Acórdão nº 2488/03.9TVPRT.P2 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 11 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA CECÍLIA AGANTE
Data da Resolução11 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 2488/03.9TVPRT.P2 Acção ordinária n.º 2488/03.9TVPRT, 1ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia Acórdão Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente na Rua …, n.º …, rés-do-chão, dtº., no Porto, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra C…, S. A., com sede na …, n.º … (…), Vila Nova de Gaia, D…, E…, F…, todos com domicílio profissional na …, n.º …, …, Vila Nova de Gaia, Companhia de Seguros G…, com sede na Rua …, …, piso ., Lisboa, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 20.015,10 euros a título de danos patrimoniais (3.000,00 e 2.075,45 euros) e não patrimoniais (15.000,00 euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, ter sido alvo de operação, nas instalações da ré C…, S.A, ao pé esquerdo para correção de hallux valgus (joanetes). Nessa clínica foi submetido a consulta e, queixando-se de dores nesse pé, apenas com a realização de exame radiográfico, foi sujeito a tal operação, ficando com dores muito fortes no pós-operatório. Foi-lhe recomendada consulta num especialista de cirurgia vascular, que lhe determinou a realização de uma arteriografia por punção femural às artérias ilíceas e restantes dos membros inferiores, que não chegou a realizar por ter recorrido aos serviços de urgência do Hospital … no Porto, devido às intensas dores de que era acometido. Nesse serviço foi-lhe diagnosticada uma infeção com necrose do hallux do pé esquerdo, na sequência da cirurgia ortopédica, e, em 30-04-2000, também lhe foram diagnosticadas psoríase e doença de Buerger. A operação realizada ao hallux valgus foi um erro de diagnóstico, pois o seu padecimento derivava da doença de Buerger (obstrução vascular). Por via da conduta dos réus, sentiu dores durante bastante tempo, sofreu amputação parcial do dedo maior do pé esquerdo e tratamentos doloroso, com a possibilidade de lhe ser amputado o pé. Esteve incapacitado para o trabalho entre 30-03-2000 e 09-06-2000.

Citados os réus, contestou a ré G…, excepcionando a incompetência territorial do tribunal, por estar acordado o foro de Lisboa, e a prescrição do direito do autor, por terem decorrido mais de três anos sobre a operação. Impugnando os factos, por desconhecimento, defendeu que a responsabilidade médica em causa está excluída do contrato de seguro por os factos evocados terem ocorrido há mais de dois anos.

Contestaram os réus C…, D…, E… e F…, refutando a apontada negligência médica. Opuseram que foi correcto o diagnóstico efectuado ao doente, pois padecia de joanetes e não foram detectados sintomas de doença de Buerger. A infecção que sobreveio pode ter tido diversas causas e poderia ter sido debelada com medicação. Requereram a intervenção acessória de H… – Companhia de Seguros, S.A. pelo facto dos réus C…, E… e D… terem transferido para ela a responsabilidade civil decorrente de actos ou omissões no exercício da sua profissão.

Incidente que foi admitido, com a contestação da interveniente na invocação da prescrição do direito do autor e da exclusão da sua responsabilidade relativamente ao réu F…, que foi demandado na qualidade de director da clínica demandada e não pela prática de um acto médico pessoal.

Replicou o autor, contradizendo a prescrição, uma vez que só teve conhecimento do facto ilícito no dia 22-05-2000. No mais, manteve a sua versão dos factos.

Decidido o incidente de incompetência relativa, foram julgadas competentes as Varas Cíveis do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia.

Realizada a audiência preliminar, foi saneado o processo e relegado o conhecimento da excepção de prescrição para a sentença final. Organizados os factos assentes e a base instrutória, apresentou o autor reclamação, que foi atendida.

No decurso da instrução da causa, foi indeferida a ampliação do objecto da perícia médico-legal ao autor. Despacho de que interpôs recurso, admitido como agravo com subida diferida.

Teve lugar a audiência de julgamento e, no seu decurso, foi requerido pelo autor o aditamento do rol de testemunhas, o que foi indeferido. Desse despacho interpôs o autor recurso, que foi admitido como agravo com subida diferida.

Decidida a matéria de facto, foi apresentada reclamação pelo autor, que não foi atendida.

Prolatada sentença, que julgou a acção improcedente, foi interposto recurso, admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Tendo o autor, na sua alegação, invocado a deficiência de gravação de alguns dos depoimentos prestados, oficiosamente determinou o tribunal a transcrição dos mesmos.

Neste Tribunal da Relação, apreciados os agravos, foram julgados improvido o interposto do despacho que denegou a ampliação do objecto da perícia médico-legal realizada ao autor e provido o interposto do despacho que indeferiu a inquirição da testemunha aditada, com renovação da audiência na parte correspondente e anulação dos actos posteriores. Foi julgada prejudicada a apreciação da apelação, ressalvada a suscitada questão prévia de deficiência da gravação dos depoimentos das testemunhas. Quanto a essa concreta nulidade, atestada a perceptibilidade dos depoimentos, foi decidida a sua inverificação.

