Acórdão nº 0842772 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelJOSÉ PIEDADE
Data da Resolução02 de Julho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Nº 2772/08.4 .....º Juízo do T.J. de Vila Nova de Gaia, Proc. nº ......./07.3PAVNG Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No ....º Juízo do T.J. de Vila Nova de Gaia, processo supra referenciado, foi julgado B..................., acusado da prática, em autoria material, de um crime de maus-tratos a menor dependente, previsto e punido pelo artigo 152º nº 1, alínea a) do Código Penal de 95, e actualmente, p. e p., pelo artigo 152º-A, alínea a) do novo Código Penal, tendo sido proferida Sentença com o seguinte dispositivo: - absolver o arguido B................. da prática, em autoria material, de um crime de maus tratos a menor dependente, previsto e punido pelo artigo 152º nº 1, alínea a) do Código Penal de 95, e actualmente, p. e p., pelo artigo 152º-A, alínea a) do CP na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007, de 04/09.

- condenar o arguido B..................... pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do CP, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros), perfazendo a quantia total de €900,00 (novecentos euros).

*Desta Sentença recorreu o MºPº, formulando as seguintes conclusões: 1- Nos presentes autos foi o arguido condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1 do CP e o absolveu pela prática do crime de maus-tratos, previsto e punido pelo artigo 152º, nº 1, al. a) do Código Penal de 95, actualmente punido pelo artigo 152-A, al. a) do CP na redacção introduzida pela Lei nº 59/2007 de 4/09, após se ter efectuado a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação, considerando que os mesmos integram, apenas e somente, aquele crime de ofensa à integridade física simples.

2 - Afigura-se-nos, porém, que sempre teria o arguido de ser condenado pela prática do crime de maus-tratos por que vinha acusado ou, em última instância, caso se considerasse que esse tipo de ilícito pressupunha, à luz do artigo 152º do CP antes da entrada em vigor da Lei nº 59/2007 de 4/09, a reiteração das agressões, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 146º, nº 1 e nº 2 do C.P., por referência à al. a) do número 2 do artigo 132º do mesmo diploma legal.

3 - Conforme resulta da motivação da decisão sobre a matéria de facto, o arguido confessou os factos, apenas negando aqueles que se deram como não provados sob o número 2, ou seja, o episódio que se alegava na acusação como tendo ocorrido quando a menor tinha três anos de idade.

4 - A MMa. Juiz a quo, na motivação da decisão sobre a matéria de facto dada como não provada, concluiu assim: "Conclui-se que relativamente à matéria de facto não provada, tal ficou a dever-se à circunstância de nenhuma prova se ter produzido acerca da mesma. Com efeito, a menor Inês remeteu-se ao silêncio, o arguido negou a sua prática e as demais testemunhas familiares referiram que tal episódio nunca ocorreu.".

5-Quanto aos demais factos descritos na acusação, tendo o arguido os confessado na integra, não se percebe como a MMa. Juiz a quo os dá como não provados, sendo que, para além disso estar claramente em contradição com a fundamentação da decisão da matéria de facto no que se refere aos factos provados, além do mais, não consta dessa mesma fundamentação, qualquer menção aos fundamentos que a levaram a concluir pela não prova dos mesmos.

6- A douta Sentença ao não fundamentar os factos que considerou não provados sob os números 1 e 3 e que estão em completa contradição com a fundamentação da decisão de facto quanto aos factos provados, concretamente, no que se refere à confissão do arguido, padece da nulidade a que se refere o art. 379º, al. a), com referência ao art. 374º, nº 2, ambos do CPP, o que determina a nulidade da Sentença.

7 - Trata-se de uma nulidade não insanável, que importa colmatar com a anulação parcial da respectiva Sentença e determinação de o Tribunal recorrido proceder em conformidade; 8 - As nulidades da Sentença são nulidades dependentes de arguição, que podem ser arguidas na motivação dos recursos, e portanto dentro do prazo da motivação.

9 - Pelo exposto, por falta de fundamentação da Sentença, deverá a mesma ser declarada nula, por violação do disposto nos artigos 379º, 1, a) e 374º, nºs. 2 e 3, al. b), ambos do CPP.

