Acórdão nº 421/08-1 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelJOÃO GOMES DE SOUSA
Data da Resolução03 de Junho de 2008
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório: Nos autos de Inquérito que correu termos no Tribunal Judicial de ... com o n°..., por despacho lavrado em 03 de Dezembro de 2007, a Mmª. Juíza, ao abrigo do disposto no art. 311º n.º 2 al. a) e n.º 3 al. d) do C. Processo Penal, por considerar que os factos imputados aos arguidos A. e B. não constituem crime, rejeitou a acusação deduzida pelo Ministério Público que lhes havia imputado a prática, a cada um deles, de um crime de material de jogo, p. e p. pelo art. 115º do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei n.º 10/95, de 19.01.

*Inconformado com uma tal decisão, dela interpôs a Digna Magistrada do Ministério Público junto da comarca de ... o presente recurso, pedindo a sua procedência pela revogação do despacho recorrido - que no seu entender violou o disposto nos artigos 1º e 4º, n.º 1, alínea g) do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro - que deverá ser substituído por outro que receba a acusação deduzida contra os arguidos pela prática de 1 (um) crime de material de jogo, com as seguintes conclusões: 1. O Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1990, dispôs no seu artigo 1º que os jogos de fortuna ou azar são precisamente "aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte"; 2. Nesta medida, não estão excluídos, à partida, jogos que dependam, em certa medida, da perícia ou habilidade do jogador, pelo que tudo está em que o resultado (o ganhar ou perder) de tais jogos seja decidido, ou dependa em última instância, de algo que apenas a sorte pode ditar e que a perícia, a inteligência ou a habilidade do jogador não pode controlar; 3. Além desta noção geral consagrada no artigo 1º, o artigo 4º, n.º 1 do mesmo diploma legal prevê um enunciado, de carácter não taxativo, de tipos de jogos de fortuna ou azar, neles incluindo, por exemplo, "jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte" [cfr. alínea g) deste normativo]; 4. Prescrevendo-se, ainda, como regra geral que todos esses jogos somente podem ser explorados nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário, ou noutros locais especialmente autorizados, mediante concessão do Governo a empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas, já que o direito de explorar esses jogos é legalmente reservado ao Estado (cfr. artigos 3º, 6º, 8º e 9º do DL n.º 422/89); 5. O DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, que veio alterar o DL n.º 422/89, passou a incluir a regulamentação de toda a matéria relativa a modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, revogando totalmente o DL n.º 48.912; 6. Deste modo, perante o que passou a prescrever o artigo 159º, n.º 1 do DL n.º 422/89, reformulado pelo citado DL n.º 10/95, "modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico", acrescentando o n.º 2 que são abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, "rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos"; 7. A exploração de tais modalidades afins depende de autorização (artigo 160º), sob pena de ser punida com coima, a título de contra-ordenação (artigo 163º), estando vedada, em princípio, a entidades com fins lucrativos (artigo 161º, n.º 1); 8. Não pode deixar de se salientar que, de acordo com o que passou a estabelecer o artigo 161º, n.º 3, as modalidades afins não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, exemplificando-se, além do mais, com os casos do póquer, roleta, dados, bingo, lotaria, totobola e totoloto; 9. Nesta medida, dispõe o artigo 108.º do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro que: "1. Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias. 2. Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora"; 10. Por sua vez, dispõe o artigo 115º do mesmo diploma legal que "quem, sem autorização da Inspecção-Geral de Jogos, fabricar, publicitar, importar, transportar, transaccionar, expuser ou divulgar material e utensílios que sejam caracterizadamente destinados à prática dos jogos de fortuna ou azar será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias"; 11. Ora, para estarmos perante um jogo de fortuna ou azar não é necessário que o jogador tenha ganho ou perda de natureza económica consoante o resultado do jogo, porquanto o legislador quis prevenir o mero perigo de isso se poder verificar (cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 24 de Maio de 1995); 12. Sendo contingente o resultado, quer na exploração de jogos de fortuna ou azar, quer