Acórdão nº 217/12.5GAVFR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Dezembro de 2012
Magistrado Responsável | CASTELA RIO |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Na 1ª Secção Judicial / Criminal do TRP acordam em Conferência os Juízes no Sigilo Profissional nº 217/12.
5GAVFR-A.P1: RELATÓRIO: Este Sigilo Profissional é apenso do INQUÉRITO 217/12.5GAVFR do MP de SMF com origem em RDA da DENÚNCIA de 21.3.2012 de B… e C… na qualidade de filhos da Vítima de doença D… que declararam, este quando inquirido em 21.3.2012 como Testemunha, desejar procedimento criminal versus a Médica de Família Dra E… pela assistência clínica por ela prestada no interior do Posto Médico de … – SMF.
Em tal INQUÉRITO foi incorporado o NUIPC 219/12.1GAVFR do MP de SMF com origem em RDA do AUTO DE NOTÍCIA das 02:37 de 22.3.2012 da GNR de … chamada pela Médica de Família E… àquele Posto Médico pela autoria no seu interior de «desacatos» por aqueles irmãos B… e C… filhos de D….
No decurso da investigação criminal no INQ 217/… com o 219/… incorporado, a Enfermeira F…, quando inquirida como Testemunha [1], depôs ao TJA [2] que “…. é enfermeira no centro de saúde de … e que não tem qualquer problema em colaborar com o Tribunal, mas como se trata de questões relacionadas com a sua actividade profissional não pretende faze-lo ao abrigo do sigilo profissional a que está sujeita.
| Uma vez esta situação ultrapassada pelo tribunal responderá sem problemas” [3].
Entre a notificação para depor e a prestação de tal depoimento, o Presidente do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros requereu ao Magistrado Titular do Inquérito que “... se digne ordenar … o aconselhamento ético, jurídico e deontológico junto deste Conselho a todos os enfermeiros que no âmbito do processo supra identificado, possam ser confrontados com situações de eventual quebra de segredo profissional”[4] porque[5]: “… nos termos do artigo 85 do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (EOE), aprovado pelo Decreto-lei n.º 104/98, de 21 de Abril, com as alterações que lhe foram dadas pela Lei n.° 111/2009, de 16 de Setembro, e sob a epígrafe do “Dever de Sigilo”, “O enfermeiro, obrigado a guardar segredo profissional sobre o que toma conhecimento no exercício da sua profissão, assume o dever de: a) Considerar confidencial toda a informação acerca do destinatário de cuidados e da família, qualquer que seja a fonte; b) Partilhar a informação pertinente só com aqueles que estão implicados no plano terapêutico, usando como critérios orientadores o bem-estar, a segurança física, emocional e social do indivíduo e família, assim como os seus direitos; c) Divulgar informação confidencial acerca do indivíduo e família só nas situações previstas na lei, devendo, para tal efeito, recorrer a aconselhamento deontológico e jurídico; d) Manter o anonimato da pessoa sempre que o seu caso for usado em situações de ensino, investigação ou controlo da qualidade de cuidados”.
Nesta concordância e no desenvolvimento das normas transcritas, encontra-se regulamentado no n.° 1 do artigo 11 do Regulamento do Aconselhamento Ético e Deontológico no Âmbito do Dever de Sigilo, aprovado em Assembleia-geral da Ordem dos Enfermeiros de 29 de Maio de 2010, que “o enfermeiro deve solicitar o aconselhamento ético e deontológico sempre que confrontado com uma situação de quebra de segredo e, obrigatoriamente, antes da decisão de divulgação.
Nesta conformidade, e convergindo para o caso concreto, nos termos do n.° 1 do artigo 7° do Regulamento em referência, sob a epígrafe “Intervenção em Juízo” o enfermeiro que seja notificado ou que se apresente a qualquer agente ou órgão policial ou autoridades judiciária (Juiz, Juiz de Instrução e Ministério Público deve escusar-se da divulgação de informação abrangida por segredo profissional, sempre que não tenha obtido previamente aconselhamento deontológico pelo Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, invocando para esse efeito o artigo 85 do EOE.
