Acórdão nº 2182/09.7TBTVD.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Maio de 2012

Magistrado ResponsávelJORGE LEAL
Data da Resolução03 de Maio de 2012
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 15.9.2009 “A” intentou no Tribunal Judicial de T... ... ação declarativa de condenação, com processo sumário, contra Auto “B”, Lda.

O A. alegou, em síntese, que em junho de 2008 adquirira à R. um veículo de marca Jeep, Grand Cherokee, do ano de 1999, pelo preço de € 13 000,00. Na data da sua aquisição a dita viatura aparentava estar em bom estado de conservação e utilização e servir para o fim e funções a que se destinava e as quais eram as de circular e fazer conduzir o A. e a sua família e transportá-los onde desejassem. Para pagamento do preço de aquisição da viatura o A. celebrou com o Banco “C” Portugal S.A. um contrato de financiamento para aquisições a crédito, no valor global de € 21 960,00, acrescido do valor de € 152,52 de despesas contratuais, a pagar em 72 prestações mensais no montante de € 305,00 cada, com início em 25.7.2008, valor esse correspondente ao preço de aquisição da viatura acrescido de encargos financeiros de € 8 960,00. O A. e a R. acordaram que o veículo teria uma garantia de 2 anos. Não obstante o A. dar à viatura uma utilização prudente, um mês depois da data da aquisição da mesma o A. detetou problemas vários e defeitos na mesma (que discrimina), cuja reparação reclamou à R.. Porém, apesar da reparação aparentemente feita, o veículo continuou a apresentar defeitos que impediam a sua circulação e que a R. acabou por se recusar a reparar. O A. não tem podido utilizar a viatura e no entanto tem continuado a pagar ao Banco as prestações relativas ao referido contrato de financiamento. Por força da aplicação da Legislação de Defesa do Consumidor e dos artigos 913.º e 908.º e seguintes do Código Civil o A. tem direito à anulação do contrato de compra e venda celebrado com a R., devendo a R. indemnizar o A. do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada. Designadamente, deve a R. suportar todas as despesas e encargos que o A. teve e tem ao assumir o compromisso financeiro com o Banco “C” relativamente ao crédito que contraiu para aquisição da dita viatura.

O A. terminou pedindo que: A) O contrato de compra e venda celebrado entre o A. e a R. relativo à viatura automóvel da marca Jeep, modelo Grand Cherokee 4.7L V8 do ano de 1999, matrícula 00-00-NO fosse anulado; B) A R. fosse condenada a indemnizar o A. do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada, no montante de 22.112,52 €.

A Ré contestou, arguindo a caducidade dos direitos do A., invocando abuso de direito por parte do A. e negando a invocada existência ou permanência de defeitos. Em reconvenção, para o caso de a ação ser julgada procedente, pediu a condenação do A. no pagamento à R. do valor correspondente à desvalorização do veículo pelo uso e tempo decorrido entre junho de 2008 e a entrega do veículo à Ré, por força da decisão de anulação que vier a ser proferida, a liquidar em execução de sentença.

O A. replicou, pugnando pela improcedência das exceções aduzidas e do pedido reconvencional.

Foi proferido despacho saneador em que se admitiu o pedido reconvencional e se relegou para final a apreciação das exceções de caducidade e de abuso de direito. Procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e controvertida.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento que culminou com decisão sobre a matéria de facto.

Em 21.7.2011 foi proferida sentença, na qual se emitiu o seguinte dispositivo, que se transcreve: “Nestes termos, julga-se: a) A acção totalmente procedente, por provada e, em consequência: - Declara-se anulado, por erro, o contrato de compra e venda celebrado entre o A. e Ré relativo à viatura automóvel da marca Jeep, modelo Grand Cherokee 4.7L V8 do ano de 1999, matrícula, condenando-se o A. a restituir à Ré o referido veículo, nos termos do artigo 289.º n.º 1 do C. Civil; - Decide-se condenar a Ré a pagar ao A. o montante de € 22.112,52 (vinte e dois mil, cento e doze euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de indemnização pelo prejuízo que o A. não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada; b) As excepções peremptórias deduzidas pela Ré totalmente improcedentes, por não provadas; e c) A reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência absolve-se o A. do pedido reconvencional contra si formulado pela Ré.

” A Ré apelou da sentença, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões: I. Existe uma contradição insanável entre as disposições legais aplicadas.

  1. Os artigos 909° e 564° ambos do CC referem-se ambas a formas de cálculo de indemnização mas o conteúdo é divergente entre si.

  2. O Tribunal considerou a anulação do negócio com fundamento em erro, pelo que só pode ser condenado a indemnizar a título de danos emergentes.

