Acórdão nº 948/09.7TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução07 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

948/09.7TVPRT-P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 948/09.7TVPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 713º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. A condensação da factualidade relevante para a boa decisão da causa deverá incidir, em regra, sobre os factos essenciais para integrar a ou as causas de pedir, bem como a matéria das excepções, tendo sempre na mira as posições doutrinais e jurisprudenciais existentes relativamente às diversas questões decidendas, bem como a distribuição do ónus da prova entre as partes.

  1. Deve considerar-se satisfeito o ónus da indicação das passagens dos depoimentos que suportam a pretensão de alteração da decisão da matéria de facto com a remissão para as páginas da transcrição desses depoimentos.

  2. Os fundamentos de facto da sentença são construídos nos termos previstos no nº 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil, não podendo ser “repescados” para tais fundamentos outros factos que não tenham sido submetidos autonomamente à prova e que apenas tenham servido para motivar as respostas à matéria controvertida.

  3. Os artigos 38º e 125º do decreto-lei nº 422/89, de 02 de Dezembro constituem típicas normas de protecção do sujeito que está proibido de aceder às salas de jogos na sequência de requerimento por si formulado.

  4. A violação pela concessionária de um casino das normas de protecção constantes dos artigos 38º e 125º do decreto-lei nº 422/89, de 02 de Dezembro é suficiente para que a sua culpa se presuma[1], cabendo-lhe, deste modo, a contraprova dos factos que abalem tal presunção natural.

  5. Por violação da norma de protecção constante do artigo 38º do decreto-lei nº 422/89, de 02 de Dezembro, deve presumir-se a culpa do agente proibido, a seu requerimento, de aceder a quaisquer salas de jogos dos casinos do País e que não obstante isso continua a aceder a uma sala de jogos de um casino, na vigência dessa proibição.

    *** * ***Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório A 31 de Julho de 2008, nas Varas Cíveis do Tribunal da Comarca do Porto, B… intentou a presente acção declarativa comum na forma ordinária contra C…, S.A.

    , pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 700.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento.

    Para tanto alega que, por ser um jogador compulsivo, requereu ao Inspector Geral de Jogos que, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 38º do decreto-lei nº 422/89, de 02 de Dezembro, fosse proibido de aceder às salas de jogo de todos os casinos, o que foi deferido por despacho de 02 de Setembro de 2005, que determinou essa proibição pelo período de dois anos; apesar de a ré ter sido notificada da aludida decisão, facto é que continuou a frequentar o Casino … durante o período da interdição, malgrado ser bem conhecido dos funcionários do Casino, os quais sabiam que estava proibido de entrar nas respectivas salas de jogo, jamais tendo sido impedido de aí jogar; nem a Inspecção-Geral de Jogos nem a ré tomaram qualquer medida para não permitir esse acesso, o que motivou que, no período em que vigorou a interdição, tivesse gasto nas mesas de jogo do Casino … a quantia global de € 420.000,00; para fazer face às diversas dívidas que para si resultaram da prática do jogo nas salas de jogo do Casino …, teve de proceder, com urgência, à venda de uma quinta pelo valor de € 100.000,00, quando o seu real valor de mercado se cifraria em cerca de € 300.000,00; por ter continuado a entrar no Casino …, os seus problemas de saúde agravaram-se a um ponto de ter sido declarado totalmente incapaz para o exercício da sua profissão habitual, o que lhe provocou desgosto e desalento.

    Procedeu-se à citação da ré, tendo esta apresentado contestação alegando em síntese, o seguinte: em 14 de Setembro de 2005, foi notificada da decisão da Inspecção-Geral de Jogos, na qual se havia determinado a proibição de acesso às salas de jogos de todos os casinos do país, pelo período de dois anos, ao ora autor, sendo certo que, a partir de então, não mais lhe foi permitido aceder à sala de jogos tradicionais do Casino …; em relação às salas de máquinas automáticas e salas mistas se, porventura, o autor logrou aí aceder, tal não se ficou a dever a facto passível de lhe ser assacado, posto que não dispõe de meios que lhe permitam que seja exercido o controlo do acesso a essas salas.

    A ré deduziu incidente de intervenção acessória provocada do Estado Português.

    O autor replicou pugnando pela improcedência da distinção efectuada pela ré entre as salas de jogos tradicionais, de um lado e as salas de máquinas e as salas mistas, de outro lado, no que respeita ao cumprimento da proibição de acesso a tais salas, nada opondo ao incidente de intervenção acessória requerido pela ré.

