Acórdão nº 1826/09.5TBAMT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelTELES DE MENEZES
Data da Resolução10 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação n.º 1826/09.5TBAMT-A.P1 – 3.ª Teles de Menezes e Melo – n.º 1367 Mário Fernandes Leonel Serôdio Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B… e mulher C… instauraram a presente providência cautelar comum contra D… e E…, pedindo que se determine a impossibilidade de os requeridos darem de arrendamento o rés-do-chão e o 1.º andar do prédio urbano sito na Rua …, freguesia …, descrito sob o n.º 1132 até ao trânsito em julgado da acção principal e a retirada de todas as placas e demais publicitações que coloquem o rés-do-chão e 1.º andar no mercado de arrendamento.

Alegaram que são arrendatários do imóvel e foram desalojados para a realização de obras urgentes, mas os requeridos, comproprietários do mesmo, não mais permitiram o seu regresso ao locado.

Os requeridos deduziram oposição, alegando que todo o edifício ruiu por facto que não lhes é imputável, pelo que o contrato de locação caducou.

Os requerentes responderam à excepção.

Realizou-se o julgamento e veio a ser proferida decisão que julgou manifestamente improcedente o pedido, dele absolvendo os requeridos.

II.

Recorreram os requerentes, concluindo: 1. Os Recorrentes não podem aceitar a douta decisão posta em crise, assente no pressuposto de que o imóvel dos autos tenha súbita e fortuitamente ruído, por acção alheia aos Requeridos, caducando o contrato de arrendamento por perda da coisa arrendada.

  1. Antes de mais, parece haver uma gritante contradição entre os factos dados como provados nos pontos 22 a 24 da douta decisão em apreço: não se percebe como pode o Tribunal a quo aceitar que existisse no local um improvável cabo a suportar as escadas do imóvel e que – a ser tal verdade – os trabalhadores tenham usado de toda a prudência na sua actuação, sendo a decisão de o cortar a sua primeira resolução.

  2. Para além de contrário a quaisquer regras de experiência comum, é manifestamente ilógico porque tal constatação sempre implicaria cuidados redobrados ao invés da urgência em começar precisamente por cortá-lo, e também porque dificilmente se concebe que a remoção da fonte de sustentação de umas escadas em madeira no interior do imóvel pudesse ter a virtualidade de causar o desaparecimento instantâneo de todo o edifício.

  3. E a verdade é que nenhum elemento de prova sustenta as premissas inerentes a tal entendimento: a) O depoimento da testemunha F…, registado no ficheiro áudio digital “20120914104609_117874_64132”, minutos 10:00 a 15:00; b) O depoimento da testemunha G…, registado no ficheiro áudio digital “20120914111632_117874_64132”, minutos 06:25 a 08:05; c) O depoimento da testemunha H…, registado no ficheiro áudio digital “20120914112701_117874_64132”, minutos 26:20 a 35:39; d) O depoimento da testemunha I…, registado no ficheiro áudio digital “20120914120323_117874_64132”, minutos 26:20 a 35:39, Todos eles em sentido contrário ao decidido.

  4. O certo é que o prédio tem pelo menos 75 anos de existência e é residência dos Recorrentes há mais de 50 anos, nunca antes tendo sido objecto de obras por parte dos Recorridos, como era sua obrigação na qualidade de senhorios.

  5. Em consonância, não pode aceitar-se que a coisa locada se tenha perdido, com a consequente caducidade do contrato de arrendamento que ligava Requerentes e Requeridos.

  6. Com efeito, nunca ocorreu o desaparecimento do imóvel nem tampouco se lhe seguiu a construção de um outro, com existência jurídica autónoma.

  7. Ora, do ponto de vista registral e matricial, o imóvel tem a mesma existência, independentemente dos trabalhos que os Requeridos/Recorridos nele optaram por efectuar, como se infere da conservação da sua originária inscrição sob o art.º 106 e descrição com o n.º 01132/980916.

  8. Em segundo lugar, o próprio Alvará de Licenciamento n.º ../06 emitido pelos competentes serviços da CM de … prescreve a intervenção levada a cabo como meras “obras de remodelação”, definidas no Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (DL n.º 555/99, de 16-12) como tendo por objecto o mesmo edifício, ao invés das “Obras de Construção” que pressupõem a criação de novas edificações, o que não se verifica.

  9. Por último, e do ponto de vista material, a verdade é que o imóvel manteve-se o mesmo, conservando inalterada grande parte das suas estruturas – do que se destaca a própria fachada, para lá da cércea e do número de pisos –, sendo assim falso que todo o edifício em causa nos autos tenha ruído e que já não exista em termos em que seja inviável para o fim a que se destinava – reitera-se aqui o já vertido e apreciado no ponto 1. supra.

  10. Em face do que se deixou demonstrado, ocorreu, isso sim, uma simples intervenção de remodelação, sem significado jurídico novo (ou de novidade), sendo que o imóvel, enquanto objecto do contrato, não deixou de existir nem impossibilitou supervenientemente o arrendamento – neste sentido, aliás, vejam-se os Acs. STJ de 7-7-199 (Revista 533/99) e 18-9-2003 (Revista 2238/03) disponíveis em www.stj.pt.

