Acórdão nº 373/10.7TABGC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelMARIA DOLORES SILVA E SOUSA
Data da Resolução16 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. n.º 373/10.7TABGC.P1 Bragança Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.

  1. secção I-Relatório.

No Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular nº 373/10.7TABGC do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança foram submetidos a julgamento os arguidos: B…, casado, agricultor, filho de C… e D…, nascido a 21 de Janeiro de 1953, na freguesia …, concelho de Bragança, residente na Rua …, …, em Bragança; E…, casada, doméstica, filha de F… e G…, nascida a 24 de Maio de 1953, na freguesia …, concelho de Bragança, residente na Rua …, …, em Bragança.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença condenatória em 06 de Junho de 2012, depositada no mesmo dia, com o seguinte dispositivo: “A - Nestes termos, julgo a acusação pública totalmente procedente, por provada, em consequência do que decido:

  1. Condenar o arguido B… como autor material da prática, com dolo directo e na forma consumada, de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) euros, o que perfaz o montante de 700,00 € (setecentos euros); b) Condenar a arguida E… como autora material da prática, com dolo directo e na forma consumada, de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 7,00 (sete) euros, o que perfaz o montante de 700,00 € (setecentos euros); c) Condenar os arguidos no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, nos termos do disposto no artigo 513º do Código de Processo Penal, e no artigo 8º, n.º 5 do Regulamento das Custas Judiciais; d) Após trânsito, declarar cessadas as medidas de coacção impostas aos arguidos (artigo 214º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal).

    *B - Julgo parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante H…, em consequência do que decido:

  2. Condenar os demandados B… e E… no pagamento de € 400,00 (quatrocentos euros) à demandante, a título de compensação pelos danos morais sofridos, quantia acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a notificação do pedido de indemnização até integral e efectivo pagamento, absolvendo-a do restante pedido formulado.

    Sem custas, na parte civil, atento o montante do pedido de indemnização civil formulado.”*Inconformados, os arguidos interpuseram recurso, apresentando a motivação de fls. 188 a 192, que rematam com 18 conclusões (sem suporte informático e sem possibilidade de proceder a scanarização devido à cor da letra usada pelo recorrente, azul “desmaiado”) que se resumem ao seguinte: - Do teor da notificação da providência cautelar não consta que o incumprimento da mesma fosse cominada com o crime de desobediência, pelo que foi deduzida acusação pública sem causa aparente; - A sentença é nula, violando os artigos 379º e 410º, do Código de Processo Penal, face à evidente contradição entre os factos não provados e a condenação dos arguidos; - A matéria de facto, dada como provada, não foi correctamente valorada, atento o artigo 127º do CPP.

    Terminam pedindo: “Nestes termos, com o suprimento de vossas excelências, sendo dado provimento a este recurso, A). Será julgada procedente a questão prévia, por isso, será dada sem efeito a sentença do tribunal a quo.

    Se for outro o entendimento do tribunal ad quem, B) Será declarada nula, considerada de nenhum efeito, a sentença recorrida, com as consequências legais.

    Como última solução, in casu sub iudicie, outrossim C) sendo dado provimento ao presente recurso, será revogada a douta sentença de 1ª instância, pois, em douto acórdão de 2ª instância, que decida absolver os arguidos da condenação penal e da indemnização.

    Por ser de inteira Justiça!”*O Mº Pº junto do Tribunal a quo respondeu, conforme fls. 195 a 216, rematando com as seguintes conclusões: “1) São assim elementos típicos objectivos deste crime (1) a emissão de uma ordem ou mandado; (2) a sua legalidade substancial e formal; (3) a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; (4) a regularidade da sua transmissão ao destinatário e (5) a violação daquela ordem ou mandado.

    2) O crime de desobediência serve de norma auxiliar a alguns preceitos de direito penal extravagante que incriminam um determinado comportamento desobediente, sem contudo fixarem uma moldura penal própria.

