Acórdão nº 1213/08-1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelRIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução23 de Junho de 2008
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, precedendo conferência, na Relação de Évora: I - Relatório 1.

Nos autos de processo abreviado n.º ... do 2.º Juízo de Competência Criminal de..., o arguido A. ... foi acusado e submetido a julgamento pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.º n.º1 e 69.º n.º1, alin. a) do Código Penal e veio a ser condenado, por Sentença de 28 de Fevereiro de 2005, a fls.120 a 129, pela prática desse crime, na pena de 66 (sessenta e seis) dias de multa, à taxa diária € 5,00, (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 330,00 (trezentos e trinta e euros), bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) meses e 10 (dez) dias.

  1. Não conformado, o arguido veio interpor recurso daquela sentença, nos termos constantes de fls.146 a 156, pugnando pela sua absolvição.

  2. Por acórdão desta Relação de 10 de Janeiro de 2006, foi deliberado anular a sentença recorrida e ordenou-se a sua reformulação para serem supridas faltas de enumeração de factos como provados ou não provados e de indicação e exame crítico das provas (cf. fls.194 a 205).

  3. Proferida nova sentença, com data de 21.04.2006 (a fls.212 a 225), que manteve a condenação acima referida, dela recorreu de novo o arguido nos termos constantes de fls.232 a 241 pugnando pela absolvição.

  4. Conhecendo desse recurso, esta Relação, por acórdão de 8 de Maio de 2007, deliberou determinar o reenvio do processo para novo julgamento limitado a questões que enunciou (cf. fls.275 a 288).

  5. Realizado o novo julgamento, o tribunal sentença de 1 de Fevereiro de 2008, o tribunal recorrido julgou a acusação improcedente e, em consequência, absolveu o arguido do crime por que foi acusado (cf. fls.321 a 332), por considerar que o arguido não praticou o crime de que vinha acusado, uma vez que, atendendo à margem de erro legalmente admissível no caso dos alcoolímetros, deve apenas ser considerada, no caso dos autos, uma taxa que reflicta a dedução da margem de erro actualmente fixada em 8% (de acordo com os limites máximos de erro do valor efectivamente registado estabelecidos em Recomendações da Organização Internacional de Metrologia Legal - R-126 - e na Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro), ou seja, uma TAS de 1,11 g/l.

  6. Não conformado com a nova sentença, o Ministério Público veio interpor recurso para esta Relação, nos termos constantes de fls.334 a 341, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1 - O arguido foi submetido ao teste de despistagem de álcool no sangue, através do ar expirado, no aparelho "DRAGER 7110 MKIII P, modelo ARRA-0036, aprovado pela DGV 001/DGV/ALC/98, de 6/8/1998", tendo acusado uma "tas" de 1,26g/l.

    2 - O A. ... confessou na íntegra e sem reservas os factos que a acusação lhe imputava art.344.ª n°2 do CPP..

    3 - Os analisadores quantitativos de álcool no ar expirado máxime aquele em que o arguido foi testado, são aprovados pelo Instituto Português da Qualidade e sujeitos a verificações periódicas que obedecem a exigências técnicas, metrológicas e físicas legalmente fixadas.

    4 - Os "EMA" erros máximos admissíveis são considerados aquando da aprovação e das verificações periódicas a que são sujeitos os alcoolímetros e também antes da certificação pelo "1PQ", regime a que o "DRAGER 7110 MKIII P, modelo ARRA-0036, aprovado pela DGV 001/DGV/ALC/98, de 6/8/1998" foi submetido.

    5 - A douta sentença recorrida não explicita as razões da aplicação ao caso concreto das margens de erro admissíveis. Diga-se aliás que nos factos dados como provados consta também a "tas" de 1,21g/l, tendo o Tribunal "a quo" incorrido em erro notório na apreciação da prova ao não acatar o resultado do alcoolímetro no qual o arguido foi testado.

    6 - Ora, como violou a douta sentença recorrida, o consignado no art. 292°, n°1, do Código Penal e 410°,n°2, al. c), do Código de Processo Penal, deve ser substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no artigo 292°, n°1, Código Penal.

    7 - Deverá também o arguido ser sancionado na inibição de conduzir veículos com motor, aliás como o impõe o art.69° do Código Penal. " 8.

    O arguido respondeu ao recurso nos termos constantes de fls.345 a 347, defendendo que o recurso deve improceder.

  7. O recurso foi admitido por despacho de 22 de Abril de 2008 (v.fls.352).

  8. Nesta Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, acompanhando e subscrevendo os fundamentos invocados pelo Ministério Público na motivação do recurso, emitiu parecer no sentido da procedência deste, dizendo, nomeadamente, que "a taxa de álcool no sangue a tomar em conta devia ter sido a de 1,24 g/l, que era a constante do talão emitido pelo aparelho Drager, modelo 7110 MKIII P, ARRL 0073, porquanto o exame para a medição da alcoolemia é uma prova pericial que se impõe, em princípio, ao julgador, que o tem de acatar. Se dele divergir - e é lícita a divergência - o julgador terá de fundamentar a sua discordância e, não o fazendo, viola a norma jurídica processual vertida no n.º2 do citado art. 163.º. Os valores indicados pelo aparelho Drager, como sucede no caso em apreciação, merecem, em princípio, inteira confiança, porquanto, o Instituto Português de Qualidade (IPQ) garante, em relação a tais aparelhos, a observância dos princípios e das regras que disciplinam a normalização, a certificação e a metrologia.

