Acórdão nº 6058/2008-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelGUILHERME CASTANHEIRA
Data da Resolução10 de Julho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, na 9.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa: RELATÓRIO: Nos presentes autos, de processo comum, com o NUIPC 10080/99. 4TDLSB, da 6ª Vara Criminal de Lisboa, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, perante tribunal colectivo, o arguido (A) - cf. acórdão de 2005.11.18, a fls. 1297 a 1313.

Após acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2008.02.12, a fls. 1328 a 1346 (Processo nº 7943/07, da 5ª Secção), transitado em julgado, ficou o arguido condenado, em cúmulo jurídico, "na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão", pela "prática de um crime de falsificação, p. e p. pelo art. 256°, n.º 1, al. c), do Código Penal, (pena de 1 (um) ano de prisão), e pela prática de dois crimes de burla agravada, ps. e ps. pelos arts. 217° e 218°, n.º 2, al. a), do Código Penal/95, (respectivamente, pena de 3 (três) anos de prisão e pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão).

Negado que foi o "provimento ao recurso", mas na sequência do ali decidido, "nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 371º-A, do CPP", regressaram os autos à 1° instância, tendo-se procedido a reabertura da audiência, e proferido novo acórdão, datado 2008.05.06, que decidiu "não suspender a execução da pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido por acórdão de fls. 1297 a 1313." *** Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, com o pedido (único) de "a pena imposta ao arguido dever ser suspensa na sua execução", formulando as seguintes conclusões: "1. Como a sentença em 1a instância teve lugar anteriormente a 15 de Setembro, será através de uma reabertura da audiência nos termos do art° 371°-A do CPP, que o condenado poderá fazer valer a lei nova, com características mais favoráveis que a lei anterior, já que essa lei anterior nunca permitiria para burlas de valor consideravelmente elevado a desistência de queixa.

2. E é com fundamento no nº 4 do art° 2° do C.P.P., que o novo art° 371°-A do CP.P. prevê a abertura da audiência para aplicação retroactiva da lei penal mais favorável.

3. A lei nova é mais favorável, porque nesta são criadas causas extintivas da punibilidade, existem circunstâncias que influem favoravelmente e alheias à lei anterior, ou seja reparação do dano + desistência da queixa = extinção do procedimento criminal. A lei anterior não previa a extinção do procedimento, fazendo prova da reparação do dano, por isso ex vi art° 2° nº 4 do C.P. deve ser aplicada a lei nova e reabrir a audiência art° 371°-A do Código de Processo Penal.

4. E para isso, temos de criar as circunstâncias para o arguido poder beneficiar do resultado, caso assim o queira.

Consequentemente tem de ser dar oportunidade ao arguido de reparar o dano, caso queira beneficiar da desistência.

5. O Tribuna! "a quo" ao não ter reaberto a audiência quanto a esta questão violou o preceituado no art° 2° nº 4 do C.P. e 371°-A do C.P.P., pois que deveria ter reaberto e apreciado os documentos de desistência junto aos autos e valorá-los como valorou outra matéria de facto, posteriormente junta, nomeadamente o relatório social, aplicando a nova lei, referente à redacção do art° 218° nº 4 conjugado com o art° 206° nº 1 do Código Penal.

6. O Tribunal "a quo" fez errada interpretação e aplicação das normas contidas no nº 4 do art° 218° que remete para o nº 1 do art° 206° ambos do C.P. na sua actual redacção conjugado com as normas contidas no nº 4 do art° 2° do C.P. e arte 371°-A do C.P.P, interpretação essa violadora dos princípios consignados pela C.R.P - 2a parte do nº 4 do art° 29°, 32° nº 5 e 283°, artº 13 nº 1 e 1 8°.

7. Os documentos de desistência de queixa junta aos autos, aquando da reabertura da audiência, deveria ter fundamentado a inclusão na matéria de facto dada como provada dos factos que os mesmos documentos se propunham a demonstrar ou seja que a Musicar está completamente ressarcida de todos os prejuízos constantes do pedido de indemnização cível, tendo desistido da queixa, o mesmo se passando quanto à ofendida (M) que desistiu de queixa, porque está totalmente ressarcida de todos os prejuízos.

8. O Tribunal omitiu pronunciar-se sobre tal prova documental, pelo que o acórdão enferma de omissão de pronúncia, artº 379° nº 1 c) do C P.P.

