Acórdão nº 4520/09.3TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 28 de Janeiro de 2013
Magistrado Responsável | LUÍS LAMEIRAS |
Data da Resolução | 28 de Janeiro de 2013 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Recurso de Apelação Processo nº 4520/09.3TBVNG.P1---. Apelante - B…, residente na Rua …, bloco ., entrada …, casa .., no Porto;---. Apelado - C…, advogado, com escritório na … nº …, .º sala ., em Vila Nova de Gaia.
--- SUMÁRIO: I – Na relação do advogado com o seu cliente, a responsabilidade civil do primeiro pode fundar-se na existência do contrato de mandato judicial firmado entre ambos; hipótese em que hão-de ser os actos praticados no processo, se desajustados, a sustentar a obrigação de indemnizar; II – A par dessa pode, ainda, gerar-se outro tipo de responsabilidade, a partir do aconselhamento ou orientação que o advogado dê ao seu cliente; e que encontra enquadramento jurídico no artigo 485º, nº 2, do Código Civil; III – Neste último caso, ao cliente, como lesado por certa orientação dada pelo seu advogado, compete com consistência suficiente provar os factos capazes de evidenciar o contexto que compelia à orientação dada e, bem assim, a desvirtude da mesma; desaproveitando-lhe a dúvida se essa prova, minimamente convincente, não for feita.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. A instância da acção.
1.1.
B… propôs acção declarativa, em forma sumária, contra C…, advogado, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe o montante total de 11.327,61 € e juros de mora.
Alegou, em síntese, que foi empregado de empresa de segurança, desde Mai 1997, e que no dia 9 Jan 2003, durante o tempo de trabalho, foi mantido por responsáveis da empresa numa situação geradora de justa causa para poder rescindir com ela o respectivo contrato. Três ou quatro dias após procurou o réu na qualidade de advogado para o constituir mandatário e patrocinar judicialmente contra a empresa; relatou-lhe o ocorrido e comunicou-lhe a intenção de fazer cessar de imediato a referida relação laboral, bem como querer exercer os seus direitos. O réu informou-o assistir-lhe direito de proceder à comunicação para pôr termo ao contrato e aconselhou-o a seguir com queixa-crime, concordando em patrociná-lo quanto ao pretendido e ainda quanto aos créditos salariais em dívida à data; dizendo-lhe que iria fazer operar o direito à rescisão mas apenas em momento que considerasse mais oportuno, e que seria finda a baixa médica em que o autor entrara, por estar em tempo; comprometendo-se a elaborar a carta a comunicar a justa causa. Solicitou-lhe que subscrevesse procuração forense, o que o autor fez, sem data. E foi insistindo com o réu para ser rescindido o contrato o mais rápido; o que fez em reuniões no escritório e em contactos telefónicos; dizendo ele saber o que fazia e que devia o autor aguardar que o chamasse para assinar a carta a enviar à empresa. Orientações em que o autor confiou, criando expectativas de cessação do contrato e de ser indemnizado pela rescisão com justa causa. Entretanto, viu o autor agravado o seu estado clínico. E apenas no dia 23 Fev 2005, o réu redigiu uma carta que o autor, por instruções daquele, assinou e remeteu à entidade patronal a comunicar-lhe a resolução do contrato pelos factos ocorridos a 9 Jan 2003. Em 11 de Jan 2006 deu entrada acção judicial (proc.º nº 89/06.9TTPRT); que veio a considerar, com trânsito, que o prazo de rescisão era o de 15 dias, a partir de 9 Jan 2003, não tendo o autor direito à indemnização de antiguidade, apesar de ilícita e culposa a actuação da empresa; informação que o réu deu ao autor em Jul 2008. Ora, o autor só perdeu esta acção, e viu preteridos os seus créditos, em montante igual a 9.827,61 €, porque o réu ignorou a vontade e preocupação do autor, preterindo o prazo de 15 dias estabelecido na lei para comunicar a rescisão do contrato de trabalho com justa causa; o momento em que por obediência ao réu foi elaborada e enviada a respectiva declaração foi extemporâneo. A conduta culposa do réu gera a obrigação de indemnizar naquele montante, a que teria direito não fosse a caducidade do momento no envio da comunicação. Ademais, o conhecimento dos motivos que levaram à improcedência da lide afectaram-no, situação que se agudizou por o réu lhe não reconhecer razão; o que gerou danos morais, que devem ser compensados com o valor de 1.500,00 €.
1.2.
O réu contestou a acção e deduziu pedido reconvencional.
Disse que aconselhou o autor por causa dos factos de 9 Jan 2003 na queixa-crime apresentada, que veio a ser arquivada; que o autor entrara em baixa médica a 14 Jan 2003 (situação mantida até 1 Mar 2005); que, por querer ressarcir-se de trabalho suplementar que prestara, pediu a interposição da acção respectiva, que veio a ser interposta em 10 Fev 2003 (proc.º nº 468/03.3TTPRT); que, por causa dos problemas de saúde, também encaminhou o autor, ainda em 10 Fev 2003, para um processo de acidente de trabalho (proc.º nº 161/03.7TUPRT). E que, se a questão lhe tivesse sido posta, também trataria de imediato da rescisão do contrato. Acontece que só em Abr 2004 o autor terá equacionado a rescisão, quando lhe enviou documentos, por si elaborados, a evocá-la; e dando ordens para que fosse instaurado o respectivo processo. Para o efeito, requereu o autor, por modo próprio, à segurança social o apoio judiciário em 14 Jan 2005; e a acção interposta em 11 Jan 2006. Ademais, o autor na petição limita-se a importar os valores reclamados nesta acção, de foro laboral; não sustentando minimamente o direito indemnizatório; e tornando neste particular inepta a petição. A acção é, de todo o modo, improcedente.
