Acórdão nº 1398/09.0PHMTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelAUGUSTO LOURENÇO
Data da Resolução26 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 1398/09.0PHMTS.P1 Acordam, em conferência, os Juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO No âmbito do processo nº 1398/09.0PHMTS, que corre termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal de Matosinhos, foi pelo Ministério Público deduzida acusação contra, B… ao qual foi imputada a prática do crime de condução perigosa, p. e p. pelo artº 291º nº 1 al. b) do cód. penal, nos termos constantes do despacho de fls. 182/185, que se transcreve: - «Para julgamento em processo comum e perante Tribunal Singular, o Ministério Público acusa: - B…, casado, filho de C… e D…, nascido a 30.03.1965, em …, no Porto e com última residência conhecida no …, …, entª .., casa .. Porto, porquanto: - No dia 13 de Agosto de 2009, pelas 22 horas e 30 minutos, o arguido E… Conduzia o seu veículo automóvel de matrícula ..-..-JE, pela .., no sentido poente/nascente, ao quilómetro 1,6, em …, Matosinhos, quando ouviu um barulho estranho no motor da viatura; Por isso mesmo, o arguido E… estacionou o veículo na berma da auto-estrada e abriu o capot a fim de apurar o sucedido, tendo verificado que o seu carro estava a derramar óleo na faixa de rodagem; Pouco tempo depois, o arguido B…, que seguia pela mesma auto-estrada, conduzindo o veículo automóvel de matrícula ..-..-HE, no sentido poente/nascente, parou à retaguarda daquele veículo e dizendo que era mecânico, começou a examinar o veículo de matrícula ..-..-JE a fim de detectar o problema; Para o efeito, como no local estivesse escuro, o arguido B… manobrou o veículo automóvel de matrícula ..-..-HE, invertendo o sentido de marcha, por forma a ficar à frente do veículo ..-..-JE, com os faróis apontados na sua direcção, colocando assim em sério perigo a vida, a integridade física e bens patrimoniais alheios de todos os demais utentes da via, nomeadamente os veículos que por ali passavam; Momentos depois chegaram ao local um funcionário da F… (concessionária da referida auto-estrada), que se inteirou do sucedido, chamou à atenção para a situação perigosa em que estavam e disse que ia chamar as autoridades; Nessa altura, o arguido B… entrou para o veículo automóvel de matrícula ..-..-HE, colocou-o em funcionamento e, sempre com os máximo ligados, inverteu, de novo, o sentido de marcha, parando a cerca de 100 metros do local e colocando mais uma vez em perigo os veículos que por ali passavam, que tiveram de efectuar travagens bruscas, a fim de evitarem o embate com o mesmo; Depois, o arguido B… fez marcha-atrás, até junto do veículo automóvel de matrícula ..-..-JE, perguntando ao E… se ia ficar ali à espera da polícia e mancou com o veículo, conduzindo-o para local desconhecido.

O arguido B… inverteu, por duas vezes, o seu sentido de marcha, apesar de estar numa auto-estrada e de saber que, dessa forma, estava a colocar (como efectivamente aconteceu) em risco a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado, designadamente dos restantes utentes da via que circulavam atrás dele; O arguido conhecia a proibição e a punição da sua conduta.

Cometeu, pelo exposto, um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. no art. 291º nº 1, al. b) do cód. penal».

*Remetido o processo a Juízo para recebimento da acusação, foi pelo sr. Juiz proferido o seguinte despacho: - O Tribunal é competente.

Da acusação manifestamente infundada: O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido B…, imputando-lhe a prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291.º, n.º 1, al. b), do CP.

Ora, a acusação do Ministério Público ou do assistente tem, conforme resulta dos arts. 283.º, n.º 3, al. b), e 285.º, n.º 3, do CPP, de narrar os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, sob pena de nulidade e rejeição da acusação, nos termos do art. 311.º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do CPP.

Aliás, em obediência aos princípios basilares do processo penal, a solução legal referida para a acusação que não contenha os factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos típicos de um crime imputáveis ao arguido não pode ser outra, na medida em que a acusação, seja pública, seja particular, fixa o objecto do julgamento, delimitando a actividade de cognição a desenvolver pelo tribunal, de tal forma que, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP, é nula a sentença que, entre outros, condene o arguido por factos diversos dos descritos na acusação. Além disso, a fixação do objecto do processo com base na acusação, nos termos referidos, está também interligada com o direito de o arguido se defender das imputações que lhe são feitas (cfr. art. 61.º, n.º 1, als. b) e f), do CPP, e art. 32.º da Constituição da República Portuguesa), o que passa pela informação, em detalhe, dos factos objectivos e subjectivos que lhe são imputados e os termos em que tal é feito, conforme decorre do art. 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, na perspectiva em que aqui se consagra o direito de o acusado poder, desde logo, preparar a sua defesa.

O esquema legal delineado segue, assim, a estrutura acusatória que enforma o processo penal português, por imposição constitucional (art. 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa).

Deste modo, quando os factos relatados na acusação não integram os elementos objectivos e subjectivos de um tipo criminal ou quando não são imputados factos que constituam crime, a prolação de sentença por outros factos que, por si ou conjugados com aqueles, integrassem um crime traduziria uma alteração substancial dos factos, conforme decorre do disposto no art. 1.º, al. f), do CPP, o que, consequentemente, determinaria a nulidade dessa decisão (art. 379.º, n.º 1, al. b), do CPP).

É certo que a lei apenas exige que a acusação narre sinteticamente os factos, conforme dispõe o art. 283.º, n.º 3, al. b), do CPP. No entanto, o facto de a narração poder ser sintética não significa que possa reconduzir-se a meras conclusões ou conceitos jurídicos, sem tradução factual. Exige-se, pelo contrário, que sejam narrados os factos susceptíveis de integrar algum tipo criminal, não bastando, de forma alguma, a alegação da descrição típica do preceito criminal e a identificação conclusiva da factualidade. Se assim não for, para além do vício processual em si mesmo, verifica-se também a frustração do direito de defesa do arguido, o qual fica sem saber do que, em concreto, está a ser acusado.

Acontece que...

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