Acórdão nº 1900/10.5TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelMÁRCIA PORTELA
Data da Resolução15 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 1900/10.5TBVFR.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B…, Ld.ª, intentou acção declarativa de condenação com processo comum sob a forma ordinária contra Companhia de Seguros C…, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 32.520,00 já liquidada e correspondente aos danos sofridos até 3 de Fevereiro de 2010, acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento, bem como a quantia que se apurar em incidente de liquidação relativa à indemnização pelos prejuízos resultantes do parqueamento da viatura sinistrada, aquisição de veículos, e a quantia de € 30,00 desde o dia do acidente ou do dia em que se considera perda total, indemnização devida pela paralisação e privação do uso, até que seja reparado ou substituído o veículo sinistrado ou a A. receba o valor do mesmo.

Alegou para tanto, e em síntese, que celebrou um contrato de locação tendo por objecto uma viatura OPEL …, que cumpriu integralmente, tendo no quadro desse acordo celebrado com a R. um contrato de seguro que incluía o ressarcimento de danos próprios.

E que em 2006.02.03 teve um acidente com esse veículo, sem a intervenção de terceiros, de que resultou a perda total do veículo seguro, o que foi comunicado à R., que, todavia, propôs apenas a indemnização de € 4.927,13.

Afirma que, em consequência do sinistro e conduta da R., sofreu os seguintes danos: a) € 10.000,00, a título de dano da perda do veículo; b) € 12,00 mais IVA diários, a título da despesa de aparcamento que a autora irá suportar; c) € 30,00 diários a titulo de privação da utilização do veículo; d) As quantias que discrimina que teve de despender na aquisição de veículo de substituição.

Contestou a R. excepcionando a ilegitimidade da A. por esta não ser a proprietária do veículo, e, por impugnação, afirma que tempestivamente efectuou a proposta do valor devido nos termos do contrato pelo que não é devida qualquer quantia a título de privação de uso, acrescentando que só é responsável nos termos do contrato de seguro que não incluiu os restantes danos peticionados.

Replicou a A., pugnando pela improcedência da excepção.

Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade deduzida e foi fixada matéria de facto relevante.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 5.718,21, acrescida de juros de mora, à taxa comercial desde a citação até integral pagamento, mantendo a A. a propriedade dos salvados do veículo ..-..-TD, no mais absolvendo a R. dos pedidos contra si formulados.

Inconformada, recorreu a A., apresentando as seguintes conclusões: «I. A sentença nos presentes Autos, na parte em que é absolutória da Ré ao declarar a inexistência do direito da Autora de ser ressarcida pelo dano de privação do uso a título de danos indirectos ou lucros cessantes, e na fixação do montante indemnizatório, não aplicou o direito e manifestamente não fez justiça, pelo que o presente recurso vem interposto apenas quanto à matéria de direito.

  1. O presente Recurso vem assim interposto da sentença proferida a fls…. e ss dos autos de 28 de Abril de 2011, nos termos da qual foi decidido, que o pedido da Autora era improcedente no que concretamente diz respeito: III. à nulidade da sentença quando fundamenta juridicamente a decisão quanto à perda total; IV. improcedência quanto ao pedido da Autora pela ressarcibilidade do dano de privação de uso; V. improcedência do pedido da Autora quanto às despesas decorrentes da imobilização; VI. o consequente montante indemnizatório decidido.

  2. No que concerne à determinação da indemnização por perda total, a decisão do Tribunal “a quo” nesta parte, padece da mais clamorosa nulidade por falta de fundamentação de direito, nos termos do art. 668º n º 1, alínea b) do C.P.C, nulidade essa que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

  3. E isto porque, o Tribunal “a quo” faz uma referência expressa a um Decreto-Lei que, pese embora não se aplique ao caso em análise, uma vez que os factos ocorreram em 3 de Fevereiro de 2006, e o DL n º 83/2006 de 3 de Maio entrou em vigor apenas em 1 de Agosto de 2006, apenas fá-lo como mera norma interpretativa o que até é compreensível.

  4. E, ao fazer uma referência expressa a tal Decreto-Lei, apenas como norma interpretativa, acaba por servir-se desse mesmo normativo como base legal que fundamenta e justifica o processo decisório.

  5. Ora é com total estranheza que a Autora encontra a referência e expressa a este Decreto-lei como forma de interpretação ou fundamentação do processo decisório.

  6. E a estranheza da Autora não se deve ao facto de este diploma ter entrado em vigor apenas em 1 de Agosto de 2006 e por conseguinte não se aplicável à data dos factos que são de 3 de Fevereiro de 2006; mas deve-se antes ao facto desse decreto-lei ter sido revogado pelo Decreto-Lei 291/2007 de 21 de Agosto, pelo que o Tribunal “a quo” utilizou um diploma inexistente no nosso ordenamento jurídico, um Decreto-Lei cuja a vigência já tinha cessado, para fundamentar juridicamente a sua decisão. E ao fazê-lo, esvaziou de fundamento jurídico essa mesma decisão referente ao quantum indemnizatório, pois que tal diploma tendo sido expressamente revogado, é inexistente.

  7. A decisão do Tribunal “a quo” padece de nulidade por falta de fundamentação de direito na parte em que utiliza do Decreto-Lei 83/2006 de 3 de Maio, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos, nos termos e para os efeitos do art. 668 º n º 1, alínea b) do C.P.C XIII. A improcedência do pedido da Autora quanto aos danos referentes à privação do uso e das despesas decorrentes da imobilização, também merecem os maiores reparos da Autora, impondo-se nova decisão juridicamente mais adequada.

  8. A este propósito, decidiu o Tribunal “a quo” que para além dos danos directos previstos no programa contratual, a privação do uso enquanto dano indirecto ocorrido no património do credor, quando não expressamente previsto na apólice, não é exigível pela Autora.

  9. A sentença do Tribunal “a quo” começa por referir que altura do ainda em vigor art. 432º n º 2 do Código Comercial, decorria que “a seguradora apenas está obrigada, face ao tomador do seguro, nos precisos termos do contrato de seguro de dano próprio celebrado, não sendo devida indemnização por danos que não estejam cobertos”.

  10. Ora, com o devido respeito, não é exactamente isso que decorre do já revogado art. 432º mas sim que: “O seguro contra riscos pode ser feito”, elencando os temas ou matérias sobre as quais podem versar as cláusulas do contrato.

  11. Ora, quanto ao pedido de indemnização pelos lucros cessantes ou danos indirectos não é verdade que, no contrato de seguros ora em apreço, junto a fls 42 a 43 as partes não convencionaram expressamente essa indemnização. Aliás, a cláusula 7.ª das condições gerais determina o âmbito da responsabilidade do seguinte modo: “Nos termos das adendas celebradas com os fornecedores, estes respondem perante o CLIENTE por todos os danos ou prejuízos decorrentes de deficiências ou defeitos na execução dos serviços ou lhe foram cometidos ao abrigo do presente contrato, não podendo por isso ser exigida qualquer indemnização ao D…, SA”.

  12. Ora, “todos os danos” entendemos “danos directos e indirectos”.

  13. Mas, mesmo que se defenda tese contrária, ou seja, que se defenda que não há uma previsão expressa dos “danos indirectos” na apólice ora em apreço, também não se pode afirmar que há uma cláusula de exclusão expressa e absoluta desses danos no contrato junto aos Autos, pelo que, na falta de previsão das partes, impunha-se a aplicação dos princípios gerais em matéria indemnizatória; e, ao não recorrer aos princípios gerais da indemnização, mal andou o Tribunal “a quo” ao absolver a Ré desse pedido.

  14. Ora, como elucida Antunes Varela, “danos directos … são os efeitos imediatos do facto ilícito ou a perda directa causada nos bens ou valores juridicamente tutelados” e “danos indirectos … são as consequências mediatas ou remotas do dano directo” – v. “Das Obrigações em Geral”, 4ª edição, Vol. I, págs. 527/528.

  15. Também Vaz Serra faz essa distinção nos seguintes termos: dano directo ou imediato é a modificação prejudicial que no bem atingido pelo facto danoso é causada por este mesmo facto; aparece primeiro como dano real e a sua extensão resulta da comparação entre o estado actual do bem danificado e o seu estado antes de ser danificado. O dano indirecto ou mediato compreende os prejuízos que mais tarde se juntam e, em regra, se dão, não no próprio objecto do dano, mas só no património – v. “Obrigação de Indemnização”, no BMJ n.º 84.

  16. Tendo presente o artigo 564 n.º 1, do CC, no qual se afirma que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e a distinção, acabada de fazer, entre danos directos (imediatos) e danos indirectos (mediatos), parece-nos que a Ré tem de responder pelos mesmos.

  17. Por outro lado, igualmente os artigos 798º e 804 nº 1 do Código Civil, ao referirem-se concretamente à responsabilidade contratual não distinguem entre uma e outra classe de danos.

  18. Aliás não deixa de causar algum espanto que o Tribunal “a quo” para fundamentar a sua decisão faça referência a alguns dos princípios gerais da indemnização – concretamente faz referência aos art. 562 º e 566 º do Código Civil – para depois fazer completa tábua rasa do art. 564 º, ignorando por completo tal dispositivo legal.

  19. Somos portanto de defender, afincadamente que, na responsabilidade civil contratual são indemnizáveis os danos não patrimoniais que mereçam a tutela do direito, ao contrário do decidido pelo Tribunal “a quo”.

  20. E a Autora não está só na defesa deste entendimento.

    XXVI I. A este propósito importa subscrever integralmente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/06/2005, in dgsi.pt, processo 05B1526, o qual chamamos aqui à colação...

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