Acórdão nº 694/09.1TBESP.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelMANUEL DOMINGOS FERNANDES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 694/09.1TBESP.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial de Espinho, 2º Juízo Relator: Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Caimoto Jácome 2º Adjunto Des. Macedo Domingues 5ª Secção Sumário: I- O art.12, nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18.7 tem natureza interpretativa, sendo assim aplicável aos acidentes de viação ocorridos antes da sua entrada em vigor.

II- De acordo com o que se dispõe neste preceito, nos acidentes que são provocados pela presença de animais nas auto-estradas concessionadas é de presumir a falta de cumprimento (e também da culpa) das obrigações de segurança das concessionárias.

III- Estas só poderão eximir-se à responsabilidade ilidindo aquela presunção, isto é, demonstrando que a presença do animal na via se verificou por motivos que não lhe são imputáveis, ou seja, fazendo a prova histórica do acontecimento.

IV- As causas do acidente-atravessamente do canídeo devem ser confirmadas no local pela autoridade policial-artigo 12.º nº 2 da citada Lei.

V- Todavia, mesmo não existindo tal verificação isso não pode ser preclusivo de o lesado poder fazer a prova da existência do animal na via, socorrendo-se de outros meios probatórios e, com isso beneficiando, ainda assim, da presunção de incumprimento estabelecida no nº 1 do mencionado artigo 12.º.

**I-RELATÓRIO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: Companhia de Seguros B…, S.A., contribuinte n.º ………, com sede na …, n.º …, ….-… Lisboa, intentou contra C…, S.A., com sede na …–…, ….-… Aveiro a presente acção sumária pedindo que seja a ré condenada a pagar à autora a quantia de 6.178,61€ (seis mil cento e setenta e oito euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar desde a citação até integral pagamento e ainda nas custas e procuradoria condigna, com as necessárias consequências legais.

Alega para tanto e em síntese que, no exercício dessa sua actividade celebrou com D…, a pedido deste, um contrato de seguro, do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ………., com vista a garantir a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do veículo de matrícula ..-BH-.., de que aquele é proprietário, contrato de seguro esse que incluía, entre outras, a cobertura de “choque, colisão e capotamento” No dia 14 de Março de 2006, pelas 12h30m, ao Km 39,750 da auto-estrada …, Concelho de Espinho, ocorreu um acidente de viação no qual foi interveniente o BH, na altura conduzido por E…. No dia e hora supra referidos seguia o BH pela hemi-faixa de rodagem esquerda da faixa de rodagem da …, destinada ao sentido Sul-Norte, visto que a sua condutora, na altura, efectuava uma manobra de ultrapassagem a um veículo que circulava mais à frente, pela hemi-faixa de rodagem direita da mesma via e no mesmo sentido de marcha, mas a uma velocidade inferior. Neste circunstancialismo, quando assim circulava, foi a condutora do BH surpreendida por um animal canídeo, de médio porte, que lhe surgiu, súbita e inesperadamente, a correr na sua frente, da direita para a esquerda, numa altura em que o veículo seguro se encontrava a uma distância de cerca de 4 metros.

Ao avistar o animal a condutora do BH de imediato travou a fundo, contudo, dado o inesperado surgimento daquele na sua frente, a uma tão curta de distância, não lhe foi possível evitar colher violentamente o animal com a frente do BH.

Após o embate com o animal, a condutora do BH perdeu o controlo do veículo, acabando por ir colidir, de forma desgovernada, no separador central que divide as duas faixas de rodagem da …, tendo acabado por imobilizar-se sensivelmente no eixo da faixa de rodagem por onde seguia, de forma perpendicular à via, com a frente a apontar para o separador central.

O referido canídeo entrou na … através de uma falha na rede de vedação da auto-estrada existente próximo do local do sinistro, junto ao km 39,800 daquela via, a qual permitia o atravessamento e acesso à via de animais de médio porte, tal como aquele que deu causa ao acidente.

Mediante o contrato de concessão que celebrou com o Estado, a ré comprometeu-se, para além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas.

Deverá, pois, a ré ser considerada responsável pela ocorrência do acidente dos autos e, em consequência reembolsar a autora da quantia total de 6.178,61€, com que indemnizou ao seu segurado.

*Válida e regularmente citada a Ré “C…, S.A.”, contestou invocando a prescrição do direito da autora e, impugnando os factos alegados por aquela, conclui pedindo a improcedência da acção.

Peticionou ainda o chamamento da Companhia de Seguros F…, S. A., uma vez que, à data dos factos, a aqui contestante tinha transferido a sua responsabilidade civil decorrente de sinistros desta natureza, através de um contrato de seguro do ramo (e denominado) responsabilidade civil/exploração para aquela Companhia de Seguros, intervenção essa que por despacho de 05.03.2010 foi admitida e citada veio aderindo, em suma, à contestação formulada pela Ré “C…, S.A.”.

