Acórdão nº 785/08.6TTPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 17 de Setembro de 2012

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução17 de Setembro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 785/08.6TTPRT.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 173) Adjunto: Desembargador Machado da Silva (reg. nº 1730) Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, residente em Murça, intentou a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato de trabalho contra “C…, S.A, pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento, por caducidade e nulidade do processo disciplinar, e por ausência de justa causa e a condenação do Réu a reintegrá-lo ou indemnizá-lo por antiguidade e a pagar-lhe retribuições vencidas e vincendas, danos patrimoniais e não patrimoniais e juros.

Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço do Réu em Julho de 1984, estando actualmente categorizado como assistente de cliente. Foi despedido mediante processo disciplinar em Julho de 2007, despedimento que é ilícito porque: - o procedimento disciplinar caducou, quer porque decorreram mais de 30 dias entre a existência dos comportamentos irregulares imputados ao Autor e o início do processo prévio de inquérito; quer porque a nota de culpa foi recepcionada pelo Autor mais de 30 dias depois da conclusão do inquérito; - as provas produzidas no decurso do processo disciplinar foram obtidas ilegalmente; - os factos apurados não consubstanciam justa causa para o despedimento.

Contestou o Réu, pugnando pela improcedência das questões relacionadas com a invalidade formal do processo disciplinar, alegando os factos constitutivos da justa causa, determinantes da decisão disciplinar proferida e impugnando grande parte da factualidade alegada pelo Autor.

Em audiência preliminar foi proferido despacho saneador e procedeu-se à condensação do processo, com elaboração de Factos Assentes e Base Instrutória, sem reclamações.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, tendo sido respondida a base instrutória, sem reclamações, e seguidamente foi proferida sentença cuja parte dispositiva é a seguinte: “Nestes termos e com tais fundamentos, decido julgar a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência: a) julgo ilícito, por prescrito, o procedimento disciplinar instaurado ao Autor; face ao que condeno o Réu: b) a pagar ao Autor a retribuição que este deixou de auferir nos 30 dias anteriores à propositura da acção, no valor de 2.013,80€, bem como todas as que se venceram e vencerem desde então em até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo das deduções previstas nos nºs 2 e 3 do artigo 437º do Código do Trabalho, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento da primeira prestação até integral pagamento; c) a reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade”.

Inconformado, interpôs o Réu presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões: 1ª. A sentença “a quo” não fez a melhor aplicação do direito e os critérios hermenêuticos operacionalizados ofendem, no caso, o sentido de uma decisão justa e equitativa, como nos propomos demonstrar.

  1. São de salientar os juízos de valor altamente censuráveis quanto à conduta do autor ora recorrido, que vieram a determinar e justificar na sentença a verificação da justa causa de incontornável ruptura da relação de trabalho.

  2. Ficou provado que o ora recorrido «se apoderou ilicitamente de uma quantia em dinheiro, não se coibindo, com vista a encobrir tal comportamento, de tomar uma série de providências lesivas dos interesses de uma determinada cliente do banco, com as naturais e evidentes consequências que tal conduta acarreta para a imagem e credibilidade da própria instituição bancária».

  3. Quando seria espectável a absolvição do Banco recorrente do pedido formulado numa acção que até aí improcederam totalmente as várias questões nela suscitadas, eis senão quando a última questão formal acabou por ser residual e surpreendentemente decidida a favor do ora recorrido, prejudicando todas as demais, antes e sequencialmente resolvidas, inclusive, como se disse, a de mérito! 5ª. A sentença apelada usou argumentos de imprevisibilidade muito remota, senão mesmo inimagináveis e surpreendentes, quanto à presença do ora recorrido na sua casa de residência, nos dias 28 e 29/12/06, pelo que se justifica a junção de documentos com as presentes alegações, tornada assim absolutamente necessária.

  4. O núcleo da questão controvertida cifra-se no argumento do ora recorrido, segundo o qual o procedimento disciplinar caducou por a nota de culpa ter sido recepcionada por si mais de 30 dias depois da conclusão do inquérito.

  5. Todos os prévios prazos do inquérito do art. 412º do Código do Trabalho foram, formal e substancialmente, cumpridos, nomeadamente o que diz respeito ao primeiro período de 30 dias previsto nesse preceito, obedecendo também a sua condução aos melhores critérios da necessidade e da diligência nele estabelecidos.

  6. Em crise, e controvertida, está apenas a questão de saber se após a conclusão do procedimento prévio de inquérito – que teria ocorrido a 29/11/06 e com a nomeação de advogado para instruir o processo disciplinar – a nota de culpa foi ou não notificada ao recorrido no prazo de 30 dias.