  3. Os lucros cessantes, apenas são contabilizados em indemnização por dolo, ou outro tipo de indemnização para a qual não exista norma legal específica.

  4. Apesar de a douta sentença fazer referência ao art. 909.° do CC., que se refere à forma de indemnização em caso de simples erro, e que é a disposição aplicável ao caso em apreço, acaba por aplicar o art. 564.° do C.C., para condenar a Ré num montante de indemnização superior à exigível.

  5. No nosso ordenamento jurídico, existem normas gerais e normas especiais.

  6. O art. 564.º é uma norma geral.

  7. Sendo, por isso só aplicável na ausência de uma norma legal específica que determine para um caso em concreto qual o tipo de danos que são indemnizáveis.

  8. O artigo 909.° é uma norma específica para os casos de indemnização em caso de mero erro.

  9. Derroga o art. 909.°, o previsto no art. 564.°, quanto a casos de indemnização em caso de simples erro.

  10. Há assim violação do art. 909.°.

  11. Não pode o tribunal condenar em indemnização diversa da que vem prevista no art. 909.° do CC.

  12. Devendo o recorrente ser condenado a indemnizar o A., apenas pelos danos emergentes do contrato e nunca pelos lucros cessantes.

  13. Acresce que o valor de indemnização não foi devidamente calculado.

  14. A Recorrente foi condenada no pagamento de € 22.112,52, quando apenas recebeu pela venda do veiculo a quantia de € 13.000,00.

  15. Foram incluídas quantias dispendidas a título de encargos financeiros com o contrato de mútuo celebrado pelo A. com uma instituição bancária.

  16. A indemnização por simples erro limita-se aos danos emergentes do contrato, logo a prejuízos sofridos directamente em consequência do erro determinante da anulação do negócio.

  17. A quantia restante para além dos € 13.000,00 recebidos pelo preço da venda, no valor de € 8.960,00, refere-se a encargos financeiros com o contrato de mútuo.

  18. Os encargos financeiros com o contrato de mútuo, não constituem prejuízos sofridos directamente em consequência do erro determinante da anulação do negócio.

  19. O valor de € 8.960,00 não pode ser valorado em termos de indemnização por simples erro, por aquele valor não caber no espírito do art. 909.º do CC.

  20. A nossa jurisprudência tem vindo a pronunciar-se no mesmo sentido, isto é de que nos casos de indemnização por simples erro, "a indemnização limita-se aos danos emergentes do contrato, o que excluindo, desde logo, os lucros cessastes, não abarca, também, os prejuízos que não sejam os sofridos directamente em consequência do erro determinante da anulação do negócio".

XXII.

"Assim, não podendo, de facto, considerar-se como directamente emergentes do contrato anulado, os gastos suportados pelo A por força do contrato de mútuo que, para aquisição do veículo, paralelamente celebrou" — Ac. da Relação de Coimbra de 17/11/2009 (No mesmo sentido Acórdão da Relação do Porto de 30/09/1993).

A apelante terminou pedindo que fosse dado provimento ao recurso e consequentemente a Ré absolvida do pagamento de parte da indemnização a que foi condenada, concretamente no valor de € 8.960,00, quantia essa apurada a título de gastos suportados pelo A. por força do contrato de mútuo que, para aquisição do veículo, por os mesmos não serem resultantes diretamente em consequência do erro determinante da anulação do negócio.

O Autor contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: 1 - O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito; 2 – Entende a Recorrente que o tribunal a quo não fez uma correcta aplicação do direito, porquanto tendo em conta a prova produzida deveria ter aplicado o disposto no artigo 909.º do C.C. e não, como fez, o disposto no artigo 564.º do C.C.; 3 - Salvo o devido respeito, a tese apresentada pela recorrente carece de qualquer razoabilidade ou fundamento legal, pelo que deverá ser mantida, na íntegra, a Douta Sentença Recorrida; 4 - Ficou provado conforme a douta sentença proferida, que a ré vendeu uma coisa defeituosa ao A. (um veículo em segunda mão), situação integrada nos termos e para os efeitos dos artigos 913.º e ss do C.C., e ainda Decreto-Lei n.º 67/2003 de 08/04; 5 - Resultou igualmente provado, que a viatura em questão foi adquirida pelo A. para uso não profissional, daí que o A. assumiu, naquele contrato de compra e venda celebrado com a Ré, a qualidade de consumidor, nos termos do artigo 2.º n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31/07.

6 – Nessa qualidade de consumidor goza também do direito de ser indemnizado, podendo esta faculdade ser usada isoladamente ou em conjunto com outros direitos, de acordo com as circunstâncias do caso...

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