Acórdão nº 801/2002.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução03 de Junho de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1. A...

(A. e neste recurso Apelante) demandou, em 5 de Dezembro de 2002, B...

(1º R.), C... (2ª R.), D...

(3ª R.) e E...

(4º R.; todos os RR. são neste recurso Apelados), pedindo a condenação solidária destes a satisfazerem-lhe a quantia de €37.500,00, a título de indemnização respeitante à morte por atropelamento da sua mãe, F..., evento ocorrido em 22/12/1995 quando a viatura atropelante (74-91-BE) era conduzida pelo 1º R.. Imputa a este o A. a responsabilidade pelo acidente e demanda a 2ª e 3ª RR., alternativamente, como comitentes do condutor, e o 3º R. em função da inexistência de seguro cobrindo, no momento do acidente, os riscos respeitantes à circulação da viatura BE.

Contestaram apenas os RR. B... e C... (fls. 16/21), imputando a culpa exclusiva do acidente à F..., acrescentando a 2ª R. que o 1º R. trabalhava, no momento do acidente, para a 3ª R. e que a viatura BE já era, então, propriedade desta última.

Saneado o processo, fixados os factos assentes na fase de condensação e elaborada a base instrutória (fls. 35/37), avançou-se para a fase de julgamento. Nesta, foi determinada, pelo despacho de fls. 191, a apensação a estes autos, nos termos do artigo 275º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), do proc. nº 811/2002 do 1º Juízo do Tribunal de Ourém (que aqui tomou o nº 801-A/2002.C1)[1]. Decorreu a audiência de julgamento nos termos documentados a fls. 376/385, 480/484 e 527/528, respondendo o Tribunal à base instrutória como consta de fls. 529/532 (a fls. 533/536 constam as respostas respeitantes à acção apensa), proferindo a Sentença de fls. 540/552 (constitui esta a decisão aqui recorrida) que, na improcedência da acção, absolveu todos os RR. do pedido formulado pelo A.

[2].

1.1.

Inconformado, interpôs o A. o presente recurso de apelação (v. fls. 560; cfr. despacho de admissão a fls. 566), alegando-o a fls. 592/610, formulando as seguintes conclusões: “[…] 1- De acordo com o disposto no artigo 659º, nºs 2 e 3 do CPC, na fundamentação da sentença, o Tribunal deve ter em consideração os factos provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe compete conhecer e interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

2- No caso dos autos, na errada ponderação global e crítica dos factos provados (e dos não provados), a Mma. Juiz a quo foi conduzida a uma errada interpretação e visualização da dinâmica do acidente e, consequentemente, a uma incorrecta aplicação do direito, desde logo por violação das regras do ónus da prova aplicáveis ao caso (artigos 350º, 505º e 570º do [Código Civil]).

3- Impendendo sobre o condutor do pesado BE a presunção de culpa prevista no artigo 503º, nº 3 do [Código Civil], não tinha o A. ora recorrente, filho da vítima mortalmente atropelada por aquele, de provar a culpa na eclosão do acidente, competindo àquele condutor ilidir a presunção por prova em contrário (artigos 350º e 487º, nº 1 do [Código Civil]).

4- No caso dos autos, para que se tivessem por ilididas tais presunções, teria o condutor do BE que ter demonstrado que, naquelas concretas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o obstáculo constituído pela vítima que atropelou, tinha surgido na sua linha de trânsito de forma súbita e inopinada, ou seja, em circunstâncias que não lhe tivessem permitido, ou a qualquer homem médio, adoptar qualquer conduta adequada a evitar a colisão com a vítima, o que não aconteceu.

5- À luz do disposto no artigo 487º, nº 2 do [Código Civil], a conduta de um peão que atravessa à noite, numa rua urbana, iluminada, com 9,50 m de largura, a 20 m de distância de uma passadeira para peões, violando o disposto no artigo 99º do [Código da Estrada], não é, só por esse facto, idónea a ser causal de um acidente de viação (atropelamento), do qual resultou a sua morte, apesar de com tal conduta o peão F... ter criado, objectivamente, uma situação de perigo.

6- Mas agiu também com culpa, na perspectiva do recorrente, o condutor de um veículo pesado de mercadorias que, descendo à noite uma rua urbana iluminada, e em recta com 9,50 m de largura, circulando a cerca de 30Km/hora, e em condições que lhe permitiam ver a pelo menos 20 m de distância um peão, quando este já iniciara a travessia dessa rua, na faixa oposta àquela em que o pesado circulava, o atropela causando-lhe a morte. Quando o peão já havia atingido, nessa travessia, a faixa direita na qual circulava o pesado, o facto de este não parar de forma a evitar o acidente. Isto, não obstante o peão atravessar a rua fora da passadeira para peões, mas cerca de 20 m depois desta, considerando o sentido de circulação do pesado. Tal conduta evidencia que conduzia desatento, e sem os cuidados que lhe eram exigíveis, com imperícia e velocidade excessiva, pelo menos em termos relativos, pois não conseguiu dominar o veículo, parando no espaço livre e visível à sua frente, como podia e devia, por forma a evitar o acidente.

