradora de obrigações futuras, para sustentar a execução, teria de ser lavrada em documento autêntico ou particular autenticado; o que não acontece; não havendo título executivo (artigo 50º do CPC).

1.5.

Seguiu a instância declaratória de oposição à execução.

E foi produzido despacho saneador.

Neste decidiu-se (1.º) pela suficiência do título dado à execução, (2.º) pela desnecessidade de a abertura de crédito revestir forma de documento autêntico ou autenticado, (3.º) que o alegado incumprimento, não impugnado, gerou a faculdade de exigência imediata do pagamento de toda a dívida, embora não alcançado o termo que fôra previsto; (4.º) que os oponentes se constituíram principais pagadores, logo, com renúncia ao benefício da excussão; terminando a julgar improcedentes todos esses fundamentos, assim invocados, em obstáculo à acção executiva (v fls. 114 a 117).

E foi seleccionada matéria de facto (v fls. 117 a 120).[1] 2. A instância do recurso.

2.1.

Os oponentes inconformaram-se; e interpuseram recurso.

As alegações, que formularam, rematam com as sínteses conclusivas: a) O contrato de abertura de crédito não é título executivo suficiente, uma vez que prevê apenas a constituição de obrigações futuras; b) Aquele contrato não constituiu as obrigações objecto da execução; c) O conteúdo dos documentos juntos posteriormente pela recorrida foi impugnado pelos recorrentes; d) A junção daqueles documentos não tem a virtualidade de, por si só, colmatar a falta de título, uma vez que esses documentos internos do banco nada provam e não foram aceites pelos executados; e) O contrato em causa, que previa a constituição de obrigações futuras, para servir de base à execução deveria ter sido reduzido a documento autêntico ou autenticado, conforme preceitua o artigo 50º do CPC; f) A não ser assim, não existe qualquer norma que acolha aquele documento como título executivo; g) Consequentemente, há falta de título executivo; h) Na data em que deu entrada a execução, estava a decorrer um período de duração do contrato que se iniciou no dia 28.12.2009 e só terminava no dia 28.6.2012; i) A obrigação de restituir o capital alegadamente mutuado só se venceria em 28.6.2012; j) Consequentemente, não era exigível à sociedade executada o cumpri-mento da obrigação de restituição antes da data de vencimento; l) Mesmo que se entendesse que a sociedade executada tinha perdido o benefício do prazo em virtude do incumprimento, a perda desse benefício não era aplicável aos recorrentes; m) Ou seja, os recorrentes, enquanto co-obrigados ou terceiros garantes, continuavam a beneficiar do prazo, por aplicação do artigo 782º do CC, uma vez que não renunciaram expressamente a esse benefício; n) Por aplicação daquele preceito, a eventual dívida era inexigível aos recorrentes no momento da propositura da execução; o) O facto de constar do contrato que os recorrentes se responsabilizam como principais pagadores não é por si só suficiente para afastar o benefício da excussão prévia; p) Ou seja, para tal era necessário que o recorrentes tivessem renunciado ao benefício da excussão e se tivessem declarado principais pagadores; q) Aliás, é isso que decorre da alínea a) do artigo 640º do CC.

Em suma; deve ser extinta a execução contra os recorrentes.

2.2.

A exequente contra-alegou; e, em suma, concluiu: a) Invocou que no exercício da sua actividade creditícia celebrou por escrito particular contrato de abertura de créditos em conta corrente, em que outorgaram, além do mais, os executados B... e mulher C...; b) Que as quantias mutuadas foram efectivamente entregues à empresa mutuária, tendo os respectivos valores sido creditados na conta de depósitos à ordem associada ao contrato; c) Ainda que os executados deixaram de cumprir as obrigações emergentes encontrando-se em divida as importâncias quantificadas na liquidação da obrigação expressa no requerimento executivo; ou seja, o global de 421.019,27 €, conforme extracto de conta do empréstimo; d) Juntou aos autos, comprovativos dos movimentos de utilização de capital que suportam a disponibilização dos montantes reclamados na execução; e) Todas as assinaturas constantes do documento que constitui o contrato foram reconhecidas presencialmente por notário, não tendo as partes impugnado o...

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