Acórdão nº 40/10.1TTPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 07 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | MARIA JOSÉ COSTA PINTO |
Data da Resolução | 07 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 40/10.1TTPRT.P1 4.ª Secção Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do PortoII1. Relatório 1.1.
B…, intentou a presente acção declarativa com processo comum no Tribunal do Trabalho do Porto contra “C…, Lda.”, pedindo que esta seja condenada a reconhecer que entre a R. e o A. existiu um contrato de trabalho e, em consequência, o despedimento é ilícito, pelo que deve pagar ao A. as retribuições vencidas desde 30 dias antes da entrada da acção até ao trânsito da decisão final, a indemnização legal de acordo com a antiguidade a perfazer até ao trânsito, no mínimo de três meses e nos demais direitos peticionados, de férias, de subsídios de férias e de Natal e as despesas efectuadas para uso na loja, tudo com juros desde a citação.
Para tanto, alegou, em síntese: ter celebrado em 1 de Setembro de 2008 um contrato de trabalho com a Ré, competindo-lhe abrir e fechar o estabelecimento, atender os clientes, em interligação com a Ré e tratar dos assuntos correntes, observando o horário estabelecido, mediante a retribuição mensal ilíquida de € 1.050,00; que em finais de Outubro lhe comunicaram que a loja iria fechar em 31 desse mês; que por carta datada de 12 de Novembro de 2009, recebida no seguinte dia 16, a R. despediu o A. com efeitos imediatos alegando para tanto que o tinha contratado como trabalhador independente, pondo assim e dessa forma termo ao contrato de trabalho entre ambos existente. Alega, ainda, que não lhe pagaram os seus créditos, devendo-lhe a R.: a) do despedimento, as retribuições vencidas desde 30 dias antes da entrada da acção até ao trânsito da sentença a proferir e a indemnização de despedimento, por que opta, no mínimo de 3.150,00€; b) de subsídio de natal, de 2008, 283,33€, de 2009, 743,75€, líquidos; c) de férias de 2008, 309,09€, de férias vencidas em 2009, 618,18 € e de férias proporcionais a 2009, 811,36€, líquidos; d) da retribuição do mês de Outubro de 2009, 850€ e de 16 dias de trabalho do mês de Novembro de 2009, 453,33€, líquidos; e) de despesas não reembolsadas, 805,07€, num total de 8.024,11€.
Na contestação apresentada a fls. 48 e ss., a R. invocou, em suma: que contratou o Autor como trabalhador independente para vender os produtos na Ré na zona do Porto, sempre que para tal tivesse disponibilidade; que o Autor desenvolveu essas tarefas com total independência relativamente à Ré quer na programação, organização, direcção da actividade e zonas geográficas; que o Autor não tinha de cumprir horários; que não deu autorização para os gastos por ele alegados e que rescindiu o contrato de prestação de serviço em vigor com o Autor. Conclui pedindo a sua absolvição do pedido Foi proferido despacho saneador e dispensadas a realização de audiência preliminar, bem como a fixação da matéria de facto assente e controvertida (fls. 37). O valor da acção foi aí fixado em € 8.024,11.
Uma vez realizado o julgamento, foi decidida a fls. 109 e ss. a matéria de facto em litígio, a qual não foi objecto de reclamação.
Após, a Mma. Juiz a quo proferiu sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. do pedido.
1.2.
O A., inconformado interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões: «1ª A matéria de facto foi fixada de forma imprecisa e pouco rigorosa : Deram-se como provados factos que contendem directamente com o thema decidendum, sob o nº 1 e o nº 3, na parte em que referem (nº 1) «sempre que para tal tivesse disponibilidade» e (nº 3) «horário por si definido em conformidade com a sua disponibilidade» e sob o nº 4, na parte em que refere «com autonomia» e «sem interferência e sem fiscalização desta», devendo nesta parte ser dados como não escritos (artº 646º, nº 4, do CPC);.