7- Nas circunstância de tempo, modo e lugar em que ocorreu o atropelamento dos autos, o condutor do BE violou o dever geral de cuidado e de prevenção do perigo, consagrado no artigo 3º do [Código da Estrada], bem como o disposto no nº 1 do artigo 24º do mesmo diploma.

8- Em tais circunstâncias, a conduta do condutor do pesado BE, por ilícita e culposa, concorreu maioritariamente para a ocorrência do atropelamento e suas gravíssimas consequências.

9- À luz do disposto nos artigos 487º, nº 2 e 570º, nº 1 do [Código Civil] e no confronto global e valorativo das condutas do condutor B... e do peão F... é de considerar ajustado que aquele contribuiu com 70% e esta com 30% de culpa para a eclosão do sinistro, especialmente tendo em conta a especial perigosidade inerente à circulação de um veículo pesado de mercadorias, pelas suas grandes dimensões e peso adequado a produzir graves danos em caso de acidente, nomeadamente quando circula em zonas urbanas, onde é mais expectável a circulação de pessoas, e tendo em conta, além do mais, a violência do embate, o qual causou ao peão graves e extensas lesões físicas que foram causa necessária da sua morte.

10- Tendo decidido como decidiu, a Mma. Juiz a quo fez um incorrecto exame crítico das provas, violando o disposto no artigo 659º, nºs 2 e 3 do CPC e o disposto no artigo 349º do [Código Civil]; violou ainda as regras do ónus da prova constantes das disposições conjugadas dos artigos 350º, 505º e 570º do [Código Civil], bem como o disposto no nº 1 nº 2 do artigo 487º e artigo 570º, nº 1 do [Código Civil], e nos artigos e 24º, nº 1 do [Código da Estrada].

[…]” [transcrição de fls. 608/609, com ênfase no original omitido] Responderam o 4º e o 1º RR., pugnando ambos pela manutenção da decisão apelada.

II – Fundamentação 2.

Encetando a apreciação do recurso, importa ter presente que o âmbito objectivo deste se define através das conclusões com as quais o Apelante rematou as respectivas alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC[3]).

Dado que o Apelante não discute os factos apurados, aceitando a sua fixação pela primeira instância, referindo-se a sua impugnação, tão-só, à valoração desses factos, importa aqui consignar, enquanto passo necessário à subsequente argumentação, qual a matéria de facto a considerar, o que se fará transcrevendo o elenco desta constante da Sentença a fls. 541/544, acrescentando-lhe, porém, por se tratar de um elemento relevante, o facto documentalmente provado a fls. 74, através da certidão de nascimento da vítima[4]: “[…] 1.

No dia 22 de Dezembro de 1995, pelas 18h35m, na Rua dos Bombeiros Voluntários, em Ourém, ocorreu um atropelamento, no qual foram intervenientes a viatura de matrícula 74-91-BE, pesado de mercadorias e o peão, F... (número 1 da matéria assente); 2.

O veículo 74-91-BE era, na altura, conduzido por B... e seguia imprimindo a direcção Norte – Sul, ou seja, o sentido Ourém – Torres Novas (número 2 da matéria assente); 3.

O BE circulava a um velocidade de cerca de 30 Km/hora (resposta ao nº 17 da base instrutória); 4.

F... efectuava a travessia da Rua dos Bombeiros Voluntários (resposta ao nº 2 da base instrutória); 5.

Na altura, F... atravessava a rua no sentido esquerda – direita, atento o sentido de marcha do BE (número 3 da matéria assente); 6.

F... efectuou a travessia da Rua dos Bombeiros Voluntários cerca de vinte metros para Sul do final da passadeira (resposta ao nº 15 da base instrutória); 7.

F... vestia roupa preta (resposta ao nº 22 da base instrutória); 8.

F... media 1,58 m de altura (resposta ao nº 32 da base instrutória); 9.

O embate entre o BE e F... verificou-se, quando esta já estava na hemi-faixa de rodagem do lado direito, no sentido Norte – Sul (respostas aos nºs 3, 4 e 16 da base instrutória); 10.

F... havia já atravessado a hemi-faixa de rodagem destinada aos veículos que tomavam o sentido Sul – Norte (resposta ao nº 37 da base instrutória).

11.

O embate entre o BE e F... deu-se, na hemi-faixa de rodagem do lado direito, atento o sentido Norte – Sul, da Rua dos Bombeiros Voluntários (resposta ao nº 35 da base instrutória); 12.

E a cerca de 20 metros da passadeira para peões (resposta ao nº 36 da base instrutória); 13.

F... foi projectada a cerca de 8,30 metros do local do embate (resposta ao nº 8 da base instrutória); 14.

F... imobilizou-se na via de trânsito contrária àquela onde circulava o BE junto ao passeio e a um candeeiro ali existente, a cerca de 8,30 metros do local do embate (resposta ao nº 24 da base instrutória); 15.

O local do embate dista cerca de vinte metros para Sul do final da passadeira, atento o sentido de marcha de B... (resposta ao nº 25 da base instrutória); 16.

O embate entre o pesado conduzido por...

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