*Saneada a acção, nos termos que dos autos constam, teve lugar a audiência de discussão e julgamento tendo, a final, sido proferida decisão que condenou a Ré “C1…, S. A.” a pagar à A. a quantia de € 6.127,61 (seis mil cento e vinte sete euros e sessenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a Ré “Companhia de Seguros F…, S. A.” do pedido formulado.

*Não se conformando com o assim decidido veio a Ré interpor o presente recurso, concluindo as suas alegações nos seguintes termos: I.Entende a R., ora apelante, que o Tribunal a quo não analisou correctamente a prova produzida pelas partes, incorrendo em erro de apreciação da prova no que se refere à matéria dos artigos 6º e 7º da douta b. i.; II. Na verdade, resulta de modo bem evidente da transcrição efectuada no corpo destas alegações que as testemunhas condutoras (E.. e G…) ignoram cada uma em que circunstâncias ocorreu o acidente da outra, não sabem se um e outro foram devidos à presença de um animal na via e também desconhecem-a terem sido os acidentes (particularmente o do veículo seguro na A.) provocados por um animal-se o animal interveniente foi o mesmo, o que sucede necessariamente também com o Sr. Agente H… (participante do auto de ocorrência de fls. 19 e 20 dos autos); III. Acresce que há alguns sinais que impedem que a “associação”/presunção entre um e o outro acidente e com o mesmo animal possa ser feita de forma legítima, seja o local da via em que ambas as condutoras visualizaram o animal (uma na esquerda junto ao separador central, outra na direita), seja a distância entre um e o outro locais de acidente (50 metros), seja finalmente a hora a que os acidentes terão ocorrido, o do veículo seguro (de acordo com o artigo 1º da b. i.) às 12h30m e o outro 5 minutos antes (às 12h25m-ide auto de fls. 19 e 20); III. Mais: da prova produzida pela A. – e ainda que se decidisse não dar como não provados estes artigos – jamais se poderia considerar provado que o animal continuou na via (artigo 6º), que o mesmo animal foi colhido pelo AL (idem), que esse mesmo animal ficou ferido e que ainda assim conseguiu fugir do local (artigo 7º) e finalmente que as autoridades encontraram no pára-choques do AL vestígios desse mesmo animal (idem); IV. Assim, e na modesta opinião da apelante, tais artigos deviam ter sido dados como não provados (considerando, como se disse, a manifesta “associação” que ali é feita e que não se provou) ou, no máximo, devia ter sido apenas dado como provado o seguinte: a) que o veículo de matrícula ..-..-AL colheu um animal (artigo 6º); b) que esse animal que colidiu com veículo ..-..-AL conseguiu fugir, não tendo sido encontrado pelas autoridades que ali se deslocaram e que essas autoridades encontraram pêlo de um animal no pára-choques do referido veículo (artigo 7º); Isto posto, V. No que concerne à solução de Direito adoptada (Lei nº 24/2007, de 18 de Julho), temos que falece a razão à douta sentença do Tribunal a quo desde logo porque esta é inaplicável ao sinistro sub judice, sinistro esse que, aliás, ocorreu em data bem anterior ao seu início de vigência (cfr. artigo 12º do Cód. Civil e ac. RP de 29 de Janeiro de 2008, in www.dgsi.pt, procurado pelos descritores “acidente de viação and autoestrada”); VI. De resto, e diversamente do que sustenta a douta decisão, nada naquela Lei nos diz que é interpretativa de uma Lei anterior, devendo designadamente presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e exprimiu o seu pensamento adequadamente (vide Cód. Civil, artigo 9º nº 3); VII. Segue-se que para que uma lei nova possa ser interpretativa é necessário que a solução do direito anterior seja controvertida e que a solução da lei nova se fique dentro dos quadros da controvérsia e de tal modo que a ela se poderia chegar sem ultrapassar os limites impostos à interpretação e aplicação da lei. Será antes inovadora se, em face de textos antigos, nem o julgador, nem o intérprete se podiam sentir autorizados a adoptar a solução que a lei nova consagra (Prof. Baptista Machado, ob. e loc. citados); VIII. Por isso, e com muito mais propriedade, estamos antes diante de uma lei inovadora (e que supre uma lacuna), exclusiva deste tipo de sinistros em AE, que não pode ter aplicação retroactiva (por não respeitar pelo menos um dos dois requisitos indicados pelo Prof. Baptista Machado – ultrapassa claramente os limites impostos à interpretação, integração e aplicação da lei, tanto na letra, como no espírito) e que, também por essa razão, afasta a solução assumida pela douta sentença de aplicar a Lei referida ao sinistro dos autos; IX. Recorde-se que aquela Lei nº 24/2007, de 18 de Julho teve origem no Decreto nº 122/X da Assembleia da República e este por sua vez nos projectos de lei nºs. 145/X do PCP e 164/X do BE, sendo que o elemento histórico a ter em conta na interpretação neste caso (e que se retira, de resto, daqueles projectos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT