Acórdão nº 6584/09.0TBVNG.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelDEOLINDA VARÃO
Data da Resolução15 de Março de 2012
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 6584/09.0TBVNG-P1 – 3ª Secção (Apelação) Acção Ordinária – 1ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia Rel. Deolinda Varão (567) Adj. Des. Freitas Vieira Adj. Des. Madeira Pinto Acordam no Tribunal da Relação do Porto I.

B… instaurou acção declarativa, com forma de processo comum ordinário, contra C….

Pediu que se declare o réu pai do autor, ordenando-se o inerente averbamento ao assento de nascimento deste.

Como fundamento, alegou, em síntese, que o réu teve relações sexuais com a sua mãe no período legal de concepção, sendo namorado da sua mãe e tendo-a abandonado por volta do 4º/5º mês de gravidez.

O réu contestou, invocando as excepções da prescrição e do caso julgado e impugnando os factos alegados pelo autor.

Na réplica, o autor pugnou pela improcedência das excepções.

No despacho saneador, foram julgadas improcedentes as excepções invocadas pelo réu.

O réu recusou-se expressamente a ser submetido à colheita de material biológico para a realização do exame pericial de ADN por duas vezes, sendo a segunda depois de ter sido notificado pelo Tribunal para comparecer no IML sob pena de “…a sua recusa ser apreciada nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do C.C., com inversão do ónus a prova passando a ser da sua responsabilidade provar que não é o pai do Autor o que se irá presumir.” (fls. 81, 82, 87, 89, 92, 94 e 95).

Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

O autor recorreu, formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª – O recorrente não concorda com a douta decisão proferida, e o motivo da discordância assenta no erro de julgamento da matéria de facto, bem como, na errada valoração/apreciação dos efeitos da actuação do réu por se ter recusado a submeter-se à realização do exame pericial de ADN para atribuição, por meios científicos da sua paternidade ao autor, de tal forma grave que conduziu a uma decisão final absolutamente injusta.

  1. – Impugnando-se expressamente a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto, concretamente, as respostas dadas aos pontos de facto constantes do ponto 1) 2) 3) 5) 6) e 7) da base instrutória, incorrectamente julgados, que mereceram por parte do Tribunal a quo a resposta de “Não Provado”, e que mereciam a resposta de “Provado”.

  2. – E os concretos meios probatórios que impunham ao Tribunal a quo uma resposta diferente da dada aos indicados pontos de facto, são os resultantes dos depoimentos prestados pelas testemunhas do autor, D…, E… e F…, conjugada com a recusa, documentalmente comprovada, por parte do recorrido em se submeter ao exame pericial de ADN requerido pelo autor.

  3. – Crendo, também, que a análise da recusa do réu em se submeter a exame pericial de ADN, não será redundante em relação à prova ora mencionada, antes lhe podendo servir de reforço, pelos menos subsidiário.

  4. – Pois a inviabilização voluntária deste meio de prova, por parte daquele de quem unicamente depende, isto é, por parte do aqui recorrido, é um contributo muito forte para abalar a credibilidade do recusante, aqui recorrido, bem como dos meios de prova que este apresentou, dado que os mesmos não foram suficientemente fortes para se imporem por si mesmos.

  5. – Desta forma, e provados que ficam estes factos, o Tribunal a quo, sempre teria que considerar verificada a presunção estabelecida na alínea e) do nº 1 do artº 1871º do CC, e alegada pelo autor, passando a presumir que o recorrido é o pai do autor.

  6. – Para ilidir esta presunção, nos termos do nº 2 do citado normativo, da qual o autor, também, beneficiava face à inversão do ónus da prova produzida nos autos com a sua recusa (artigo 344º nº 2 do CC) sempre o réu teria de ter criado e fazer prova da existência de “dúvidas sérias” sobre a sua paternidade, não bastando qualquer dúvida, dado que, para abalar a presunção legal de que o autor, face à prova que obteve passou a beneficia, o recorrido teria de ter demonstrado a exceptio plurium, ou seja, que a mãe do autor teve relações sexuais com outro ou outros homens durante o período legal de concepção do autor.

  7. – Dúvidas sérias que o recorrido, pelos meios probatórios que apresentou, não conseguiu criar, nem podia, designadamente pelos depoimentos prestados pelas testemunhas do recorrido, G… e H…, amigo e irmão, respectivamente, do recorrido, os quais se limitaram a negar os factos alegados pelo autor, referindo apenas que não conheciam a mãe do autor.

  8. – Na certeza de que este Venerando Tribunal, procederá à alteração das respostas dadas na matéria de facto, quanto aos factos vertidos nos pontos 1), 2), 3), 5), 6) e 7) da base instrutória, nos termos do presente recurso, na sequência da alteração dos factos para provados, deve ser alterada a douta sentença proferida, julgando-se a acção procedente e declarando-se o recorrido pai do autor.

O réu contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

Neste Tribunal, as partes foram ouvidas sobre a possibilidade de condenação do réu como litigante de má fé.

O autor requereu a condenação do réu em multa e em indemnização correspondente a despesas e a honorários do seu Mandatário, que contabilizou em € 2.308,50 e em € 5.500,00, respectivamente.

O réu respondeu, negando que a sua conduta possa ser enquadrada em litigância de má fé.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*II.

O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

A questão que está delimitada pelas conclusões da alegação do apelante é a seguinte: - Alteração das respostas dos quesitos 1º, 2º, 3º, 5º, 6º e 7º.

Q. 1º: O réu mantinha de forma regular relações sexuais com a mãe do autor? Q. 2º: O que sucedeu desde Junho de 1980 até Março de 1981? Q. 3º: Tendo abandonado a mãe do autor em Março de 1981? Q. 5º: O réu ia buscar a mãe do autor a casa para tomarem café, passearem e namorarem? Q. 6º: Visitava-se quase diariamente? Q. 7º: Durante o período legal de concepção do autor, o réu foi a única pessoa com quem a mãe do autor manteve relações sexuais? Todos os mencionados quesitos foram considerados não provados, sustentando o autor que devem ser considerados provados.

À matéria dos quesitos foram ouvidas todas as testemunhas arroladas: D…, E… e F…, arroladas pelo autor; e G… e H…, arroladas pelo réu.

D… é mãe do autor.

Do seu depoimento resulta, em síntese, que conheceu o réu em Junho de 1980 e que pouco tempo depois, iniciou com ele uma relação de namoro, passando a manter com ele relações sexuais, de forma exclusiva, o que sucedeu até Março de 1981, tendo a relação terminado pelo facto de o réu não ter aceitado a paternidade do autor e ter tentado constrangê-la a fazer um aborto.

Duma forma mais pormenorizada, relatou que: - Conheceu o réu numa festa de aniversário da sua irmã E…, de quem o réu era amigo, tendo sido esta a apresentá-los; - Logo nesse dia, o réu quis sair com ela, o que ela inicialmente recusou mas acabou por aceitar; - Mantinham relações sexuais quer na casa dela, quer no carro, tendo passado uma noite em casa de um amigo do réu; - O réu ia buscá-la a sua casa, quase todos os dias à noite e ao Sábado e Domingo à tarde, no carro dele, um Fiat …; - Saíam muitas vezes com a filha dela, que, na altura, tinha 7 anos de idade; - Em finais de Setembro de 1980, o réu foi de férias para … e escreveu-lhe um postal, dizendo que a iria ver quando regressasse; - Engravidou do autor depois de ter recebido esse postal; - Quando conheceu o réu, não tinha nenhum relacionamento amoroso, tendo terminado já o relacionamento que manteve durante sete anos com o pai da sua filha; - Em Março de 1981, foi com o réu e com um irmão e uma cunhada dele, a uma clínica …, tendo-lhe o réu dito que era para uma consulta de ginecologia; - No percurso para essa clínica, o réu disse-lhe que não queria ser pai; - Na clínica, verificou que se pretendia que ela fizesse um aborto; - Depois disso, foi com o réu, com o irmão e com a cunhada dele a um café onde discutiram; - A partir dessa data, nunca mais viu o réu, tendo-lhe ele dito que estava tudo acabado; - Contactou com a mãe do réu, D. I…, quer por carta, quer por telefone, tendo-lhe comunicado o nascimento do autor; - Toda a família do réu teve conhecimento da sua gravidez, tendo o pai do réu ido a sua casa para a “tentar comprar”; - Não usou métodos anticoncepcionais porque quando começou a relacionar-se com o réu estava muito carente, tendo posteriormente marcado consulta para o efeito, mas, entretanto, foi confrontada com a gravidez; - Quando o autor tinha 5 anos, apresentou-o ao irmão do réu, de nome H….

Segue um extracto do seu depoimento para ilustração do que acima ficou dito: Eu conheci-o em 1980, em Junho. Foi-me apresentado pela minha irmã, fomos aos anos da minha irmã com colegas deles, do pai do meu filho, mais uns colegas dele lá de …. Eles davam-se bem com a minha irmã, como não sei. Aonde ele se engraçou comigo e nunca mais me largou. Nesse mesmo dia pediu-se para sair com ele. Ele ia a casa buscar o carro, um Fiat pequenino …. Eu disse que não, mas mesmo assim ele apareceu. A partir daí nunca mais nos largámos. Começamos a sair juntos, a fazer as nossas vidas umas vezes no carro, outras vezes em minha casa. Eu ficava carente porque gostava dele. Ele era uma pessoa com um trato muito bom e com muita educação. Eu para mim acho que era de namoro. Ele vinha à minha casa. Às vezes parava em frente à rua, eu ia ter com ele. Às vezes até a minha filha ia connosco. Ele vinha todos os dias, principalmente à noite e ao Sábado à tarde e ao Domingo à tarde. Eu sair em grupo com alguém, nunca saía. Éramos capazes de nos encontrarmos na rua, no café, mas éramos só os dois que andávamos. Entretanto, havia um colega dele...

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