Acresce que o autor, no prazo de 15 dias, a contar de 9 Jan 2003, concedido para comunicar a rescisão, nunca solicitou ou mandatou o réu da incumbência de tratar desse assunto; não é fiel à verdade dos factos; propõe a acção sem qualquer fundamento; de modo desprestigiante; gerou ao réu incómodos e despesas; mágoa e revolta. Deve, em suma, ser-lhe arbitrada indemnização nunca inferior a 2.500,00 €, para o compensar de danos morais.
O réu suscitou também a intervenção provocada da D…, Ltd; alegando ser membro inscrito da ordem dos advogados a qual subscreveu com a chamada seguro de responsabilidade civil para cobertura de erro ou omissão no exercício da advocacia.
E pediu, por fim, a condenação do autor como litigante de má-fé.
1.3.
O autor respondeu à contestação. Ao procurar o réu, quis resolver o contrato laboral dados os factos ocorridos em 9 Jan 2003; deu conta ao réu de não querer manter a relação laboral após o sucedido; e nem é razoavelmente concebível que lhe não haja manifestado a pretensão da rescisão. Já o réu sempre contrariou a vontade do autor neste ponto, traçando desde início a estratégia a empreender, e sempre aconselhando o autor a reservar o exercício do seu direito à resolução para momento mais oportuno, que considerava ser o subsequente à cessação da baixa médica. O autor confiou e criou expectativas de vir a pôr termo ao contrato e de, por isso, ser indemnizado. O réu, ao fazer precludir o direito do autor, é que acarretou prejuízos a este. A reconvenção é, portanto, improcedente.
1.4.
A instância declaratória, entretanto, desenvolveu-se.
1.4.1.
Foi proferido um despacho a admitir “a intervenção a título acessório, da D…, Ltd … – artigo 330º nº 1 e 332º nº 1 ambos do Código de Processo Civil”; e a mandar citá-la.[1] 1.4.2.
A chamada contestou. Invocou que o réu não comunicou em prazo razoável os factos geradores da responsabilidade, como estava obrigado pelo contrato de seguro; circunstância excludente da respectiva cobertura. Por outro lado que os factos da petição não preenchem a existência de dano, já que a acção intempestivamente interposta pelo réu não foi avaliado no seu mérito; donde, não poder o autor receber agora o valor que não sabe se naquela iria alguma vez auferir. Além de que, nem parece ser caso de o réu ter procedido desadequadamente. Em suma, deve, por via exceptiva, ser absolvida “a ora interveniente acessória do pedido” ou então julgar-se a acção improcedente e absolverem-se o réu “e a interveniente” do pedido.
1.4.3.
O réu apresentou, ainda, outro articulado. Disse que não podia ter comunicado à seguradora algo que ignorava, antes de ter sido citado para a acção; e que só aí soube da pretensão e dos fundamentos invocados pelo autor; além disso, a exclusão que a interveniente invoca não lhe é oponível. Em suma, a excepção que ela argui deve ser rejeitada.
1.4.4.
A marcha do processo foi conhecendo mais vicissitudes.
Foi proferido um pré-saneador a convidar o autor a suprir “insuficiências de alegação” e a mandar o réu indicar “o valor que dá à reconvenção”.[2] O autor apresentou articulado complementar.[3] O réu, após vicissitudes, acabou por apresentar nova contestação.[4] O autor reproduziu a precedente resposta à contestação.[5] Foi proferido um despacho a agendar uma “tentativa de conciliação”.[6] E teve lugar a diligência.
Foi proferido despacho, nos termos do qual, além do mais (v fls. 190): «… dada a simplicidade da matéria de facto controvertida, abstenho-me … de proceder ao saneamento e condensação do processo.
…» 1.5.
Foi prosseguindo a instância, com os demais tramites.
E, por fim, foi proferida a sentença final; a qual terminou a julgar: «… improcedentes, por não provadas, quer a acção, quer a reconvenção deduzidas, assim se impondo a absolvição quer do réu, quer do autor dos pedidos no âmbito das mesmas celebrados.
» 2. A instância da apelação.
2.1.
O autor inconformou-se e interpôs recurso de apelação.
Elaborou alegação; e findou a configurar estas conclusões: A) NÃO FOI EFECTUADA A ANÁLISE E A CONJUGAÇÃO CRÍTICAS DA PROVA (DOCUMENTAL E TESTEMUNHAL) como é exigível, pois, atento o disposto no artigo 653º nº 2 do CPC, o tribunal deve decidir quais os factos que julga provados e não provados, fundamentando essa decisão, dever previsto no artigo 158º do CPC e constitucionalmente consagrado no artigo 205º nº 1 da CRP.
Sem prejuízo de o tribunal apreciar livremente as provas, conforme o preceituado no artigo 655º nº 1 e 2 do CPC, essa liberdade está vinculada à objectividade dos meios probatórios, com referência às regras do...
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