    Deste modo, não estando legalmente prevista qualquer margem de erro para aferir os resultados obtidos através de aparelhos aprovados para análise quantitativa do teor do álcool no sangue, restaria, no caso de dúvida sobre a fiabilidade de tais valores, a realização de novo exame, por aparelho igualmente aprovado ou a análise ao sangue. Aliás, a "correcção" que foi efectivada pela sentença recorrida e que é a correspondente à dedução ao quantitativo registado pelo aparelho do valor de erro máximo admissível (EMA), alicerça-se numa desvirtuada noção de erro máximo admissível." Invoca em abono da sua posição o acórdão da Relação de Lisboa de 3.10.2007, proferido no proc.4223/2007-3, acessível in www.dgsi.pt.

  9. Foi cumprido o disposto no art. 417 n.º2 do CPP, vindo o arguido a responder nos termos constantes de fls.366 a 369, no sentido da improcedência do recurso.

  10. Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência cumpre agora decidir.

    II - Fundamentação.

  11. - Delimitação do objecto do recurso.

    Como é amplamente sabido, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões e por elas limitado - veja-se o Ac. do S.T.J. de 19/4/94, C.J., Ano II, Tomo II, pg. 189 e ainda, entre muitos outros, os Ac. do S.T.J. de 29/2/96, proc. n.º 46740, de 21/4/97, proc. n.º 220/97, de 2/10/97, proc. n.º 686/97 e de 27/5/98, proc. n.º 423/98, no C.P.P. Anotado de Simas Santos e Leal Henriques, 2ª Ed., pag. 808, 795 e 797, respectivamente - isto sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como o são as nulidades insanáveis e os vícios da sentença prevenidos no art. 410 n.º2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito" - Ac. do Plenário das secções do STJ de 19.10.95, in D.R. I-A Série de 28.12.95.

    No presente recurso está em causa saber se o julgador ao dar como provada uma TAS de 1,21 g/l podia ou não ter considerado em sede de aplicação do direito que a tal TAS correspondia uma TAS de 1,11 g/l, por força da aplicação e dedução de margem de erro, se tal configura erro notório na apreciação da prova, e as consequências daí decorrentes.

  12. - A decisão recorrida.

    Na sentença sob recurso foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto: Quanto à questão prévia: Arguiu o arguido, em sede de primeiro julgamento em 1.ª instância, o carácter ilícito do meio de prova usado para detecção da taxa de álcool no sangue.

    Com relevo para a decisão da presente questão, consideraram-se provados, em sede de primeiro julgamento, os seguintes factos que só a ela respeitam e que aqui passo a citar: 1. No dia 18 de Outubro de 2003, em ..., pelas 01h03m o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue através do aparelho Drager, modelo 7110 MK III P, Arra -0017, tendo realizado, cerca das 01h24, teste de contraprova através do mesmo aparelho.

  13. Por despacho do dia 27 de Junho de 1996, n.º 211 06 96 3 30, publicado no DR III Série, de 25-09-1996, o Instituto Português da Qualidade aprovou, pelo período de 10 anos, o uso do aparelho Drager, modelo 7110 MKIII P, Arra - 0017.

  14. No referido despacho pode ler-se: "Constituição - apresenta-se na forma de uma caixa paralelepípedo. Na superfície dianteira está disponível o afixador alfanumérico composto de cristais líquidos que contém 24 caracteres. Está também disponível na parte dianteira do dispositivo de impressão, bem como o botão de accionamento. Na superfície superior, encontra-se o tubo de sopro. No lado direito, está disposto o interruptor de ligação à rede e à entrada do cabo (220V). Na superfície traseira estão dispostas as entradas dos cabos do teclado alfanumérico e o interruptor de ligação à bateria (12V)".

  15. Ainda no referido despacho, segue-se, depois, a enumeração das características do aparelho onde consta a "...temperatura de utilização: 15ºC a 35ºC..." e ainda "...cada alcoolímetro deve conter, de forma legível e indelével, as indicações seguintes: (...) temperatura de utilização..." 5. O referido despacho contém desenho do aparelho Drager.

  16. No dia 6 de Agosto de 1998, o Director Geral da Direcção Geral de Viação autorizou (autorização n.º 001/DGV/ALC/98) a utilização do aparelho Drager, modelo 7110 MKIIIP, Arra-0017.

  17. O aparelho Drager utilizado na realização do teste de pesquisa de álcool no sangue ao arguido não contém nenhum visor onde se possa verificar qual a temperatura ambiente nem sequer nele se encontra aposta qualquer referência à temperatura.

  18. O...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT