Acórdão nº 4810/10.2TBVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 08 de Maio de 2012
Magistrado Responsável | ONDINA CARMO ALVES |
Data da Resolução | 08 de Maio de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Apelação Nº 4810/10.2TBVFR .P1 Processo em 1ª instância – 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira Sumário (art.º 713º nº 7 do CPC) 1. Face às finalidades do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação não poderá ser recusada a prática de um acto jurídico de reparcelamento de um terreno integrado dentro do perímetro urbano, através de uma partilha de herança, em parcelas de dimensão reduzida.
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A necessidade de cumprimento de uma área de unidade mínima de cultura apenas terá de ser observada caso o prédio seja para afectar a fins agrícolas.
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O fraccionamento de terrenos para construção fica sujeito ao regime dos loteamentos urbanos, sempre que esteja em causa a constituição de novos prédios destinados imediata ou subsequentemente à construção urbana.
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIO O MINISTÉRIO PÚBLICO, intentou contra: 1. B…, residente na Rua …, nº .., …, Santa Maria da Feira; 2. C… E D…, residentes na Rua …, nº …, …, Santa Maria da Feira; 3. E… E F…, residentes na Rua …, nº …, …, Santa Maria da Feira; 4. G… E H… (após incidente de intervenção principal); 5. I… E J… (após incidente de intervenção principal), acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pede seja declarada nula a escritura de fraccionamento, comunicando-se a declaração de nulidade aos Serviços de Finanças de Santa Maria da Feira - 3 para eliminação dos novos artigos 1184 e 1185 da freguesia de … e 2851 e 2852 da freguesia de … e reactivação dos artºs 203º da freguesia de … e 1713º da freguesia de ….
Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão nos termos seguintes: 1. Os réus são donos e podem dispor, na qualidade de únicos interessados na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de K…, dos prédios rústicos: ● terreno a pinhal e mato com a área de 2600 m2, sito no …, freguesia de …, Santa Maria da Feira, inscrito na matriz predial rústica sob o art° 203º, descrito na competente Conservatória sob o nº 292; ● terreno a pinhal e mato com a área de 5002 m2, sito no …, à Rua …, freguesia de …, Santa Maria da Feira, inscrito na matriz predial rústica sob o art° 1713º, descrito na competente Conservatória sob o na 1304.
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No dia 20 de Julho de 2009, no Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, sito na Rua … na ., .. dtº, os Réus fizeram o reparcelamento dos referidos prédios nos seguintes termos e parcelas: ● o prédio inscrito na matriz sob o artº 203 foi fraccionado em duas parcelas, uma com a área de terreno de 1370 m2 e outra com a área de 1300 m2 e, ● o prédio inscrito na matriz sob o art° 1713 foi fraccionado em duas parcelas, uma com a área de terreno de 2601 m2 e outra com a área de 2601 m2, violando o artº 1376º do Código Civil e a Portaria 202/70 de 21 de Abril, pois que, de acordo com essas normas legais, não podem fraccionar-se em parcelas inferiores a 2 hectares.
Citados, os réus contestaram, impugnando os factos alegados e suscitaram a excepção de ilegitimidade passiva, por não estar em juízo G… e marido H… e I… e mulher J…, demais intervenientes na escritura, alegando que a divisão de um prédio rústico em parcelas não destinadas imediatamente a urbanização ou edificação passou a depender unicamente da vontade dos proprietários e deixou de ser, a partir da entrada em vigor da Lei na 60/2007, acto anulável pelo que a escritura pública outorgada não padece de qualquer vício.
Concluíram pedindo a sua absolvição do pedido.
A excepção de ilegitimidade passiva ficou suprida com a intervenção principal, do lado passivo, de G… e marido H… e I… e mulher J…, os quais citados para os termos da acção, não apresentaram contestação.
Por entender que os autos permitiam, sem necessidade de mais provas, a apreciação do mérito da causa, o Tribunal a quo, proferiu desde logo decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo a presente acção improcedente, e em consequência absolvo os Réus do pedido formulado pelo Autor.
Inconformado com o assim decidido, o MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente: i. No caso em apreço, o negócio jurídico que o Ministério Público considera ilegal e anulável teve por objecto dois prédios ou terrenos rústico: a. um prédio ou terreno rústico - terreno a pinhal e mato, com a área de 2600 m2 (dois mil e seiscentos metros quadrados), sito no …, Freguesia de …, Concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 203, com o valor patrimonial de € 30,87 (trinta euros e oitenta e sete cêntimos), descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 292, da Freguesia de … (v., na douta sentença recorrida, factos considerados provados documentalmente); e b. um prédio ou terreno rústico - terreno a pinhal e mato, com a área de 5002m2 (cinco mil e dois metros quadrados), sito no …, à Rua …, Freguesia de …, Concelho de Santa Maria da Feira, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1713, com o valor patrimonial de € 93,02 (noventa e três euros e dois cêntimos), descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 1304, da Freguesia de … (v., na douta sentença recorrida, factos considerados provados documentalmente).