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Deveria ter sido dado como provado o horário do estabelecimento em que o A. prestava serviço, junto como doc. 1 da petição inicial (artºs 369º, 370º e 371º do CC) e aceite expressamente pela R. no artº 20º da contestação : Facto a aditar à matéria de facto : O horário do estabelecimento da R. referido no ponto 1 da matéria de facto foi por ela estabelecido (e aprovado pela entidade competente) das 10 às 19h30, com intervalo das 13 às 14h30, de 3ª a sábado; 3ª Finalmente, deveria ter-se dado como provado (e não o foi) que o horário de trabalho do A. era o do estabelecimento da R., referido na conclusão anterior (das 10 às 19h30, com intervalo das 13 às 14h30, de 3ª a sábado : doc. 1 da p.i.), com base no depoimento da testemunha D..., inquirida no dia do julgamento (26.3.2012) e com o depoimento registado no CD; 4ª O quadro é este: O A. foi contratado pela R. para vender os artigos da R. no seu estabelecimento, com uma remuneração fixa, sendo a única pessoa que aí fazia o serviço necessário às vendas, abrindo e fechando o estabelecimento com as chaves que possuía, competindo-lhe atender os clientes e decorar a montra, o que fez de Setembro de 2008 a fins de Outubro de 2009, com 6 dias de férias pelo meio; 5ª São factos essenciais o A. ser o único responsável pela loja, com local fixo de trabalho, remuneração fixa e obrigações funcionais estipuladas pela R., num estabelecimento retalhista de rua de venda de roupa, com horário de abertura ao público, por tempo indeterminado e de forma estável; 6ª A R. é de Lisboa, a loja situa-se no Porto, o A. era o único a prestar serviço na loja; 7ª O facto de ter maior liberdade, por estar longe da gerência da R. e por a R. lhe dar flexibilidade (se se entendesse que não tinha horário) e de ser estudante, não funciona contra o trabalhador, nem deveria funcionar : Faz parte do estatuto do trabalhador estudante (artº 80º, nº 1, do CT2003); 8ª O A. estava inserido na organização da R., de que fazia parte integrante : Não era um vendedor profissional liberal, sem posto ou local de trabalho fixo – como defendeu a R. (7º/8º), o que não é compaginável com uma remuneração mensal fixa, como a que tinha, a título exclusivo (a R. não provou o que alegou, que tinha outras actividades e proventos – 14º); 9ª Ou seja: O A. cumpria as suas obrigações de ser o responsável pela loja e a R. pagava-lhe uma remuneração mensal fixa : Esta situação configura um quadro de um contrato de trabalho.» Termina pedindo a procedência da acção.
1.3.
A R. não apresentou contra-alegações.
1.4.
O recurso foi admitido com efeito devolutivo (vide fls. 136).
1.5.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de a matéria de facto ser expurgada dos conceitos conclusivos que contém e o julgamento anulado com vista à ampliação da matéria de facto.
1.6.
Notificadas as partes deste Parecer, nenhuma delas se pronunciou.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
* *2. Objecto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões e conhecimento oficioso, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal prendem-se com a análise: 1.ª – da impugnação da matéria de facto; 2.ª – de saber se entre as partes se estabeleceu um vínculo contratual de natureza laboral.
* *3. Fundamentação de facto*3.1. A decisão da 1.ª instância 3.1.1.
A sentença recorrida enunciou a “factualidade” provada que resultou da discussão da causa nos seguintes termos: «[...] 1—O Autor foi contratado em 01/09/2008 pela Ré, através do sócio-gerente E…, para vender os artigos desta no estabelecimento que a R. possuía na …, …, Loja …., Porto, sempre que para tal tivesse disponibilidade, mediante o pagamento mensal da quantia de € 850 correspondente a € 1.050,00 ilíquidos, contra a entrega de um recibo verde; 2—Esta quantia foi paga através de transferência bancária de uma conta titulada pelo sócio gerente da Ré uma vez que o A. não entregou os documentos solicitados—recibos verdes; 3—Competia-lhe abrir e fechar o estabelecimento com as chaves que possuía, no horário por si definido em conformidade com a sua disponibilidade, atender os clientes nesse estabelecimento e decorar a montra; 4—O Autor era a única pessoa que executava, com autonomia, as referidas tarefas necessárias à venda de artigos da Ré nesse estabelecimento, sem interferência e sem fiscalização desta; 5—Quando foi contratado, o Autor frequentava o último ano da licenciatura de design de moda e vestuário e ajudou a montar essa loja; 6—Em fins de Outubro de 2009, F…, secretária do gerente E…, deslocou-se ao Porto e informou o A. de que a loja ia fechar em 31 desse mês; 7—O Autor remeteu à Ré a carta junta a fls. 11/12 cujo teor se dá por reproduzido, a qual mereceu a resposta junta a fls. 13 cujo teor se dá por reproduzido; 8—A Ré não pagou ao A. subsídio de natal de 2008 e de 2009 nem a retribuição do mês de Outubro; 9—O Autor gozou 6 dias úteis de férias, de 26 de Agosto a 2 de Setembro de 2009; 10—A dita loja foi encerrada uma vez que, em 13 meses, o Autor apenas efectuou cerca de três vendas, não sendo estes resultados das vendas suficientes para a manter.
[...]».
3.1.2.
E enunciou os seguintes factos que julgou não provados: «[...] --O Autor foi contratado pela Ré no âmbito da sua organização e sob a sua autoridade; --Frequenta actualmente por ter perdido o ano em virtude do emprego o último ano da referida licenciatura; --A sua formação artística e académica era do maior interesse para a Ré pois que desenhava os modelos e adaptava os modelos que a Ré usava para venda do vestuário da loja; --O A. pretendia potenciar os seus conhecimentos na área de design de moda e vestuário para, a curto prazo, lançar-se no mercado como empresário do ramo; --O Autor programava, organizava e dirigia a actividade e zonas geográficas; --Foi sempre o A. quem definiu os locais, os meios e as regras técnicas; --Competia-lhe pagar a renda, energia eléctrica, água e saneamento; --Observava o horário estabelecido pela Ré das 10 às 19.30 horas, com intervalo...
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