Concluída a audiência de julgamento com a audição da testemunha I…, foi decidida a matéria de facto sem reclamação.

Pronunciada a sentença, foi a acção julgada improcedente.

Inconformado, recorreu o autor, cuja alegação assim rematou: I - Não pode o a./apelante conformar-se com a decisão relativa à matéria de facto, mormente no que foi julgado provado em 9)., 10). e 12).

II - Sobretudo, porque as respostas dadas escamoteiam o comportamento negligente dos Réus, particularmente, do R. D… e do Director Clínico, Dr. F…, no curso do diagnóstico e do tratamento do autor.

III - Ressaltam, por outro lado, insuportáveis contradições entre aqueles factos e os constantes de 30). da douta decisão recorrida.

IV - As testemunhas explicaram que o a. se queixava sobretudo de dores na parte superior da perna, não no pé, esquerda e que apenas o R. D… sustenta – com o objectivo de sustentar o seu diagnóstico – que as queixas do autor se situavam no pé esquerdo.

V – Veja-se o testemunho coincidente da Sra. D. J…, mulher do a., da Sra. Procuradora, Dra. K…, sobrinha do autor, e de L… e M…, amigos do autor, todos afirmaram que o autor se queixada de dores na perna! VI - A inaptidão do réu D… resulta, aliás, inequívoca do facto lavrado a 21). da douta decisão recorrida: “ao fim de quinze dias, o Autor foi informado pelo Réu D… que teria um problema vascular no hallux esquerdo”(!!!), já que nem depois da operação e do seu desastroso resultado o réu foi capaz de se capacitar de que o autor sofria de um problema vascular, de forma nenhuma circunscrito a um qualquer hallux! VII – Por outro lado, é também flagrante a contradição entre este facto e os factos que constam de 24.º, 25)., 26)., 29). e 33). já que deste últimos resulta que o diagnóstico da doença vascular que realmente afetava o a. jamais foi efetuado pelo réu D… (antes ou depois da intervenção aos “joanetes” por ele diagnosticados) e só foi, na verdade, logrado pela intervenção dos clínicos que atenderam e trataram o autor no Hospital ….

VIII - Sem conceder, não se compreende – e a douta sentença recorrida não esclarece, padecendo, nessa medida, do vício de falta de fundamentação que se deixa arguido – o relevo que foi dado ao depoimento de parte do réu D… e o total obscurantismo a que foi votado o depoimento das testemunhas arroladas pelo autor, designadamente, daquela a cuja audição foi o Tribunal a quo forçado por este mais Alto Tribunal! IX - Juízos que determinaram fosse aceite como boa a afirmação do réu D… de que o autor se queixava apenas de dor no pé, como forma de procurar ancorar o precipitado “diagnóstico” por ele efectuado e desvalorizar o facto de não ter usado do zelo e diligência a que estava obrigado, nomeadamente porque, confessou, não fez uso dos meios auxiliares de diagnóstico que o estado da ciência colocou à sua disposição e que as leges artis impunham! X - Ao que acresce que o Tribunal a quo, aderindo de forma indiscriminada e chocante à tese do réu D…, acaba por imputar ao próprio autor culpa no dano sofrido, designadamente, por não ter informado o réu D… que sofria do mencionado problema vascular, do qual o autor, provou-se nos autos, não sabia – nem tinha de saber – sofrer! XI – Aliás, a valoração feita pelo Tribunal a quo, na resposta à matéria controvertida e na sentença, do depoimento de parte do réu D… contraria perturbadoramente a função que a lei atribui a este tipo de prova e os respectivos limites.

XII - Na verdade, resulta da conjugação dos artigos 352.º e seguintes com o artigo 552.º do Código de Processo Civil ser o depoimento de parte um meio de prova pelo qual se pretende conseguir que o depoente reconheça a realidade dum facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, sendo um meio pelo qual pode ser produzida uma confissão judicial provocada, pelo que só é admissível e só pode ser valorado relativamente a factos que desfavoreçam o depoente e que favoreçam a parte contrária.

XIII - Confronte-se, a este propósito, particularmente, a decisão deste Alto Tribunal, no Ac. de 01/03/2001 (Apelação nº 12640/09.8TBVNG-A.P1 - 5ª Sec.).

XIV - Pela imperfeita análise que fez da prova produzida, pela valoração ilegal que fez do depoimento de parte do réu D… e pela insuficiente fundamentação e obscurantismo, merece a douta sentença recorrida o juízo de censura deste Alto Tribunal, que ocorrerá ordenando-se a respectiva anulação, o que o autor impetra.

XV - Sempre sem conceder, entende o autor que os factos assentes e a respostas dadas à matéria de facto controvertida imporiam, em qualquer caso, solução diferente.

XVI - A doutrina e a jurisprudência têm vindo a evoluir no sentido de ser aplicável à responsabilidade por actos médicos a regra sobre o ónus da prova contida...

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