Acórdão nº 1516/08.6PBGMR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelJOAQUIM GOMES
Data da Resolução09 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso n.º 1516/08.6PBGMR.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. No PC n.º 1516/08.6PBGMR do 1.º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, em que são: Recorrente/Arguido: B… Arguido: C… Recorrido: Ministério Público por sentença de 2012/Mai./02, constante a fls. 360-370, cada um dos arguidos foi condenado, para além das custas processuais, pela prática de um crime de ameaças da previsão do artigo 153°, 1, do Código Penal, o arguido C… na pena de de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,5 (seis euros e cinquenta cêntimos), no total de 390 (trezentos e noventa euros) e o arguido B… na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,5 (seis euros e cinquenta cêntimos), no total de € 390 (trezentos e noventa euros).

  1. O arguido B… interpôs recurso por correio electrónico expedido em 2012/Jun./06, a fls. 376-438, pedindo a revogação daquela sentença e concluindo, resumidamente do seguinte modo: 1.º) A sentença recorrida é ilegal, padecendo de insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova, porquanto da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento não resultaram provados os factos de que vinha o arguido acusado e foi condenado (1, 2); 2.º) Existiu uma deficiente avaliação da prova produzida, pelo que não poderia ter sido dado como provados os pontos 3, 4 e 5 do item 2.1 dos factos provados, requerendo-se a reapreciação da prova gravada nos termos do artigo 412.º, n.º 3 do Código de Processo Penal (3, 4); 3.º) Analisando a postura de cada uma das testemunhas da acusação, a sua relação e interesse nos factos ou com as pessoas envolvidas, o teor de cada depoimento apaixonado, interessado, inseguro, não espontâneo, com apego, sem objectividade e motivado por uma espécie de rancor –, designadamente as contradições, incoerências, imprecisões ou hesitações, não podiam o tribunal convencer-se dos factos dados como provado e que levaram à condenação do recorrente por ter ameaçado através de uma chamada telefónica por si efectuada em 13 de Outubro de 2008 (6, 7, 40, 41); 4.º) Existem disparidades entre a queixa crime e os depoimentos prestados no inquérito e no decurso do julgamento, em relação à denunciante D…, a testemunha E…, marido daquela, as testemunhas F…, G…, H…, as quais asseveraram que o telefonema em causa ocorreu em Julho e Agosto de 2008, quando no inquérito tinham dito ter ocorrido em 13 de Outubro de 2008 ou em Setembro de 2008 (8-18, 20-28, 35, 37, 38); 5.º) Foram violados os artigos 127.º, 355.º, 410.º, n.º 2, al. a) e c) do Código de Processo Penal, 32.º da Constituição, 153.º do Código Penal (5, 19, 39); 6.º) O acesso a uma conversa telefónica, através do sistema técnico de audição designado por “alta voz” integra-se no conceito jurídico-penal de intromissão (objectiva) nas telecomunicações (29, 30); 7.º) Atento o disposto no artigo 32.º, n.º 8 da Constituição e o artigo 126.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o depoimento prestado pela testemunha E…, na parte em que terá ouvido do telefonema, é prova nula (31); 8.º) Com a expressão “Vou a sua casa e parto-os todos, não tenho medo da policia nem de ninguém” não são preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal de crime de ameaça, representando um mal iminente e não futuro, não denotando aquela expressão “parto-os todos” a vontade de infligir um mal (32.º, 33.º, 34.º, 36.º) 3. O Ministério Público respondeu em 2012/Ago-/06, a fls. 442-446, sustentando que se negue provimento ao recurso, porquanto e essencialmente: 1.º) O julgador, na decisão, enumerou os factos que considera provados e os não provados, fazendo uma análise crítica das provas documentais e testemunhais produzidas em julgamento e que formaram a sua convicção (1); 2.º) A valoração da prova apresentada foi realizada tendo em conta o Principio da Livre Apreciação da Prova, consagrado no artigo 127.° do Cód. Proc. Pen., e dentro dos limites impostos por este, ou seja, as regras da experiência comum e da lógica (2); 3.º) Os critérios para a apreciação da prova são critérios objectivos, válidos, suficientes e motiváveis, pelo que não podem ser postos em causa, ao abrigo do referido principio da livre apreciação da prova (3); 4.º) Não nos merece censura, por não ter sido violada qualquer disposição legal, a decisão condenatória proferida nos autos (4).

  2. Recebidos os autos a esta Relação, onde foram autuado em 2012/Out./01 e indo com vista ao Ministério Público, pelo mesmo foi emitido parecer em 2012/Out./08 no sentido de ser negado provimento ao recurso.

  3. Cumpriu-se o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, nada obstando ao conhecimento deste recurso.

*O objecto deste recurso passa pela nulidade da sentença, por ter valorado uma prova proibida [a)], seguindo-se o reexame da matéria de facto [b)] e a integração da conduta do arguido recorrente no crime de ameaças [c)].

