Acórdão nº 762-A/2001.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | LUÍS LAMEIRAS |
Data da Resolução | 07 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação Processo nº 762-A/2001.P1---. Apelantes - B…, e esposa - C…, residente na Rua … nº …, …, em Vila Nova de Gaia;---. Apelado - D…, residente na Rua … nº …, .º posterior, em Vila Nova de Gaia.
--- SUMÁRIO: I – O artigo 1887º-A do Código Civil não impede que a outras pessoas, que não os irmãos e os ascendentes de criança sujeita a responsabilidade parental, possa ser fixado um regime de visitas e de convívio com ela; II – Esse regime pode radicar na norma substantiva do artigo 1918º do Código Civil, constituindo uma providência adequada à situação da criança, ajustada à realidade vivencial de facto em que ela se ache inserida; III – Na óptica processual, essa realidade deve ser escrutinada, avaliada e decidida em processo tutelar cível, sob a forma de acção tutelar comum (artigo 210º da Organização Tutelar de Menores); IV – Não deve assim ser liminarmente indeferida uma petição inicial destinada a desencadear a acção, interposta pelos tios da criança, invocando laços profundos de afecto com ela e requerendo o estabelecimento de um regime de visitas, se sustentado aquele indeferimento apenas na circunstância de o artigo 1887º-A não contemplar o direito ao convívio com os tios.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. Da instância da acção.
1.1.
B… e esposa C… vieram, nos termos dos artigos 1918º e 1919º do Código Civil, requerer o decretamento de providências adequadas relativamente à menor E…, contra D….[1] Alegaram, em brevíssima síntese, ser a E…, agora com 13 anos, filha do requerido, este irmão do requerente marido; e que, por ausência da mãe da menina, desde sempre foi a requerente esposa a assumir o papel de figura maternal; o que aconteceu ao longo de dez anos. Os requerentes assumiram assim, para com a criança, um papel fundamental de acompanhamento e de afecto; nem sequer havendo distinção dos seus próprios filhos biológicos, todos sendo tratados como irmãos. O requerido, por decisão judicial, ficou com a guarda e responsabilidade parental da menina; mas a sua postura ausente agudizou o papel que os requerentes desempenhavam. Chegaram a adquirir uma casa maior onde pudessem viver com a E…, em família; e mesmo um automóvel maior para todos poderem passear e viajar juntos. Criou-se assim com a menina um primordial laço de afecto.
Contudo, em Setembro de 2009 o requerido refez a sua vida sentimental e iniciou um processo de afastamento dos requerentes, criando obstáculos ao contacto e convivência com a criança; proibindo e limitando as visitas e os encontros; recorrendo a ameaças psicológicas; e fazendo com que, desde Setembro de 2011, a menina se ache afastada dos requerentes e dos amigos, o que lhe tem gerado sofrimento e danos. A E…, que sempre considerou a requerente esposa como sua “mãe”, seu pilar, educadora, melhor amiga e confidente, vive agora num ambiente de constante angústia, desespero, medo e opressão; e vem-se servindo dos mais variados meios para, sem conhecimento do pai, comunicar com os requerentes e com eles trocar mensagens de carinho. Ainda assim, vem o requerido tentando impedir que tal aconteça, verbalizando ameaças. A opressão a que está votada a E… vem-se reflectindo em todos os aspectos da sua vida; e baixou até o rendimento escolar. O requerido vem, assim, colocando os seus próprios interesses e motivações em detrimento do bem-estar e desenvolvimento da filha; prejudicando gravemente o seu equilíbrio psíquico e emocional. A E… está em sofrimento; e pede-lhes ajuda; contacta a requerente esposa muitas vezes a chorar, desesperada, pedindo para a “mãe” levar alguém à escola que a possa ajudar. Nestas condições, assiste-lhe o direito de continuar a relacionar-se com os requerentes; e é importante, no interesse e equilíbrio da menina, a possibilidade de continuar a conviver com eles, como fez ao longo da sua vida, permitindo um regime aberto de visitas, de forma a possibilitar tal convívio e a possibilidade de que continuem a desempenhar um papel activo no seu desenvolvimento pessoal e emocional. A E…, entregue à guarda dos requerentes durante longos anos, foi inopinadamente retirada do meio em que foi criada e a que se habituou, da convivência das pessoas com as quais criou mecanismos psicológicos de identificação e fixação. A sua relação com os requerentes é da maior importância, em traços de afecto e de desenvolvimento do espírito familiar; e a criação de obstáculos a essa relação, assente numa profunda afectividade recíproca, pode constituir um perigo para o equilíbrio psico-afectivo da menina e para a sua educação.
Em suma; deve decidir-se “sobre as providências adequadas a decretar, no que respeita ao direito de visitas a fixar aos requerentes”.
1.2.
O requerido foi citado.
Apresentou resposta. E, contestando a vária factualidade narrada pelos requerentes, disse, essencialmente, que sempre assumiu a sua responsabilidade parental, com a ajuda e apoio de todos os familiares, requerentes incluídos; que refez a sua vida sentimental em Setembro de 2009, casando, e vivendo agora com a actual esposa e a E…, com quem esta aliás criou admirável relação de afecto; que a E… sempre viveu em ambiente familiar salutar; que vem sendo o comportamento dos requerentes a contribuir para desagregar a harmonia do convívio familiar entre todos; e que, nessas condições, não há que fixar qualquer regime de visitas da E… aos requerentes; por fim, que a menina é uma criança feliz, saudável, física e psicologicamente.
Em suma; “que o pedido de limitação ao exercício das responsabilidades parentais” não deve ter prossecução.
1.3.
A instância prosseguiu.
O Ministério Público promoveu a feitura de uma “conferência com a presença do progenitor e tios paternos da menor E…”.
1.4.
O juiz “a quo” proferiu despacho.
E nesse se escreveu assim, além do mais: «… … do exposto no … articulado apresentado pelos requerentes não vislumbra o tribunal qualquer pedido de limitação ou inibição do exercício das responsabilidades parentais do requerido.
… Conforme decorre do pedido formulado pelos requerentes a presente acção não visa a inibição / limitação ao exercício do poder paternal do requerido / progenitor da menor, mas tão só a fixação de um regime de vistas / convívio entre a menor e os requerentes.
Dito de outro modo, como resulta claro do petitório, o que os requerentes efectivamente pedem não é uma decisão de limitação ou de inibição ao exercício do poder paternal do requerido relativamente à sua filha menor, embora qualifiquem a acção como tal, reivindicando sim um direito a conviverem com a menor E….
Contudo, os requerentes, enquanto tios da...
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