Acórdão nº 82/05.9IDBRG. G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Março de 2012

Magistrado ResponsávelANA TEIXEIRA E SILVA
Data da Resolução12 de Março de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO Os arguidos “T... & C..., LDA.” e MANUEL C... vieram interpor recurso do acórdão que pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, os condenou nas penas de 200 dias de multa à taxa diária de €30,00 e de 10 meses de prisão substituída por 300 dias de multa à taxa diária de €15,00, respectivamente.

Os arguidos apresentaram as seguintes conclusões: 1. Os recorrentes suscitaram na contestação a questão da proibição de prova decorrente da recolha de documentos e depoimentos em sede de inspecção tributária, sendo que, ao contrário do que se diz no acórdão recorrido, a questão suscitada não tem a ver com os poderes ou com a competência do Director de Finanças para ordenar a instauração e proceder à investigação em matéria penal tributária. 2. É entendimento dos arguidos que erradamente se decidiu quanto a esta matéria, porquanto consta dos presentes autos que a arguida Construções F..., Lda. foi sujeita a uma inspecção tributária, no âmbito da qual se detectaram irregularidades fiscais e, na sequência das quais, foi determinado à aludida empresa, ao seu representante legal – aqui co-arguido – e aos técnicos oficiais de contas que para essa empresa trabalharam, que fornecessem informações, documentos e prestassem declarações que constam dos autos.

  1. Por seu lado, também a T... & C..., LDA. foi alvo de inspecção tributária que tramitou na Direcção de Finanças de Braga sob o nº 51012356, sendo alvo de idêntica investigação e recolha de elementos.

  2. No âmbito do procedimento de inspecção tributária, o sujeito passivo do imposto está sujeito e obrigado ao dever de cooperação, cominando a lei com a aplicação de métodos indirectos a falta de cooperação, nos termos do artº 10º do mesmo diploma, sendo que o sujeito passivo deve facultar à inspecção todas as condições necessárias à eficácia da sua acção, designadamente livre acesso às instalações e dependências da entidade inspeccionada pelo período de tempo necessário ao exercício das suas funções, tendo ainda os inspectores direito ao exame, requisição, e reprodução de documentos em poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos (cfr. o artº 28º nº1 e 2 do supra citado diploma).

  3. A todos estes direitos dos inspectores tributários, acrescem ainda aqueles constantes do disposto nos artºs 29º e 30º do diploma em causa, aos quais correspondem os deveres para os sujeitos passivos, designadamente, de prestar declarações, deixar aceder, consultar e testar sistemas informáticos, correspondência recebida e expedida, apreender elementos de escrituração ou quais quer outros elementos, etc, etc, etc… 5. Foi, pois, com todo este à vontade que os inspectores tributários circularam nas instalações das arguidas F... e T... & C..., obtendo da parte dos arguidos representantes legais toda a cooperação que lhes é exigida pela Lei Tributária, mas que, em nenhum momento se coadunam com os direitos conferidos aos arguidos, com o princípio da proporcionalidade e com os princípios inerentes aos meios de obtenção de prova e meios de prova.

  4. Com efeito, a obtenção de documentos, cópias, acesso aos sistemas informáticos e correspondência no âmbito do processo penal, estão devidamente reguladas e têm de obter despacho do Juiz de Instrução, que, por isso mesmo, é apelidado de Juiz das Liberdades, pelo que, não pode manter-se nos autos prova que, obtida no âmbito da inspecção tributária, não respeitou, nem respeita os princípios estruturantes do processo penal português.

  5. Há, na inspecção tributária, uma actividade pré-investigatória que se desenrola sem que exista o mínimo controlo jurisdicional da autoridade judiciária ou dos órgãos de polícia criminal e que, como tal, escapa ao seu controlo, pelo que, os meios de prova que sejam carreados para o processo penal, oriundos do processo de inspecção tributária, não podem ser valorados em sede processual penal, sob pena de violação do princípio do Estado de Direito, do acusatório, das garantias de defesa, da presunção da inocência e da garantia jurisdicional (Neste sentido, Jorge dos Reis Bravo, in “Direito Penal dos entes colectivos”, Coimbra Editora, 2008, pag. 309, supra citado e também o estudo de Liliana da Silva Sá “O dever de cooperação do contribuinte versus o direito à não auto-incriminação”, publicado in Revista do Ministério Público, nº 107, Julho-Setembro de 2006, pag. 121 e seguintes. 8. Na verdade, “(…) os direitos do arguido a não prestar declarações sobre os factos que lhe são imputados e a não fornecer provas que o possam incriminar são uma dupla consequência do princípio da presunção da inocência, ou seja, é exactamente porque ele beneficia desta presunção (que determina a inversão do ónus da prova), devendo mesmo ser absolvido em caso de dúvida acerca da autoria da infracção penal (é o conhecido princípio in dubio pro reo), que o arguido não pode assumir a dupla veste de investigador e investigado.” 9. Ora, “Os métodos proibidos de prova estão previstos no artº 126º do CPP, o qual não refere expressamente o princípio da presunção da inocência. Todavia, a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) considera que ele se identifica com o princípio in dubio pro reo e constitui um dos fundamentos da proibição de obtenção de declarações comprometedoras através de meios irregulares de prova.

  6. Neste sentido, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem “(…) num acórdão que é considerado um marco no reconhecimento destes direitos a qualquer pessoa sob investigação, resultante do julgamento do processo Funke vs. France considerou ter sido violado o artº 6º nº1 do CEDH, na medida em que as características particulares da legislação aduaneira não justificam a violação do direito do arguido a permanecer em silêncio e a não contribuir para a sua incriminação.

  7. Todos os actos praticados pelos órgãos de polícia criminal em momento anterior à transmissão da notícia do crime ao MP não integram qualquer fase processual, uma vez que a decisão de abertura do processo, que se inicia com a fase de inquérito, pertence ao MP não se prevendo qualquer fase pré-processual. Tais actos apenas integrarão o processo após um acto decisório da autoridade judiciária, que, nesse momento assumirá a responsabilidade pelos mesmos.

  8. Por outro lado, o TEDH no “(…) caso Saunders vs United Kingdom foi mais longe nas consequências que retira do artº 6º, reconhecendo que a utilização em processo penal das provas (no caso, declarações) obtidas num processo administrativo de investigação anterior, mediante a imposição coactiva de um dever de colaboração sobre o investigado, viola o direito a um processo equitativo.” 13. Quer isto dizer que os documentos constantes de fls. 36 e seguintes, 47 a 62, os documentos constantes dos anexos, maioritariamente constituídos por facturas e outros documentos fiscalmente relevantes “detectados em vários clientes – incluindo os recorrentes – emitidas pelo contribuinte” e outros extraídos do processo de inspecção tributária não podem ser valorados como prova.

  9. E, por outro lado, o depoimento da testemunha Eduardo F... que dirigiu a inspecção tributária, na medida em que teve acesso, durante a inspecção tributária realizada à empresa Construções F..., Lda. também não poderia ser valorado, porquanto o seu conhecimento dos factos advinha da inspecção tributária realizada (conforme se verá da sua transcrição) e, em consequência, de meios de prova obtidos ilegalmente em face do processo penal.

  10. Devem, assim, os meios de prova carreados para os autos através da inspecção tributária realizada às arguidas Construções F... e T... & C..., LDA. e o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT