Acórdão nº 0842841 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelARTUR OLIVEIRA
Data da Resolução02 de Julho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO - SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA) - no processo n.º 2841/08 - com os juízes Artur Oliveira [relator] e Maria Elisa Marques, - após conferência, profere, em 2 de Julho de 2008, o seguinte Acórdão I - RELATÓRIO 1. No processo comum (tribunal singular) n.º ..../99.6PEGDM, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, em que é arguido B.......... e OUTROS, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos [fls. 1412]: «(...) 6.3.1. Absolvo o arguido B.......... da prática, como co-autor material, de um crime de jogo fraudulento um crime de jogo fraudulento p. e p. pelo art 113°, n° 1, da Lei do Jogo 6.3.2. Julgo o arguido B.......... como co-autor material de um crime de material de jogo, p. e p. pelo artº 115° do DL n° 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção introduzida pelo DL n° 10/95, de 19 de Janeiro e condeno-o na pena de sete meses de prisão, que se substitui por igual tempo de multa, à razão diária de € 3 (três euros) e na pena de multa de 110 (cento e dez dias de multa, à razão diária de € 3 (três euros) 6.3.3. Em cúmulo material, condeno o arguido na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à razão diária de € 3 (três euros), no total de € 960 (novecentos e sessenta euros).

(...)» 2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. 1464-1470]: A. Atendendo a toda uma série de Jurisprudência, onde se insere o muito recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.11.2007 (proferido no Proc. n.º 3186/07-3), que vem entendendo material similar ao aqui em causa como desenvolvendo jogos que assumem a natureza de modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, e já não dos próprios jogos de fortuna ou azar em si mesmos, permite-se o Recorrente discordar com o enquadramento jurídico efectuado pelo Digníssimo Tribunal "a quo", no que se refere ao material cuja disponibilidade lhe é imputada na douta sentença recorrida.

  1. Com efeito, a distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins desses jogos não poderá colher no factor ou critério do bem jurídico protegido, entenda-se «jogos em que o prémios são dinheiro», devendo, ao invés, atender-se aos diversos critérios presentes na nossa Jurisprudência, sendo que, todos os mais recentes, sempre impedem que se chegue a conclusão similar à que chegou o Digníssimo Tribunal "a quo", como seja, o entendimento expresso no Acórdão desta Relação, de 26.04.2000, segundo o qual a linha de fronteira entre estas figuras jurídicas estaria demarcada pelo simples facto de, nas modalidades afins, as promotoras oferecerem os jogos ao público, enquanto que nos jogos de fortuna ou azar elas se limitam a colocá-los em estabelecimentos, aos quais o público se dirige para os praticar.

  2. Mais, entendeu este Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Aresto de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 - acessível in www.dgsi.pt - que «O que distingue o jogo de fortuna ou azar das modalidades afins é o facto de, no primeiro, o jogador poder auferir uma vantagem de valor indeterminado, em função da "aposta", que pode multiplicar de uma única vez, por forma a que entra num certo "risco", auferindo uma vantagem em proporção não controlável por si, enquanto no jogo afim o jogador praticamente nada arrisca. A sua "entrada" não se reveste da característica da "aposta", mas apenas do "preço" da jogada, que é simples, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio que pode obter é fixo e pré-determinado.

    » (negrito e sublinhado nossos).

  3. A que acresce o consagrado pela Relação de Lisboa, no seu douto Aresto de 14.03.2000 onde se refere que, «fundamentalmente, o que caracteriza as operações oferecidas ao público são duas coisas incompatíveis com o jogo de fortuna ou azar: os prémios fixados previamente, como assim, a participação, à partida, de um número de pessoas indeterminado. Realmente, nos jogos de fortuna ou azar, os prémios não são fixados previamente, além de que só pode jogar um número determinado de pessoas, de cada vez» (negrito e sublinhado nossos).

  4. De modo que, o elemento balizador corporiza-se no facto de nas modalidades afins, existirem um ou vários prémios previamente definidos, determinados ou "oferecidos", enquanto nos jogos de fortuna ou azar, em antinomia, não tem de haver, e em regra não há, um prémio fixado. (Cfr. Douto Acórdão da Relação de Évora de 06/11/90, in CJ., XV, T.V, pg. 277), pelo que, é de afirmar que, no caso sub judice não estamos perante um qualquer jogo de fortuna ou azar, mas sim, perante uma modalidade afim desses jogos de fortuna ou azar, pois, os prémios a atribuir estavam previamente fixados e o número de jogadores podia ser indeterminado, não relevando, de forma alguma, o facto de poderem, ou não, ser atribuídos prémios em dinheiro (sendo certo que tal facto nem resulta devidamente comprovado nos presentes autos) para que se conclua estarmos perante um jogo de fortuna ou azar e já não perante uma modalidade afim desses jogos de fortuna ou azar.