9. O Tribunal "a quo" deveria ter reaberto a audiência e arquivado o procedimento criminal quanto ao crime de burla e também falsificação, porque esta foi um meio para que o arguido pudesse levar a cabo o crime de burla, existindo pois concurso aparente.

10. Caso assim se não entenda e também na esteira do anterior acórdão cujo entendimento foi de concurso real de crimes, deveria a pena de um ano aplicada pelo crime de falsificação ser substituída por multa.

11. Pois que atenta a entrada em vigor da lei 59/07, considerando e redacção dos artigos 43°-1, 44°, 45°, 46° e ss. do C.P, dever-se-ia ter ponderado pela aplicação do regime mais favorável ao arguido.

12. Mesmo que se entendesse que a lei nova não era mais favorável que a anterior, quanto ao crime de burla agravada, então a pena deveria ter sido suspensa na sua execução.

13. O arguido conforme se refere na motivação, referiu que queria pagar todos os prejuízos causados por si.

E é isso que tem feito.

Durante um período da sua vida, teve um comportamento não muito abonatório, todavia desse seu passado já se arrependeu e está a tentar levar ao momento uma vida mais digna.

14. E por isso tem reparado Integralmente os prejuízos até onde pode nomeadamente no Proc. 510/025,GH.SNT de Coimbra, conforme consta deste acórdão (fls. 17 e 18) de que se junta comprovativo do pagamento.

15. O seu arrependimento está plasmado agora nos seus actos ao assumir as responsabilidades e reparar os danos.

16. O arguido está inserido social e laboralmente e neste caso, contrariamente ao concluído pelo Tribunal é evidente que o recorrente ao momento não tem actividade profissional certa, trabalhando na oficina de componentes eléctricas, mas isso deve-se ao facto de estar preso. Todavia quando em liberdade o mesmo irá explorar uma clínica de estética, montando em Portugal uma clínica similar à que possui no Brasil.

17. Tem óptimo comportamento prisional, interiorizou os factos pelos quais foi condenado, ressarcindo os ofendidos.

Donde concluir que não há necessidade da pena 18. De acordo com a matéria de facto dada como provada, os aspectos da prevenção geral e especial estão acautelados pelo que o arguido é credor que lhe seja aplicada a suspensão da execução da pena, nos termos do artº 50 n°1° do C.P.

19. Com a recente alteração legislativa do Código Penal (pela Lei 59/2007, de 4/9) o legislador deu um sinal inequívoco de que a sociedade entende como razoável a suspensão de penas acima do limite de três anos, desde que abaixo dos 5 anos.

20. Trata-se de uma maior abertura da sociedade à suspensão das penas de prisão. Obriga, com isso, a repensar todas as decisões anteriores, mesmo aquelas relativas a penas às quais já seria possível aplicar a suspensão.

21. Por último, a decisão da suspensão, questão que é posta pela entrada em vigor da neva redacção do C.P., é uma decisão a ser tomada agora, depois do acórdão que aplicou as penas de prisão, tempo durante o qual foram entretanto reparados os danos e as circunstâncias evoluíram.

Não se trata pois de aplicar uma pena e decidir se ela deve ser suspensa, trata-se sim, de ver se uma pena que entretanto deveria ser cumprida deve ou não ser, agora, suspensa.

22. Perante o que antecede, considera-se que é de arriscar um juízo de prognose favorável ao arguido, isto é, que sob a ameaça de efectivação da pena e continuando sob o peso da censura que tal pena significa, o arguido não cometeria mais crimes para o futuro e, por isso deve-se suspender ao abrigo do art° 50° do C.P., na redacção dada pela lei acima referida, a pena de prisão que lhe foi aplicada, por período igual ao da sua duração.

" * Na resposta à motivação do recurso, formula o Ministério Público as seguintes conclusões: "- o recorrente apenas ressarciu uma das ofendidas dos dois crimes de burla qualificada por que foi condenado, e fê-lo em 29 de Abril de 2008, ou seja, após a leitura do acórdão que em 18 de Novembro de 2005 o condenou, acórdão este transitado em julgado; - assim, e para que se pudesse aplicar o disposto nos artigos 206° e 218° do Código Penal, na sua redacção actual, em sede de reabertura de audiência nos termos do disposto no art. 371°-A do Código de Processo Penal, com a consequente extinção da responsabilidade penal no que à ofendida "Musicar, Lda.", concerne, constituindo, pois, aqueles dois primeiros dispositivos legais lei penal nova mais favorável, o...

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