Acórdão nº 83/12.0YRPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelPAULA LEAL DE CARVALHO
Data da Resolução24 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Procº nº 83/12.0YRPRT.P1 Apelação Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 561) Adjuntos: Des. António José Ramos Des. Eduardo Petersen Silva Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: Os B…, C… e o D… remeteram à E…, SA (…) e ao Ministério responsável pela área laboral aviso prévio de greve dos seus trabalhadores com vista à realização de uma greve no período compreendido entre as 23h00 do dia 21 de Março às 02h00 do dia 23 de Março, ambos de 2012, constando do referido aviso prévio (vide fls. 11 a 13), para além do mais, que: “(…) «2 - As "necessidades sociais impreteríveis" a que se refere o nº.1 do artigo 537.º do Código do Trabalho, hão-de ser, à luz do citado artigo 18.º da CRP, necessidades sociais cuja insatisfação se traduza na violação de correspondentes direitos fundamentais dos cidadãos e não meros transtornos ou inconvenientes resultantes da privação ocasional de um bem ou serviço.

3 - O n.º 2 do artigo 537.º do Código do Trabalho estabelece quais as empresas e estabelecimentos ou sectores onde poderá verificar-se a necessidade de prestação de serviços mínimos, em função de circunstâncias concretas, sendo certo, porém, que a atividade normal desses estabelecimentos e empresas não corresponde, em abstrato, à satisfação de necessidades impreteríveis, o que equivaleria à negação do direito à greve por parte dos trabalhadores de tais estabelecimentos e empresas.

4 - Mesmo nos casos em que, face a circunstâncias concretas, se mostre necessária a prestação de serviços mínimos, a sua definição deve "respeitar os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade", nos termos do n.º 5 do artigo 538.º do Código do Trabalho.

5 - No que se refere à atividade da E…, SA, de transporte de passageiros, o estabelecimento, a título de prestação de "serviços mínimos", da obrigatoriedade de funcionamento de determinadas percentagens dessa atividade normal, sem conexão com necessidades específicas e inadiáveis de certos grupos ou categorias de cidadãos, constituiria uma dupla violação da Constituição da República 6 - Por um lado, asseguraria o transporte normal a um determinado número de cidadãos, indiscriminadamente, preterindo outros que, por igualdade ou, até, por maioria de razão, careçam tanto ou mais desse transporte.

7 - Por outro lado, a privação de transporte através da E…, SA daqueles que não pudessem beneficiar dos impropriamente chamados "serviços mínimos" seria a demonstração cabal de que essa "definição de serviços mínimos" não respeitara os "princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade".

  1. Pelo exposto, as Associações Sindicais signatárias consideram que, face às actuais circunstâncias, nomeadamente o número de trabalhadores abrangidos pelo aviso-prévio efectuado e a sua ampla divulgação, apenas se mostra necessário assegurar, à prior, os seguintes serviços mínimos: ● Funcionamento de Apoio à linha aérea, desempanagem e Pronto-socorro; ● Serviço de saúde e de Segurança das Instalações e Equipamentos; As Associações Sindicais signatárias declaram porém que assegurarão ainda, no decorrer da greve, quaisquer outros serviços que, em função de circunstâncias concretas imprevisíveis, venham a mostrar-se necessárias à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.”.

    Em reunião realizada pelos serviços competentes do Ministério da Economia e Emprego aos 08.03.2012, conforme ata de fls. 2 a 4, não foi possível obter o acordo das partes quanto à definição dos serviços mínimos a assegurar durante a referida greve, pelo que, após os procedimentos necessários à intervenção de arbitragem obrigatória e, designadamente, após a apresentação pela E…, ao Tribunal Arbitral, da proposta de serviços mínimos que consta de fls. 57 a 59, este veio a proferir o Acórdão de fls. 60 a 64, nos termos do qual decidiu: “1. Assim, por unanimidade, o Tribunal Arbitral determina os seguintes serviços mínimos: «» Portarias «» Carros de apoio à linha aérea e desempanagem «» Pronto socorro «» Serviços de saúde e de segurança das instalações e equipamentos «» Funcionamento em 50% da proposta apresentada pelo E… das linhas: «» Noturno: …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …; «» Diurno da manhã e tarde: …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, …, … e …; «» Funcionamento a 100% das linhas … e … (madrugada) que são servidas por um único autocarro cada.

  2. Os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos decididos são designados, nos termos legais, pelos sindicatos que declararam a greve, até 24 horas antes do início do período de greve ou, se estes não o fizerem, deve a E… proceder a essa designação mas, tendo em atenção os princípios da necessidade, da adequação, e da proporcionalidade. O recurso ao trabalho dos aderentes à greve para a prestação daqueles serviços mínimos só deverá ser feito quando as necessidades correspondentes não puderem, razoavelmente, ser satisfeitas através do recurso ao trabalho de não aderentes à greve.” (…)”.