  5. Além do que, os jogos desenvolvidos pelo material em causa serão sempre de ser considerados como "operação" no sentido que a essa expressão é atribuída na nossa Jurisprudência, pois que, têm sempre uma vida útil limitada, uma vez que se encontra limitada pelo número de apostas possíveis, limitada ao número de senhas existentes, bem como, se encontra limitada pelo número de prémios a atribuir, que, como referido, se encontram previamente definidos.

  6. Haverá, por isso, que se atender a toda uma série de Jurisprudência, onde se inserem os doutos Arestos desta Relação do Porto de 14.07.1999 e 28.03.2001, e da Relação de Lisboa de 08.10.1996, sendo de concluir que, "in casu", estaremos perante jogos com todas as características referidas no n.º 1 e n.º 2 do art. 159º do D.L. 422/89, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. 10/95, de 19 de Janeiro, sendo que tais jogos sempre deveriam ser classificados como jogos de rifas.

  7. Não sendo, naturalmente, de descurar a Jurisprudência mais recente, onde se inserem os doutos arestos da Relação de Lisboa de 26.10.2005 e 05.04.2006, da Relação de Évora de 23.05.2006 e 11.07.2006, e desta Relação do Porto de 21/11/2007 (proferido pela1ª Secção no âmbito do Proc. n.º 4144/07-1) o que sempre permitirá afirmar estarmos claramente perante uma situação que não se poderá enquadrar na previsão do artigo 115º. do D.L. 422/89, de 02 de Dezembro, pois que, ainda que a esperança de ganho resida única e exclusivamente na sorte, de forma alguma o material apreendido desenvolve um qualquer tipo de jogo tipificado na lei como sendo de fortuna ou azar.

    I. Assim, e uma vez que no caso concreto não estamos perante um qualquer jogo de fortuna ou azar, conforme descritos no artigo 4.º do diploma legal supra referido, até porque, não se verifica em tais jogos uma qualquer potencialidade de viciação/apostas compulsivas, que entendeu o Dign.º Tribunal "a quo" ser o critério a considerar para a determinação do conceito de jogo de fortuna ou azar, visto que, pelas suas características, a sua utilização é sempre imediata e instantânea, esgotando-se a cada "jogada", não se propiciando de forma alguma a que o seu utilizador se sinta preso, com a ânsia de por novamente em jogo a sua sorte, pois, não é de forma alguma possível uma qualquer duplicação de apostas, ou mesmo fazer depender o prémio a receber do montante efectivamente gasto, será de concluir que nunca a conduta do ora Recorrente poderia ser criminalmente punível, pois que, não estaríamos perante um qualquer crime de material de jogo, mas sim já, perante uma mera contra-ordenação.

  8. Além de tudo o exposto, sempre será de referir a posição muito recentemente explanada pelo Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Aresto de 28.11.2007 (proferido no Proc. n.º 3186/07-3), relativamente ao correcto enquadramento jurídico a dar a material similar ao aqui em causa, no sentido de se poder determinar se o mesmo apresentava "uma ligação instrumental directa, imediata e inequívoca («caracterizadamente») entre o «material e utensílios» e a prática de jogos de fortuna ou azar", pois que, a infracção penal em apreço, nesse douto Aresto, art. 115º, assim o exigia, como elemento essencial.

  9. Nesse douto Acórdão, após uma análise rigorosa do que será de ter, ou não, por jogo de fortuna ou azar, e na aplicação das disposições legais ao caso concreto, dispõe o Supremo Tribunal de Justiça: «Verifica-se, assim, que os jogos que as referidas máquinas proporcionavam, embora os resultados dependessem da sorte e não da perícia do utilizador, não exploravam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas. Faltam, deste modo, as características essenciais que permitam qualificar um jogo como sendo de fortuna ou azar, nos termos descritos e definidos no artigo 4º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro. Tanto basta para que as referidas máquinas não possam ser consideradas como «material ou utensílios» «caracterizadamente» destinados à prática de jogos de fortuna ou azar.» (negrito e sublinhado nossos).

    L. Pelo que, concluiu, relativamente aos jogos aí em causa (em tudo similares aos ora em apreço) «As características e os elementos dos jogos proporcionados revertem antes para as modalidades afins referidas no artigo 159º do referido diploma; no rigor, constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas com o sentido e a natureza de modalidades afins de jogos de fortuna ou azar. Mesmo a circunstância de no jogo "Titanic" os prémios serem em dinheiro ou em coisas com valor económico, não lhe retira a natureza de modalidade afim, uma vez que a atribuição de prémios em dinheiro, por si só, se não é permitida nos termos do artigo 161º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 422/89, também não integra a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar. Os...

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