10 - É contraditório afirmar-se que "do arguido, o qual, em síntese, admitiu que a generalidade dos factos descritos na acusação são verdadeiros, com excepção do facto que lhe imputa uma agressão à filha C............. quando esta tinha três anos de idade" - o que significa, necessariamente, que assumiu os factos que lhe eram imputados (tal como lhe eram imputados), à excepção daquele episódio concreto - e, depois, contraditoriamente, se considera como não provados os restantes factos que lhe eram imputados.

11 - De facto, muito embora não tenha havido uma confissão integral e sem reservas dos factos, face à confissão do arguido nos termos supra expostos e que são aqueles que constam da fundamentação da Sentença ora em crise, resulta que a fundamentação da convicção do Tribunal está em contradição com a matéria de facto dada como provada e não provada.

12 - Analisada a decisão recorrida, do texto da mesma resulta, assim, por um lado, uma incompatibilidade entre a fundamentação da convicção do Tribunal e os factos não provados acima descritos sob os números 1 e 3 - com aquela fundamentação não podiam aqueles factos ser dados como não provados, sendo que dando-se os mesmos como não provados a fundamentação teria que ser necessariamente outra.

13 - Por ter o arguido confessado, na íntegra, os factos ocorridos no dia 16 de Abril de 2007, não podia a MMa. Juiz a quo dar como não provado que "a bofetada desferida pelo arguido à filha C............ foi forte" e que "o arguido sabia que ao bater na C................ da forma em que o fez lhe causava sofrimento físico agudo e actuou querendo assim proceder" por tais factos se encontrarem em contradição com aquela confissão, plasmada na fundamentação da decisão de facto.

14 - Por outro lado, dela resulta também uma incompatibilidade entre os factos (provados) acima descritos sob os números 3, 7 e 8 e o facto não provado sob o número 3.

15 - Não podia, assim, o Tribunal a quo, sob pena de contradição, dar como não provado que "o arguido sabia que ao bater na C............. da forma em que o fez lhe causava sofrimento físico agudo e actuou querendo assim proceder, pois entre aqueles e este verifica-se uma incompatibilidade lógica, eles são logicamente inconciliáveis, pelo que os mesmos não podem ter ocorrido como da Sentença consta.

16 - Encontramo-nos, assim, perante o vício a que alude o art. 410º nº 2 al. b) do CPP.

17 - Quanto ao crime de maus-tratos consideramos, pois, que o artigo 152º do Código Penal (na anterior redacção à introduzida pela Lei nº 59/2007 de 4/09 por ser mais favorável ao arguido) abarca qualquer conduta, de quem tenha a seu cargo pessoa menor, que pela sua gravidade ponha em causa a dignidade humana do menor ofendido e que por via dela fique ostensivamente desprotegido na sua individualidade própria de pessoa humana, ou dito de outra forma, as ofensas, ainda que praticadas por uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, ou seja que traduzam crueldade, insensibilidade ou até vingança desnecessária por parte do agente, cabem na previsão daquele artigo.

18 - Face à factualidade apurada em sede de audiência de julgamento e aos elementos médicos e periciais juntos aos autos, afigura-se-nos estar comprovada a gravidade e crueldade da agressão perpetrada pelo arguido na sua filha menor de apenas 11 anos de idade, atendendo, nomeadamente, a que o arguido, munido de um cinto de pele, agrediu violentamente a menor, desferindo-lhe várias pancadas no corpo, fazendo com que esta ficasse com várias marcas por todo o corpo, agressão essa motivada por esta lhe ter retirado € 20 da carteira para comprar doces... 19 - Deveria, assim, o arguido ser condenado pelo crime pelo qual vinha acusado.

20- De todo modo, caso assim não se entendesse, sempre seria de imputar ao arguido o crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelo artigo 146º, n.º 1 e 2, por referência à al. a), nº 2 do artigo 132º, ambos do Código penal (na anterior redacção à introduzida pela Lei nº 59/2007 de 4/09 por ser mais favorável ao arguido).

21 - Como facilmente resulta da prova produzida, a agressão perpetrada pelo arguido na pessoa da menor C.............., sua filha, assumiu uma gravidade tal, não só atendendo à tenra idade da mesma, como também, atendendo ao motivo que despoletou a referida agressão - o facto da menor ter retirado da carteira do seu pai € 20 para comprar doces - e ainda face às lesões verificadas no corpo da menor.

22 - Como resulta...

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