ii. O quadro legal relativo ao emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas é definido pelo Código Civil, art.º 1376.° a 1382.° (conjugando-se o art. 1376.°, com a Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril), bem como pelo Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março, estabelecendo o primeiro as bases gerais do emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas, que o segundo desenvolve.
iii. Os Réus não procederam a reparcelamento de cada um dos seus prédios – individualmente um só prédio, uma só parcela de terreno, que antes do acto anulável não tinha sido objecto de qualquer divisão -, mas ao seu fraccionamento (o prédio sito na Freguesia de …, dividido em duas parcelas, uma com a área de 1370 m2 e outra com a área de 1300 m2; e o prédio sito na Freguesia de …, dividido em duas parcelas, uma com a área de 2601m2 e outra com a área de 2600m2).
iv. Tal acto manifestamente ilegal, porque contrário ao citado regime do relativo ao emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos, designadamente ao disposto no art. 1376.°, n.° 1, do Código Civil e na Portaria n.º 202/70, de 21 de Abril, que proíbem o fraccionamento os terrenos aptos a cultura, da região de …, de área inferior a 2 hectares.
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A norma do n.° 3 do art. 4.° do Decreto-Lei n.º 555/99 não se aplica a prédios rústicos.
vi. O próprio Decreto-Lei n.º 555/99, no seu art. 50.°, n.°1, exclui a aplicação do n.º 3 do art.º 4.° ao fraccionamento de prédios rústicos, ao dispor: «ao fraccionamento de prédios rústicos aplica-se o disposto no Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro e no Decreto-lei n.º 103/90, de 22 de Março».
vii. A definição de reparcelamento consta do art. 131.º, n.° 1, do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro - Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial: O reparcelamento da propriedade é a operação que consiste no agrupamento de terrenos localizados dentro de perímetros urbanos delimitados em plano municipal de ordenamento do território e na sua posterior divisão ajustada àquele, com a adjudicação das parcelas resultantes aos primitivos proprietários ou a outras entidades interessadas na operação.
viii. Nos art.º 132.°, 133.° e 134.° do RJIGT fixam-se os critérios para o reparcelamento, enunciam-se os efeitos do reparcelamento e estabelece-se a obrigação de urbanização, resultante da operação de reparcelamento.
ix. Conjugando estas normas do RJIGT com a do art.º 4.°, n.º 3, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, afigura-se-nos que a última apenas dispensa de sujeição a licenciamento, concedendo aos proprietários liberdade para solicitarem ou não o licenciamento, os actos de reparcelamento da propriedade, tal como estão previstos no RJIGT, quando de tais actos resultem parcelas não destinadas imediatamente a urbanização ou edificação.
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Reparcelamento, em sentido corrente, é a acção de fragmentar, de dividir, de novo, em parcelas. Ou seja, constituir novas parcelas a partir de parcelas já existentes.
xi. As normas do Código Civil relativas ao fraccionamento de prédios rústicos, assim como o Decreto-Lei 384/88, de 25 de Outubro, e o Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março, continuam em vigor, porque não foram revogadas expressa ou tacitamente pela Lei n.º 60/2007, de 04/09, nem por qualquer outro diploma legal.
Pede, por isso, o apelante, que seja revogado o despacho saneador/sentença recorrido, e ordenada a prolação de novo despacho saneador, devendo os autos prosseguir os seus termos normais, julgando-se a final procedente, por provada, a acção de anulação de fraccionamento de prédio rústico intentada pelo Ministério Público.
Responderam os réus/recorridos, defendendo a manutenção do decidido e formulando as seguintes CONCLUSÕES: i. O negócio jurídico constante da escritura pública outorgada em 20 de Julho de 2009 é completamente válido, uma vez que respeita e cumpre com o preceituado pelo artigo 4°, nº 3, do Dec. Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro (regime jurídico da urbanização e edificação), com as alterações pela Lei nº 60/2007, de 04 de Setembro.
ii. Ora, em súmula, vem agora a recorrente dizer que a Mma. Juiz do Tribunal a quo alicerçou toda a sua construção jurídica num pressuposto errado, ou seja, que o citado decreto-lei não se aplica ao caso em apreço. Salvo o devido respeito, quem alicerçou toda a sua construção jurídica em pressupostos errados, esse alguém foi a recorrente, que chega ao ponto de confundir situações e contrariar princípios basilares do Direito sem para tal ter qualquer sustentação, quer legal, quer jurisprudencial.
iii. A recorrente confunde reparcelamento de prédios...
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