    O incidente de intervenção acessória do Estado Português foi admitido e efectuada a citação do chamado, o mesmo apresentou articulado, no qual invocou a incompetência em razão da matéria do tribunal comum para conhecer da pretensão contra si direccionada e impugnou muitos dos factos articulados pelo autor na petição inicial, concluindo pela procedência da excepção dilatória de incompetência em razão da matéria e, se assim não for entendido, pela total improcedência da acção no que diz respeito ao réu.

    Notificados o autor e a ré do articulado oferecido pelo chamado, o autor veio reafirmar tudo quanto alegara em sede de petição inicial e impugnar a generalidade dos factos articulados pelo Estado Português, enquanto a ré se pronunciou pela improcedência da excepção dilatória de incompetência material.

    Fixou-se o valor da causa em € 700.000,00, foi proferido despacho saneador, julgando-se improcedente a excepção dilatória da incompetência em razão da matéria e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória.

    O autor e a ré reclamaram contra a base instrutória com fundamento na omissão de selecção de factualidade que reputaram necessária à boa decisão da causa.

    As partes ofereceram os seus meios de prova.

    As reclamações deduzidas pelo autor e pela ré contra a base instrutória foram indeferidas.

    Admitiram-se as provas oferecidas pelas partes, realizando-se a perícia colegial requerida pelo autor.

    Realizou-se audiência de discussão e julgamento em seis sessões, respondendo-se à matéria incluída na base instrutória.

    Proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente, concluindo-se pela ausência de culpa da ré.

    Inconformado com a sentença, o autor interpôs recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões: “1) A douta Sentença não pode, de todo em todo, manter-se.

    2) A Sentença agora colocada em crise viola diversos princípios legais, sendo certo que quer em sede de matéria de facto quer em sede de direito a mesma é iniqua e, portanto, tem que ser revogada e substituída por decisão que, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, condene a Ré no pedido formulado pelo Recorrente.

    3) A fls… dos presentes autos o Recorrente reclamou contra a selecção da matéria de facto formulada pelo Tribunal a quo sendo que por despacho de 29.10.2010 o Tribunal a quo decidiu indeferir a reclamação apresentada pelo Recorrente.

    4) O Tribunal a quo andou mal pois, nos presentes autos o mesmo demanda a Recorrida peticionando uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de factos, ilícitos, que são imputados àquela.

    5) Na sua contestação, o Recorrente depois de alegar os factos que sustentam a responsabilidade da Recorrida, alega factos que suportam o direito a ser indemnizado pelos prejuízos por si sofridos.

    6) Deste modo, atendendo à complexidade da discussão de facto que se apresenta nos presentes autos, importa que todos os factos, sem excepção, que não sejam meramente instrumentais, sejam levados à douta base instrutória para que, relativamente aos mesmos, seja produzida prova pelas partes.

    7) Assim, afigura-se ao Recorrente que deveriam ter sido igualmente carreados pera a base instrutória os factos constantes dos art.ºs 1.º, 2.º, 7.º, 9.º, 13.º, 54.º, 55.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 74.º, 75.º, 79.º, 80.º, 82.º, 83.º, 88.º, 90.º, 95.º, 96.º, 98.º e 99.º da contestação do Recorrente.

    8) Toda a factualidade que suporta, na tese do Recorrente, quer as suas circunstâncias de vida antes e depois da eclosão da doença referida nos art.ºs 1.º e 2.º da base instrutória, quer as concretas circunstâncias em que o Recorrente acedia ao Casino … (concessionado pela Recorrida), quer os gastos, e qualidade dos gastos, que ali realizou bem como as consequências patrimoniais, e não patrimoniais, na vida do Recorrente, é factualidade que deve estar vertida na base instrutória.

    9) Assim, uma vez que os factos foram tempestivamente alegados pelo Recorrente, que não se tratam de factos que reproduzem outros factos já constantes da base instrutória e que são importantes para a definição/delimitação do pleito é de fundamental importância que os mesmos estejam contidos no despacho saneador/base instrutória uma vez que se trata de “matéria de facto relevante” para a decisão da causa.

    10) O Tribunal a quo violou, deste modo, por erro de interpretação, o disposto nos art.ºs 511.º, n.º 1 do CPC, pelo que deverão soa factos constantes dos art.ºs 1.º, 2.º, 7.º, 9.º, 13.º, 54.º, 55.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 74.º, 75.º, 79.º, 80.º, 82.º, 83.º, 88.º, 90.º, 95.º, 96.º, 98.º ser levados à base instrutória para que acerca dos mesmos seja produzida prova em sede de audiência de discussão e julgamento.

    11) O Recorrente não pode concordar com a resposta dada pelo Tribunal a quo à matéria de facto controvertida, nomeadamente no que diz respeito à resposta dada aos factos 11, 16, 17, 18, 19, 21 e 22 da base instrutória.

    12) Esta discordância assenta na...

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