Acórdão nº 1370/05.0TBBNV.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 08 de Março de 2012
Magistrado Responsável | PEDRO MARTINS |
Data da Resolução | 08 de Março de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
“A” instaurou a presente acção a 26/09/2005 contra “B”, SA, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos na sequência da colisão do veículo ligeiro de passageiros segurado na ré e responsável pelo acidente, com a matrícula 00-00-SX, com o motociclo de matrícula 1SMG-00-00, conduzido pelo autor, seu proprietário.
Pede o seguinte: a) a suportar todas as despesas que o autor faça, quer directamente por si, quer por terceiros, em seu proveito e por pura necessidade, até que se mostre clinicamente curado, com ou sem incapacidade para o trabalho, quer com despesas médicas e medicamentosas, quer com quaisquer outras conexas com o acidente e com a sua recuperação clínica, e que até esta data (28/09/2005) se liquidam em 1934,78€; b) a pagar ao autor o montante mensal equivalente à retribuição mensal que auferia na data do acidente, isto é, 1050,00€, a prestar desde a data do acidente e até que o autor possa retomar a sua actividade profissional, sem qualquer incapacidade, ou lhe seja fixada, e paga, indemnização devida pela incapacidade permanente de que venha a padecer, sem prejuízo do acordo efectuado em sede da providência cautelar. Até 31/08/2005 são devidos ao autor 11.550€, incluindo neles o subsídio de férias e tempo de férias, já vencidos e o subsídio de Natal, a vencer em 30/11/2005; c) a ser-lhe fixada incapacidade total e permanente, que lhe seja paga uma prestação mensal e vitalícia, no montante de 1050€ (ou o valor que o autor vier a provar que é a sua retribuição mensal ilíquida), actualizada em Janeiro de cada ano, conforme o índice de inflação a publicar pelo Instituto Nacional de Estatística, e referente ao ano anterior; d) a indemnizar o autor pelos danos morais sofridos, e bem assim pelos danos morais que continua a sofrer, liquidando os sofridos até esta data em 60.000€, e relegando para execução de sentença o montante global a este título, a fixar em face aos padecimentos de que ainda será vítima e, pela incapacidade, total ou parcial, de que vier a ser portador; e) a indemnizar o autor pelos danos morais que venham a ocorrer até ter alta médica definitiva, sem prejuízo de incapacidades permanentes, totais ou parciais, e que venham a justificar pedido de indemnização por danos morais, tudo a liquidar em execução de sentença; f) por todas as despesas que venha a realizar, conexas com o acidente, a liquidar em execução de sentença; g) em assegurar todos os tratamentos e intervenções médicas e hospitalares que se justifiquem até alta médica definitiva; h) em indemnizar o autor pela perca de retribuição que possa ocorrer se o autor ficar incapacitado para o trabalho, total ou parcialmente e a liquidar em execução de sentença; i) a reembolsar o autor das despesas feitas por si, ou no seu interesse directo, para que lhe fossem prestados serviços, com táxis (200€), ambulância (113,40€), comboios (20,50€) autocarros (5,20€) e medicamentos (6,78€), que o autor desembolsou no montante global de 345,88€.
Contestou a ré, aceitando que a culpa do acidente foi da exclusiva responsabilidade da sua segurada, devendo a acção ser julgada parcialmente procedente de acordo com a prova que vier a ser produzida e tendo em conta os montantes que a ré já pagou ao autor no âmbito da providencia cautelar de arbitramento de reparação provisória apensa.
* Depois do julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor: i) a título de danos não patrimoniais, 60.000€, acrescidos de juros à taxa legal, desde o dia seguinte à notificação da sentença e até integral pagamento; ii) a título de danos patrimoniais, 1.943,78€, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento; iii) desde a data do acidente, uma renda mensal vitalícia calculada com base na remuneração mínima mensal que anualmente tenha sido e venha a ser fixada, multiplicada por catorze meses, de forma a incluir o valor dos subsídios de férias e de Natal, e novamente dividida por doze meses, acrescendo a este valor o montante do subsídio de almoço fixado no CCT do sector. Ao valor devido até ao trânsito em julgado desta sentença, será deduzido o valor já pago pela ré ao autor desde 01/09/2005, nos termos da transacção homologada no âmbito do processo de arbitramento de reparação provisória; iv) a pagar as despesas com o internamento do autor na “Casa ...”, a partir do dia 01/06/2005.
* A ré recorre desta sentença – para que seja substituída por outra que condene em valores mais baixos – terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: I. A indemnização fixada pelo tribunal para compensar o autor pelos danos morais sofridos, de 60.000€, afigura-se excessiva assim como a decisão de condenar a ré a pagar-lhe uma indemnização pelo dano patrimonial futuro mostra-se ilegal e desadequada ao caso concreto.