    3) Este é um crime doloso que se preenche sempre que alguém incumpre, consciente e voluntariamente, uma ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, isto é, quando o agente actue com conhecimento e vontade de realização de todos os elementos objectivos contidos no tipo legal.

    4) No crime de desobediência qualificada o interesse protegido com a incriminação é o interesse público do Estado em que as autoridades e os seus agentes sejam obedecidos nos seus mandados legítimos, configurando-se o bem jurídico protegido como a autonomia intencional do Estado.

    5) O texto do artigo 391º, do Código de Processo Civil, o qual, sob epígrafe de “Garantia Penal da Providência”, estabelece que “Incorre na pena do crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva”.

    6) Assim, havendo uma norma que comina o incumprimento da decisão com crime de desobediência (artigo 391º, do Código de Processo Civil), estando os arguidos devidamente notificados do teor de tal decisão, estão preenchidos todos os requisitos essenciais do crime de desobediência.

    7) Os vícios do art. 410º nº 2 do CPP, têm forçosamente de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão, "designadamente, a declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento.

    8) Tais vícios não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em julgamento e a convicção que o tribunal firmou sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova inserto no art. 127º do CPP.

    9) Não obstante a alegação do vício de ‘insuficiência para a decisão da matéria de facto provada', resulta das motivações de recurso que o que o recorrente pretende é, efetivamente, impugnar a matéria de facto que o tribunal recorrido considerou provada, ou seja, pretende invocar erros de julgamento e não vícios da decisão.

    10) No caso concreto não há qualquer nulidade de que enferme a douta sentença, nem, sequer há margem para atacar a apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo.

    11) O princípio da livre apreciação da prova não se traduz numa apreciação da prova arbitrária, subjectiva e imotivável, e por isso se impõe ao tribunal que fundamente a sua decisão quanto à matéria de facto, “procedendo ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal).

    12) A lei exige que, perante a prova produzida em audiência de julgamento, o arguido destaque e especifique “as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, pois o que está em causa não é já o julgamento dos factos, mas a exactidão do juízo (feito pelo tribunal recorrido) sobre a matéria de facto.

    13) Não resulta também da fundamentação da matéria de facto qualquer dúvida relativamente à efectiva verificação dos factos dados como provados.

    14) A convicção teve por base, usando as palavras do mesmo, “… o Tribunal apreciou de forma livre, crítica e conjugada a prova testemunha produzida em sede de audiência, bem como a prova documental constante dos autos, de harmonia com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º, do Código de Processo Penal, o qual impõe uma apreciação de acordo com critérios lógicos e objectivos que determinem uma convicção racional, objectivável e motivável”.

    15) Não foi o mero depoimento dos arguidos, mas sim a conjugação de todos os depoimentos, do confronto entre todos os elementos, entre todas as versões apresentadas, sempre pautada esta livre convicção com as regras da experiência comum.

    16) A Mm.ª Juiz, e muito bem, analisou toda a prova produzida, analisou todos os depoimentos produzidos em sede de audiência de julgamento e valorizou-os atendendo à razoabilidade dos acontecimentos.

    17) Há todo um encandear de pensamento, de análise dos vários depoimentos e mesmo o tribunal enquadra-os atendendo aos graus de parentesco das várias testemunhas e da situação desavinda entre as duas famílias, não olvidando tais factos.

    18) Existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si, ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta conclusão contrária à que chegou o Tribunal.

    19) Como bem resulta do teor da douta sentença, os próprios arguidos reconheceram os factos que foram dados como provados, pelo que, outra não podia ser a decisão do Tribunal, senão a de os dar como provados.

    Termos em que deve negar-se provimento ao recurso interposto pelos recorrentes B… e E…, confirmando-se a sentença recorrida, e assim se fazendo como é de JUSTIÇA.

    *O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 217.

    Nesta Relação, a Excelentíssima PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente voltou a pugnar pela absolvição dos recorrentes.

    Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    *II- Fundamentação.

    Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o...

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