  11. Na verdade, nem o imóvel ruiu fortuitamente nem nunca se viu reduzido a meros escombros, veja-se, a título de exemplo, a preservação estratégica de toda a fachada.

  12. Por tudo quanto se deixou alegado nos pontos 1. e 2., ponderada correctamente a prova testemunhal produzida e feita a sua devida conjugação com os elementos documentais nos autos – máxime o Alvará de Obras e o Auto de Vistoria (respectivamente docs. 3 e 8 da Certidão que compõe o Doc. 5 junto à PI do processo principal a que o presente corre por apenso), impõe-se a alteração dos seguintes factos dados como provados na douta decisão sob recurso: -os n.ºs 21 a 23, 25, 26, 28, 29 e 31 que acolheram indevidamente a tese da ruína súbita do imóvel por facto alheio aos Requeridos/Recorridos; -os n.ºs 4 a 6, 24, 27, 30, 32 a 37, no sentido do total desaparecimento do locado.

  13. Com efeito, dos mesmos deve constar a redacção que retro se verteu em alegações e aqui se dá por reproduzida, com eliminação total dos pontos 21, 25, 26, 28 a 30, e 32 a 37: 15. Por outro lado, demonstrada a deliberada reabilitação do locado por acção dos senhorios Recorridos em lugar da sua ruína fortuita e redução a meros escombros, impõe-se a desconsideração da perda da coisa locada.

  14. Com efeito, o locado existe e serve os mesmos fins habitacionais que aproveitavam aos Recorrentes; por outras palavras, o objecto contratual não desapareceu nem o arrendamento se mostra supervenientemente impossível – pressupostos que a doutrina e a jurisprudência há muito fazem decorrer do art.º 1051.º, n.º 1, e) do Código Civil para verificação da caducidade do contrato de arrendamento (cfr. Ac. STJ de 5-1-1998, disponível em www.stj.pt); 17. Assim sendo, deve ter-se por subsistente, válido e juridicamente vinculante o laço contratual arrendatício que Requeridos e Recorrentes, importando por isso acautelar o direito destes na pendência da acção principal.

  15. Com efeito, é evidente que não objectar a possibilidade de os Recorridos darem de arrendamento tal imóvel a terceiros antes de ser proferida decisão de mérito na acção causará nos Recorrentes lesão grave e dificilmente reparável no seu direito.

  16. Aliás, tal significaria o esvaziamento do alcance e do efeito útil visado pelos aqui Recorrentes com a apresentação da acção já no ano de 2009, em especial o pedido de restituição da posse do arrendado, sua casa de morada de família há mais de 50 anos! 20. Impõe-se, por isso, a procedência da presente Apelação, sob pena de os Recorridos conseguirem materializar o efeito prático de despejo dos Recorrentes que sempre almejaram e puseram em marcha em 2007, a pretexto da realização de obras de 3 dias.

  17. A douta decisão recorrida violou o disposto nos art.ºs 1051.º, n.º 1, e), 1074.º, 1037.º, n.º 2, e 1277.º do CC, e 381.º, n.ºs 1 e 2, 387.º, n.º 1 e 390.º do CPC.

    Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que altere a matéria de facto dada como provada e determine o deferimento das providências cautelares requeridas com o que farão V.Ex.ªs a espera e costumada JUSTIÇA! Não foi oferecida resposta.

    III.

    Questões: - erro na decisão da matéria de facto; - não ocorrência da perda da coisa locada e consequente caducidade do contrato de arrendamento; - manutenção do vínculo contratual de arrendamento entre requerentes e requeridos.

    IV.

    Factos considerados provados na decisão: 1.º Nos autos principais de acção declarativa a que o presente procedimento cautelar corre por apenso, os ora Requerentes alegaram, em suma e com interesse para o presente, os seguintes factos: a) Serem desde 1956 arrendatários do prédio urbano propriedade dos então RR melhor identificado no art.º 1.º da PI, a saber: prédio urbano sito na Rua …, s/n, na freguesia …, em Amarante, composto por rés-do-chão, primeiro andar e segundo andar, inscrito na matriz sob o art.º 106 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o n.º 01132; b) Por contrato verbal realizado em Abril de 1956 por J… e mulher K… na qualidade de proprietários -à altura - do referenciado imóvel, deram os mesmos de arrendamento aos aqui Requeridos, que assim o tomaram, o supra identificado prédio; c) Desde aquela data que os Requerentes na indicada qualidade de inquilinos, têm vindo a ocupar o imóvel em causa, nomeadamente o rés-do-chão e o primeiro andar; d) Em virtude daquele contrato, obrigaram-se os senhorios a proporcionar aos Requerentes o gozo temporário do referido prédio, mediante retribuição mensal que era paga na residência dos senhorios.

    e) a desocupação do referido prédio na sequência de procedimento cautelar intentado pelo 1.º Requerido em 2007 para alegada realização de obras urgentes; f) a caducidade do mesmo procedimento por facto imputável ao então Requerente e a ordem judicial do seu levantamento; g) o não realojamento dos aqui Requerentes pelos Requeridos, entretanto albergados por favor e em condições precárias em casa de familiares; h) que desde então permanecem os Requerentes impedidos de...

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