Acórdão nº 262/09.8GBSTC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 06 de Março de 2012
Magistrado Responsável | JOÃO MANUEL MONTEIRO AMARO |
Data da Resolução | 06 de Março de 2012 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº 262/09.8GBSTC, da Comarca do Alentejo Litoral (Santiago do Cacém), foi submetido a julgamento o arguido MN, sendo-lhe imputada a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, nº 1, do Código Penal, e de um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148º, nº 1, do mesmo diploma legal.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual o tribunal decidiu: “a) - Condenar o arguido MN como autor material, sob a forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo a importância global de €1.320,00 (mil, trezentos e vinte euros); b) - Condenar o arguido como autor material, sob a forma consumada, de 1 (um) crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos artigos 148, n.ºs 1 e 3, por referência ao artigo 144º, ambos do Código Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias, no mesmo quantitativo diário, perfazendo €840,00 (oitocentos e quarenta euros); c) - Proceder ao cúmulo jurídico das penalidades indicadas em a) e b), condenando-se o arguido na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, o que à razão diária em evidência, perfaz a importância global de €1.680,00 (mil, seiscentos e oitenta euros); d) - Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização formulado por AD e, consequentemente, condenar a “---, S.A.” a pagar à demandante a importância de €122.014,80 (cento e vinte e dois mil e catorze euros e oitenta cêntimos), a que acrescerão juros moratórios calculados à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento, absolvendo-se no mais aquela demandada do pedido; e) - Condenar o arguido no pagamento das custas e encargos do processo, aí se englobando os encargos com a concessão de apoio judiciários e os honorários devidos ao Ilustre Defensor Oficioso, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) U.C.´s (cfr.
artigos 513º, n.º 1, 514º, n.º 1 e 524º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5 e 16º do Regulamento das Custas Processuais); f) - Custas no domínio cível conexo por demandante e demandada na proporção do respectivo decaimento (artigo 446º do Código de Processo Civil)”.
* Inconformado com a sentença, interpôs recurso o Ministério Público, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões: “1. Limitamos o presente recurso à medida concreta da pena aplicada ao arguido, por se entender, do nosso ponto de vista, que a mesma não assegura os fins das penas nem considera devidamente a gravidade dos factos.
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Afigura-se-nos, salvo o devido respeito, que a douta sentença sob recurso viola os art.º 40º, 70º e 71º, do Código Penal.
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Na sentença recorrida, provou-se que o arguido deu causa a um acidente de viação que teve como consequência directa e necessária a morte de JD.
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O referido acidente de viação também provocou a AD lesões que foram potenciadoras da criação de perigo para a sua vida.
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O arguido exteriorizou arrependimento e pesar face ao desfecho contemplado nos autos e está inserido social e profissionalmente.
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O arguido conduz profissionalmente veículos pesados de mercadorias há cerca de 20 anos e não tem antecedentes criminais.
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Quer no crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo art.º 137º, n.º 1, do Código Penal, quer no crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelos art.ºs 148º, n.ºs 1 e 3, por referência ao art.º 144º, ambos do Código Penal, o Tribunal a quo optou pela aplicação de uma pena de multa.
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Não olvidamos que a pena de prisão se assume constitucionalmente, e bem, como ultima ratio.
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Pugnamos, tão-só, no sentido de que, no caso concreto, se assuma como tendo um peso mais forte no prato da balança a triste realidade da criminalidade rodoviária e as consequentes elevadas exigências de prevenção geral! 10. Os crimes em causa são de elevada gravidade, pois que, ainda que negligentes, causaram a morte a uma pessoa e ofensa à integridade física com perigo para a vida para outra e foram decorrentes de um acidente de viação.
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Não pode a sentença recorrida simplesmente desconsiderar a elevada taxa criminológica de crimes de homicídio por negligência ou outros crime de natureza rodoviária que têm um desfecho trágico! 12. O arguido não confessou os factos e é motorista profissional de pesados há cerca de 20 anos, o que, obviamente, fazia impender sobre ele a obrigação de conduzir ainda com mais diligência e responsabilidade, o que não fez! 13. É nosso entendimento que só a pena de prisão - suspensa - garantirá as finalidades da punição e protegerá os bens jurídicos em causa no caso concreto.
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A jurisprudência dominante dos nossos tribunais de primeira instância e dos nossos tribunais superiores tem aplicado a situações semelhantes à dos autos pena de prisão, ainda que suspensa, reflectindo sempre elevada preocupação quanto à inúmera ocorrência de crimes estradais.
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Diz o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21 de Abril de 2010, proferido no âmbito do Processo n.º 3089/07.8TALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt: “A pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição quando está em causa uma conduta praticada por um motorista profissional de veículos pesados que em excesso de velocidade não consegue fazer parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente e com isso provoca a morte de um terceiro que circulava na mesma faixa de rodagem” (sublinhado nosso).
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Donde, a decisão recorrida incorreu, em face do supra exposto, na violação dos art.ºs 40º, 70º e 71º, do Código Penal, devendo ser alterada quanto à medida da pena, condenando-se o arguido em pena de prisão por cada um dos crimes cometidos e, após cúmulo jurídico, numa única pena de prisão suspensa na sua execução.
Termos em que se requer que o presente recurso seja julgado procedente e, consequentemente, seja a douta sentença recorrida alterada quanto à medida da pena, condenando-se o arguido, pela prática de ambos os crimes, em penas de prisão, e, realizado o cúmulo jurídico, numa única pena de prisão suspensa na sua execução”.
* O arguido não respondeu ao recurso.
Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, concluindo que o recurso merece provimento.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
Efectuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO 1 - Delimitação do objecto do recurso.
Tendo em conta as conclusões acima enunciadas, que delimitam o objecto e poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, a questão que vem suscitada no presente recurso, e em síntese, consiste em saber se ao arguido deve ser aplicada uma pena de multa (como decidido pelo tribunal a quo) ou se, pelo contrário, lhe deve ser aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução (como pretende a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente).
2 - A sentença recorrida.
A sentença recorrida é do seguinte teor (quanto aos factos, provados e não provados): “Factos Provados: Da discussão da causa, com relevância para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes...
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