Todavia, cabe frisar, que mesmo após o ter recebido aconselhamento deontológico e jurídico o enfermeiro pode considerar escusar-se a divulgar a informação coberta por segredo profissional, devendo a legitimidade dessa escusa ser apreciada à luz da legislação pertinente, ouvindo-se para esse efeito a Ordem dos Enfermeiros, através do Conselho Jurisdicional” A Sra Procuradora Adjunta promoveu [6] a Mmo Juiz do TJCSMF [7] “… que seja solicitada ao Tribunal da Relação do Porto a dispensa do sigilo profissional relativamente à inquirição pretendida” da Enfermeira F… por ter entendido que [8]: “Iniciaram-se estes autos com o auto de denúncia de fls. 3-5, no qual se enunciam factos que consubstanciam a prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p., no art. 148.°, n.° 1, do Código Penal (CP).
Atenta a necessidade de apurar com todo o grau de, certeza e concretização necessários na fase de investigação o que sucedeu efectivamente no atendimento feito a D… na Unidade de Saúde Familiar de …, revela-se fundamental a inquirição da enfermeira, F…, presente no local dos factos denunciados.
Designou-se data para a sua inquirição na qualidade de testemunha, vindo mesma a fls. 43, invocar expressamente o sigilo profissional, que abrangerá o depoimento a prestar em relação aos factos denunciados.
Repete-se que tal inquirição é fundamental para o progresso da presente investigação.
Assim, considerando o sigilo invocado, é forçoso recorrer ao Tribunal da Relação para a quebra do mesmo, mediante sindicância prévia da necessidade dos elementos por parte do juiz de instrução, meio que agora se usa, conforme dispõe o art. 135.°, do CPP e art. 85.°, do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros”.
Mmo/a Juiz do 1JCSMF [9] julgou [10] legítima a recusa a depôr e decidiu suscitar a este TRP a justificação da dispensa ou quebra do sigilo profissional porquanto [11]: “Nos presentes autos, em que se investiga a eventual prática de Crime de Ofensa à Integridade Física por Negligência, o Ministério Público pretendeu a inquirição na qualidade de testemunha de F….
A referida testemunha, tendo a qualidade profissional de enfermeira, invocou o sigilo profissional, nos termos do disposto no art. 135° CPP vide fls. 90 e 115.
Face a tal posição, o Ministério Público promoveu que se ordenasse a quebra do sigilo, nos termos referidos a fls. 209.
Cumpre apreciar.
Dispõe o art. 135.° CPP que: “1 – Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4 - Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.
5 - O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso””.
A Ordem dos Enfermeiros já se pronunciou a fls. 43.
Em primeiro lugar, importa desde já referir que, considerando os elementos indiciários já recolhidos nos autos, entendemos que a inquirição pretendida pelo Ministério Público se afigura relevante para a investigação do eventual crime em questão nos presentes autos.
Por outro lado, afigura-se-nos que a recusa por parte da testemunha em causa é legítima, uma vez que os factos terão chegado ao seu conhecimento no exercício da sua função e por causa dela.
Assim sendo, deverá ser aplicado o art. 135°, nº 3 CPP e, em conformidade, ser suscitada a intervenção do Tribunal da Relação do Porto.
Pelo exposto, determino se extraia certidão de todo o processado e se remeta ao referido Tribunal, por forma a apreciar se a dita testemunha em questão deverá ou não prestar declarações como testemunha nos autos como pretendido pelo Ministério Público.
Notifique”.
O Exmo Procurador Geral Adjunto neste TRP emitiu o PARECER que “… no caso concreto, a quebra do sigilo profissional mostra-se, a nosso ver, justificada, pelo que somos de parecer que a enfermeira F… deve depor, desobrigada do sigilo profissional, cujo levantamento deverá, assim, ser decretado, ao abrigo do preceito legal citado” (o art 135-3 do CPP) porquanto [12]: “1. Nos autos de inquérito supra identificados dos Serviços do Ministério Público de Santa Maria da Feira, em que se investiga a prática de factos passíveis de integrar o crime previsto e punível nos termos do art 1 50° n° 2 do CP (e não o de ofensa à integridade física por negligência como vem referido no despacho de fls. 148-149) em que é arguida E…, médica, o M. P. local, perante a recusa da testemunha F…, enfermeira, prestar depoimento, invocando sigilo profissional (fls. 66 e 82), requereu a intervenção do Juiz de Instrução — fls. 146.
Concluso o inquérito ao Sr Juiz de Instrução territorialmente competente, este, por despacho fundamentado, no pressuposto da legitimidade da recusa e da prévia audição do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros (cfr. fls. 36-37), solicitou a intervenção do Tribunal da Relação ao abrigo do disposto no art. 135° n° 3 do CPP — fls. 148-149.
2. Cremos não oferecer dúvida a afirmação de que, em face dos elementos que integram os presentes autos, o...
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