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De acordo com o art. 13/1 do CC: A lei interpretativa integra-se na lei interpretanda, ficando, salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de natureza análoga.
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Em matéria de indemnizações emergentes de responsabilidade civil por acidente de viação, a lei nacional e a interpretação que dela vem sendo feita pela jurisprudência sempre foram no sentido da admissibilidade do ressarcimento do dano morte, danos morais próprios, danos morais dos herdeiros, danos futuros etc., merecem a tutela do direito, embora nenhum lesado em acidente de viação alguma vez tenha ou possa ter tido legitima expectativa em receber determinada quantia em razão de certo dano.
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São frequentes as decisões judiciais que fixam diferentes montantes de indemnização para situações similares.
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O legislador, depois de anos de reflexão sobre o fenómeno do dano corporal emergente dos acidentes de viação em Portugal e da aturada análise e comparação das centenas de milhares de sentenças, tantas vezes contraditórias, proferidas, decidiu-se por estabelecer critérios indicativos, nos termos do disposto no Dec.-Lei 291/07, de 21/08, e da Portaria 377/08, de 26/05.
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O novo instrumento regulador e tabelador dos montantes indemnizatórios devidos por dano corporal emergente de acidente de viação vertido na Portaria 377/08, que entrou imediatamente em vigor reveste, manifestamente, carácter de norma interpretativa dos arts. 496, 562 e 563 do Código Civil pelo que, nessa medida, se deve aplicar, retroactivamente ao casos pendentes, como é o caso dos presentes autos, atendendo a que a sentença ainda não transitou em julgado.
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Ao decidir como decidiu violou a sentença recorrida o disposto nos arts 13, 496, 562 563 e 567, todos do CC, e a Portaria 377/2008, pelo que a sentença, porque ilegal, deve ser revogada e substituída por uma outra que condene a apelada a pagar ao apelante uma indemnização por danos morais de 12.885,71€ e a título de IPP uma indemnização de 47.277€.
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Não cabe aplicar ao caso a norma do art. 567 do CC, uma vez que é o próprio tribunal que declara não saber se a entidade patronal do recorrido estava abarcada pelo ACT do sector tão pouco fazendo sentido recorrer as regras do direito do trabalho uma vez que este acidente foi apenas de viação e [não] de trabalho.
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Para quando se não entenda que a referida Portaria tem ca-rácter interpretativo dos citados preceitos e se aplica, imediatamente, aos casos pendentes, como é o dos presentes autos, mesmo assim, se afiguras, excessivas as indemnizações fixadas, atenta a orientação jurisprudencial recente, pelo que a indemnização final a fixar por dano moral não deverá exceder 15.000€ e pela IP de 17% 50.000€, a pagar de uma só vez, pelo que a sentença deve ser revogada e substituída por uma outra que condene a ré a pagar ao autor uma indemnização por esses valores.
O autor, para além de contra-alegar, defendendo a improcedência do recurso da ré, interpôs recurso subordinado, que terminou com as seguintes conclusões: h) Entendem-se, para os devidos e legais efeitos, reunidos todos os critérios necessários para a procedência do objecto deste recurso, nomeadamente a fixação de uma renda mensal no valor de 1050€, correspondente à retribuição mensal total que o autor auferia à data dos factos, e ainda, i) A atribuição de uma indemnização a título de dano patrimoniais, tal como requerido na PI, j) E bem assim a suportar o pagamento de todas as despesas que o autor faça, directamente por si ou por terceiros, em seu proveito e por pura necessidade, tais como as despesas médicas, medicamentosas e hospitalares ou quaisquer outras conexas com o acidente ou com a sua recuperação clínica, contabilizadas desde a data dos factos até ao fim da sua vida, k) Nomeadamente a passar as credenciais para a assistência hospitalar de que o autor venha a necessitar, e conexas com o acidente de viação que o vitimou.
A ré não contra-alegou.
* Questões que importa resolver: se a Portaria 377/08 tem natureza interpretativa dos artigos do CC aplicáveis ao caso e se os seus critérios deviam ter sido aplicadas no caso; se no caso não podia ter sido aplicada a norma do art. 567 do CC e a ré condenada a pagar uma renda vitalícia; se a indemnização fixada pelos danos morais e a renda vitalícia pela IPP são excessivas perante orientação jurisprudencial recente; se a renda vitalícia devia ser no valor de 1.050€; se a ré também devia ter sido condenada a suportar o pagamento de todas as despesas que o autor faça, directamente por si ou por terceiros, em seu proveito e por pura necessidade, tais como as despesas médicas, medicamentosas e hospitalares ou quaisquer outras conexas com o acidente ou com a sua recuperação clínica, contabilizadas desde a data dos factos até ao fim da sua vida e a passar as credenciais para a assistência hospitalar de que o autor venha a necessitar, conexas com o acidente.
* Foram dados como provados os seguintes factos [os sob alíneas até N) vêm dos assentes...
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