    O B… veio interpor recurso de apelação da referida decisão, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões: “1ª A recorrente é uma Associação Sindical subscritora do Aviso-prévio de greve para o dia 22 de Março de 2012.

    2 º A E… é, nos termos do disposto na alínea h) do nº 2 do art. 537º do CT de 2009, empresa que se destina à satisfação de necessidades sociais impreteríveis.

    1. O B… apresentou uma proposta concreta de serviços mínimos, a qual se comprometeu a acatar, sem qualquer limitação.

    2. Por seu lado a Recorrida veio a definir serviços mínimos que limitava de forma exagerada e incompreensível o legítimo direito do recurso à greve num Estado Democrático.

    3. O nº 1 do art. 57º da CRP dispõe: “é garantido o direito à greve.”. E o nº 3 estabelece: “A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços mínimos necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de Necessidades Sociais Impreteríveis.

      6º. Nos termos do disposto no art. 18º, nº 2 da CRP: “A lei só pode restringir os direitos, (…) nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”.

      7º. E o nº 3 do mesmo artigo dispõe, na parte que agora interessa, que: “As leis restritivas de direitos (…) não podem (…) diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”.

    4. Assim, o acórdão recorrido não viola os limites de restrição do direito à greve, impostos naqueles preceitos constitucionais, bem como o disposto nos artºs 537 e 538 do CT de 2009.

    5. Temos que a decisão do Tribunal Arbitral que ora se recorrem confundiu perturbações, incómodos e transtornos com Necessidades Sociais Impreteríveis.

      10º. Não foram conhecidas, porque inexistentes, quaisquer danos irreparáveis pelos utentes abrangidos pela greve.

    6. A eventual existência de Necessidade Sociais Impreteríveis não fica automaticamente suprida com uma qualquer percentagem sob a égide de serviços mínimos.

    7. A prestação de serviços mínimos terá que pressupor uma análise casuística da greve em si e das suas circunstâncias, só assim se poderá concluir pela existência ou não de Necessidades Sociais Impreteríveis.

    8. No caso da existência de eventuais necessidades Sociais Impreteríveis, estas terão que ser conhecidas, nomeadamente o lugar, a hora e de que delas seja portador.

    9. Mais se invoca que a imposição de uma certa percentagem de serviços em dia de greve sob o título de Serviços Mínimos, não garante aos utentes porventura mais debilitados física ou psicologicamente possam usufruir de tal serviço. Assim como não se garante que o mesmo serviço não seja utilizado por quem queira deslocar-se por ex. a um cinema ou simplesmente pretenda passear.

    10. Esse é aliás o entendimento do TRL (vd. O Acórdão TRL de 24/02/2010, relatado pela Exmª Srª Desembargadora Hermínia Marques).

    11. A consequência de uma greve no sector dos transportes público de passageiros, porventura direta, é o adiamento de uma qualquer viagem ou a oneração de eventuais viagens praticadas por transporte próprio ou por outra via alternativa.

    12. A existência de uma qualquer Necessidade Social Impreterível, pressupõe à partida e de forma automática a sua supressão em tempo útil, sob pena de esta se tornar irreparável.

    13. No caso vertente dos transportes públicos de passageiros perguntar-se-á: As Necessidades Sociais Impreteríveis têm hora e dias definidos? O facto de, num certo e determinado período não existir transporte, ficará alguma Necessidade Social Impreterível por suprir? 19ª Julga-se que não. Se assim fosse, não poderiam as empresas de transporte público de passageiros descriminar horários dos serviços em função dos dias da semana e das suas horas. Como é sabido a oferta de transporte é manifestamente inferior aos Sábados, Domingos e Feriados, sendo que no período noturno a oferta diminui substancialmente face ao serviço diurno. Ou seja, a oferta está diretamente ligada à procura e não a eventuais Necessidades Sociais Impreteríveis.

    14. A garantia de acesso expressa na alínea a) do nº 3 do art. 64º da CRP a que se refere o legislador, nada tem a ver com amobilidade eventualmente oferecida por esta ou aquela empresa de transporte coletivo de passageiros, mas sim com o acesso no sentido lato ao direito à proteção na saúde.

    15. Mais se dirá no caso de situação de greve no sector da saúde, os únicos serviços mínimos que terão que ser prestados são naturalmente todos os serviços de urgência. Ou seja, os restantes estão automaticamente excluídos nomeadamente os serviços normais de exames, consultas, etc.

    16. Após o 25 de Abril de 1974m como é do domínio público, sempre existiu uma cultura reivindicativa pelos trabalhadores em geral e seus representantes, e dos trabalhadores da E… em particular sempre com a estrita observância da legalidade.

    17. Nas greves...

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