* * *II. FUNDAMENTAÇÃO 1- A sentença recorrida Na parte que aqui releva, transcrevem-se as seguintes passagens: 2.1. Factos provados: 1- D… trabalhou como coordenadora geriátrica da clínica “I…”, sita em Guimarães e pertencente ao arguido B… e à mãe do arguido C…; 2- No dia 13 de Outubro de 2008, durante a tarde, quando D… circulava em artéria da cidade de V. N. Famalicão, na companhia do marido, E…, recebeu um telefonema do arguido C…, que, em tom sério e ameaçador, lhe disse, de forma repetida, “tudo o que fizer contra a minha mãe, eu esborracho-a toda!” 3- Alguns minutos depois, D… recebeu nova chamada telefónica, desta vez do arguido B…, o qual, em tom sério e ameaçador, lhe disse “vou a sua casa e parto-os todos, não tenho medo da polícia nem de ninguém!”; 4- Com tais advertências, pretendendo significar que atentariam contra a integridade física de D…, os arguidos pretenderam incutir medo e intranquilidade na destinatária, por suspeitarem que a mesma estaria na origem de notícias que tinham sido divulgadas sobre dívidas da “I…”; 5- Agiram de forma livre voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; 6- B… presta actualmente serviço no exército, com a patente de soldado; 7- Aufere € 598/mês; 8- Vive com o pai; 9- Contribui com cerca de € 100/ mês para o sustento familiar; 10- Possui de habilitações literárias o 12.º ano de escolaridade; 11- B… tem a profissão de engenheiro agro-alimentar; 12- Aufere € 600/ mês; 13- É casado e a esposa está desempregada; 14- Vive em casa arrendada, pela qual paga € 300/ mês de renda; 15- Tem 3 filhos, de 19, 5 e 2 anos de idade; 16- Os arguidos não possuem antecedentes criminais.

*Não houve outros factos provados ou não provados com relevância para a decisão da causa, ou que não estejam já prejudicados pelos que foram dados como provados.

*2.2. Motivação A decisão do tribunal assentou na conjugação dos seguintes elementos probatórios: - depoimento da testemunha D…, a qual, de forma objectiva e coerente, relatou o teor dos telefonemas que lhe foram dirigidos pelos arguidos, bem como o local em que se encontrava nessa altura; - o seu depoimento foi rodeado de alguma revolta ainda sentida pelas expressões que lhe foram dirigidas, o que não lhe retirou discernimento para depor com total verosimilhança, antes o reforçou; - quanto ao enquadramento temporal dos factos, dada a discrepância entre a versão das testemunhas inquiridas em audiência (o que se reputa compreensível, atento o lapso temporal já decorrido), atendemos à primeira resposta, espontânea, dada a esse respeito pela ofendida, adiantando que havia apresentado queixa às autoridades no dia seguinte aos factos (constando do auto de fls. 3 que a queixa/denúncia foi apresentada no dia 14 de Outubro de 2008); - tais telefonemas foram confirmados pela testemunha E…, marido da ofendido, que a acompanhava nesse momento e que ainda ouviu parte dos telefonemas, pois, a dada altura, D… colocou o telemóvel em «alta voz», pelo que tal testemunho revelou o necessário conhecimento de causa; - a autoria dos telefonemas também não deixou dúvidas ao tribunal, posto que a voz de ambos os arguidos era conhecida das sobreditas testemunhas, que os conheciam da clínica “I…” (onde a testemunha E… também prestava serviço como motorista), sendo que o arguido C… se identificou mesmo logo que D… atendeu o telemóvel; - o telefonema (e parte do seu teor) efectuado pelo arguido B… foi confirmado pelas testemunhas F…, G… e H…, todas ex-funcionárias da aludida clínica e que se encontravam próximas do arguido quando este falava ao telefone com a ofendida (tendo percebido a quem é que o telefonema se dirigia e de parte do seu teor, porquanto, segundo todas afirmaram, aquele arguido falava bastante alto e mostrava-se muito nervoso e agitado); - os arguidos não contribuíram para a descoberta da verdade material, pois remeteram-se ao silêncio; - quanto às condições sócio-económicas dos arguidos e aos seus antecedentes criminais, atendemos às declarações daqueles e aos CRC’s de fis. 308 e 309, respectivamente”.

*a) Nulidade da sentença A nulidade invocada adviria da utilização de um método proibido de prova, em virtude de se ter revelado uma comunicação telefónica pelo sistema de alta voz, por iniciativa de um dos interlocutores dessa comunicação, que seria a pessoa visada com uma imputada ameaça (126.º, n.º 3 C. P. Penal).

A propósito da divulgação das comunicações telefónicas por iniciativa de um dos titulares dessa comunicação através do sistema técnico de alta voz a partir do respectivo aparelho telefónico, a jurisprudência não tem mostrado um entendimento uniforme. Assim, existem aqueles que se colocam num posicionamento de completa interdição, considerando ilegítimo que sem o conhecimento e o consentimento do emissor de voz, mas apenas com o consentimento do receptor, o terceiro que ouviu essa conversa, possa divulgar o seu conteúdo ainda que esteja em causa a prática de um crime (Ac.TRC de 2008/Out./28, Des...

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