nas modalidades afins, por depender, principal ou exclusivamente, da sorte, conclui-se não ser a aleatoriedade do resultado o que permite distinguir estes jogos; 13. O critério de "prémios previamente fixados" nas modalidades afins de jogos de fortuna ou azar e "prémios não previamente fixados" nos jogos de fortuna ou azar, podendo ser tendencialmente correcto, não é exacto, na medida em que há jogos de fortuna ou azar que não pagam prémios em fichas ou moedas e nem por isso deixam de ser classificados como tais, não se podendo, assim, falar de prémios previamente fixados, nem de prémios não previamente fixados; 14. De resto, o verdadeiro elemento diferenciador radica nas "operações oferecidas ao público", existentes nas modalidades afins e inexistentes no jogo de fortuna ou azar propriamente dito; 15. Fazendo apelo aos critérios delimitadores do conceito de jogo de fortuna ou azar é por demais evidente que os factos suficientemente indiciados nos autos se subsumem a esta figura e não à das suas modalidades afins; 16. É que a obtenção dos prémios da máquina de jogo em apreço depende exclusivamente da sorte, muito embora bastasse que a mesma dependesse fundamentalmente da sorte (cfr. artigo 1º do DL n.º 422/89, na redacção dada pelo DL n.º 10/95); 17. Nesta medida, também a alínea g) do n.º 1 do artigo 4º do mesmo diploma legal se encontra preenchida, na medida em que este jogo era desenvolvido por uma máquina que, como já se disse, apresentava como resultado a obtenção de um prémio exclusivamente dependente da sorte; 18. E, salvo o devido respeito, não se vê com que fundamento a Mma. Juiz a quo sustentou a sua decisão, nomeadamente, na necessidade de ter de se fazer apelo ao critério de máquina, considerando que a dos autos por depender "apenas da energia do utilizador-jogador" não pode enquadrar o conceito de máquina automática tal como é definido na Portaria n.º 817/2005, de 13 de Setembro; 19. É certo que as máquinas de jogo de fortuna ou azar exploradas no casino são máquinas automáticas, contudo nada na lei refere que apenas estas máquinas - as automáticas - integram a previsão do crime de exploração ilícita de jogo, ao que acresce o facto do referido artigo 4º do DL n.º 422/89 conter um elenco meramente exemplificativo dos jogos que podem ser considerados como de fortuna ou azar; 20. Finalmente, a relevância dada pela Mma. Juiz a quo ao elemento que, quanto a nós, é determinante para fazer a delimitação do conceito de jogo de fortuna ou azar não foi, salvo o devido respeito, a mais precisa e rigorosa, pois ao limitar-se a afirmar que "a oferta de operações não carece de ser feita através de publicidade, podendo resultar da colocação do jogo em "lugar visível" de um qualquer estabelecimento comercial", fez uma interpretação deste critério ao arrepio da construção jurisprudencial que tem vindo a ser defendida pelos nossos Tribunais Superiores e que nós perfilhamos, que entende que as operações oferecidas ao público pressupõem "sempre a procura e oferta ao público pelas respectivas promotoras" não bastando "a mera colocação dos jogos em estabelecimentos para o efeito, em que o público aí se dirige para a respectiva prática"; 21. Nesta conformidade, cremos que a máquina em questão desenvolve um jogo de fortuna ou azar, tal como o mesmo se encontra definido na alínea g) do n.º 1 do artigo 4º do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95; 22. Termos em que, por ter violado o disposto nos artigos 1º e 4º, n.º 1, alínea g) do DL n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 10/95, de 19 de Janeiro, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que receba a acusação deduzida contra os arguidos pela prática de 1 (um) crime de material de jogo.

*Os arguidos não responderam.

Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Foi observado o disposto no n" 2 do art. 417° do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta Colhidos os vistos, o processo foi à conferência.

******B - Fundamentação: B.1 - São estes os elementos de facto relevantes e decorrentes do processo: Nos autos de Inquérito que correu termos no Tribunal Judicial de... com o n° ....., por despacho lavrado em 03 de Dezembro de 2007, a Mmª. Juíza, por considerar que os factos imputados aos arguidos A. ... e B. ... não constituem crime, rejeitou a acusação deduzida pelo Ministério Público que lhes havia imputado a prática, a cada um deles, de um crime de material de jogo, p. e p. pelo art. 115º do Dec. Lei n.º 422/89, de 02.12, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei n.º 10/95...

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