  7. A sentença recorrida assenta a sua construção jurídica em três premissas nucleares, que tem por axiomáticas: a/. A nota de culpa deve ser notificada ao trabalhador no prazo de 30 dias contados desde a conclusão do procedimento prévio de inquérito; b/. É pacífico – quer doutrinal, quer jurisprudencialmente – que a comunicação da nota de culpa constitui uma declaração receptícia, que carece de ser dada a conhecer ao destinatário, pelo que é eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou dele é conhecida; e, c/. À contagem do prazo para o empregador notificar a nota de culpa ao trabalhador aplicam-se as regras estabelecidas na lei civil, pelo que, no caso presente, o prazo de que aquele dispunha para notificar a nota de culpa a este terminou às 24H00 do dia 29 de Dezembro de 2006.

  8. E o Mº Juiz “a quo” enquadra-as na situação fáctica global que conhece os três seguintes e específicos factos dados como provados: a/. O réu enviou ao autor a nota de culpa através de carta registada dirigida para a residência daquele, expedida em 27/12/2006; b/. Em 28/12/2006, pelas 10H00, o funcionário dos serviços do CTT de Murça não encontrou o Autor na sua residência, pelo que depositou na caixa do correio deste um aviso de entrega, dando-lhe conta que o referido subscrito postal estaria disponível para entrega na estação dos correios daquela localidade; e, c/. A carta em causa foi então depositada na estação de correios de Murça pelas 10H37 do dia 29/12/2006, ficando a partir daí disponível para ser levantada pelo autor, que apenas a recepcionou efectivamente dia 02/01/2007.

  9. Interligando esses dados, a sentença recorrida considera que o trabalhador não é responsável por não ter recebido a carta a tempo e horas, dentro do prazo de 30 dias, dado não lhe ser exigível estar em casa no dia em que a devia ter recebido (28/12/06), nem no dia seguinte (29/12/06) lhe era igualmente exigível ir à estação dos correios de Murça levantá-la.

  10. Ao assim julgar, a nosso ver e em face dos elementos concretos do caso, a sentença alcançou uma solução injusta e não equitativa.

  11. É hoje consensual, na doutrina e na jurisprudência, que a declaração de vontade receptícia conhece um regime jurídico que tutela tanto o declarante como o declaratário.

  12. Esse regime pretende nivelar ou distribuir de uma maneira justa os riscos a que podem dar origem, na prática, a recepção de comunicação via postal, de modo a que: a/. Aquele que a envia, suporta esses riscos até ao momento em que a carta se ache ao alcance do destinatário; e, b/. Aquele a quem se destina, por seu lado e uma vez que a declaração está em condições de ser recebida por si, suporta os riscos que sobrevenham pelo facto de a não ter recebido, depositada que foi no receptáculo do seu correio.

  13. A notificação da nota de culpa ao trabalhador não constitui um negócio jurídico, mas sim um simples acto jurídico, a que se aplicam as normas sobre a declaração de vontade do art. 224º do Código Civil, isto por força do disposto no art. 295º do mesmo diploma.

  14. O Código Civil rejeitou claramente a chamada “teoria do conhecimento” quanto a essas declarações, justificada pela dificuldade prática de determinação do momento em que o destinatário da declaração dela tomou conhecimento.

  15. O mesmo diploma, pelo contrário, perfilhou a teoria segundo a qual o declaratário fica vinculado à declaração que lhe tenha sido dirigida logo que esta chegue ao seu poder, ou seja, logo que seja posta ao seu alcance, ainda que porventura não chegue ao seu conhecimento. É a “teoria da recepção”, por contraposição à “teoria do conhecimento”.

  16. Os autores discutiram muito se a declaração devia considerar-se perfeita logo que era dirigida ao destinatário, tal como perfilhava a “teoria da exteriorização”, ou se era necessário que chegasse ao conhecimento deste – “teoria da percepção”.

  17. Este ponto de vista intermédio – situando a eficácia inicial da declaração no momento em que esta entra na esfera jurídica do destinatário – deve ser compreendida em termos hábeis e de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso.

  18. E ele sobretudo pressupõe um sentido razoável de situação prática, tendo a ver com as chamadas circunstâncias normais e só dependendo do próprio destinatário ou do modo como organiza a sua casa, para receber ou não a declaração.

  19. Transpondo estes conhecimentos para o caso concreto, e levando em linha de conta a sensibilidade das circunstâncias envolventes, a solução a dar-lhe não pode deixar de ser diferente da adoptada na sentença recorrida.

  20. O Banco recorrente colocou toda a diligência no acto jurídico em que se analisa a notificação ao destinatário da nota de culpa, porquanto: a/. Emitiu-a em 26/12/06; b/. Expediu-a em 27/12/06; e, c/. Tudo fez para que ela fosse eficaz dentro do prazo que assinalado de 30...

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