Acórdão nº 238/10.2PFSTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 28 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelSÉNIO ALVES
Data da Resolução28 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE COMPÕEM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. No processo comum singular que, com o nº 238/10.2PFSTB corre termos no 3º Juízo Criminal de Setúbal, o arguido RM, com os demais sinais dos autos, foi julgado e condenado, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes p.p. pelo artº 40º, nºs 1 e 2 do DL 15/93, de 22/1, na pena de 110 dias de prisão, substituídos por 110 horas de trabalho a favor da comunidade.

Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): «1- O Tribunal a quo limitou-se a efectuar o julgamento do Arguido, ora recorrente, em violação do disposto no Artº 311º, nº 2 a) e nº 3, d) do CPP.

2- O arguido foi condenado pela prática de um crime de consumo de estupefacientes pp. pelo Artº 40º, nºs 1 e 2, do DL nº 15/93, de 22/1, com referência à Tabela I-C, anexa ao citado diploma e ao art.º 9.º° da Portaria n.º 94/96 de 26 de Março.

3- A douta acusação em momento algum refere que a quantidade que o arguido detinha excede a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.

4- Trata-se de um requisito essencial sob pena de a acusação ser rejeitada por manifestamente infundada, o que não aconteceu.

5- Realizando-se mesmo assim o julgamento penal que levou à condenação do arguido, contrariando a jurisprudência tem vindo a entender que é elemento típico do crime de consumo de estupefacientes que a detenção, para consumo próprio, seja superior à necessária para o consumo médio individual durante um período de 10 dias.

6- Face ao historial de toxicodependência do Arguido no momento da prática dos factos, mesmo assim esta questão não foi sequer aflorada pelo douto Tribunal a quo.

7- Ou seja, não se extrai da acusação deduzida que o arguido detinha o produto estupefaciente para consumo próprio em quantidade superior ao permitido por lei, sendo (que) a acusação é omissa quanto a este requisito.

8- O que leva a que a douta Sentença recorrida enferma de uma nulidade insanável, o que acarreta a Absolvição do Arguido.

9- Outra questão que se levanta tendo em conta que estamos perante um crime de consumo de estupefacientes é o facto que se prende com a identificação do grau de pureza do produto estupefaciente apreendido ao arguido.

10- Esta é uma questão de grande importância pois pode levar a que a conduta do arguido seja descriminalizada, passando a ser considerada como mera contra-ordenação penal.

11- Consta do relatório pericial à substância a fls. 31 dos autos, que o exame laboratorial considerou estarmos perante um “peso bruto aproximado de 11.484g e um peso líquido de 11.317g” de canabis (resina).

12- A jurisprudência também tem vindo largamente a pronunciar-se quanto à importância da identificação do grau de pureza do produto estupefaciente.

13- Pois, entender que o produto líquido sem identificação dos respectivos componentes, leva a desconhecer-se a concentração de produto (sic).

14- Nestes tipos de crime (consumo), é imprescindível que se quantifique o produto activo, não se pode atender aos valores de referência uma vez que não foi determinada a percentagem de pureza do mesmo, uma vez que os produtos, regra geral, não são puros, são objecto de cortes e por vezes misturas.

15- Do relatório pericial junto aos autos nada consta sobre a percentagem de substância activa, somente descreve o peso bruto e o peso líquido do mesmo.

16- O que leva a que o douto Tribunal a quo deveria ter tido dúvida quanto à percentagem de produto activo pois todo o processo está ferido de uma nulidade que levará justamente à Absolvição do Arguido, por violação do princípio da legalidade.

17- Face às motivações e conclusões supra, dúvidas não restam que o Arguido, ora recorrente, deverá ser absolvido do crime de consumo de produto estupefaciente».

Respondeu o Digno Magistrado do MºPº na 1ª instância, pugnando pela improcedência do recurso e formulando as seguintes conclusões (igualmente transcritas, estas a partir do suporte informático enviado pela 1ª instância, à excepção da 14ª conclusão, omissa no texto que consta de tal suporte): «1. Do despacho de acusação têm de constar, além do mais, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, e a indicação das disposições legais aplicáveis – alíneas b) e c) do artigo 283º, n.º3, do CPP.

  1. A narração factual deverá ser concisa, clara, rigorosa e objectiva, com frases curtas, de modo a possibilitar respostas directas de provado ou não provado, e sem incluir pormenores irrelevantes, juízos conclusivos, e sem misturar factos com direito.

  2. Estando em causa o crime de consumo de estupefacientes p. e p. pelo artigo 40º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, não é obrigatório que conste da acusação que “a quantidade de estupefaciente que o arguido detinha em seu poder era superior à legalmente admissível para o consumo médio individual pelo período de dez dias”.

  3. Tal afirmação não reproduz um facto, mas uma conclusão extraída do direito aplicável, designadamente da tabela anexa à Portaria n.º 94/96, de 26/03, bastando efectuar um cálculo aritmético para concluir que a quantidade de substância detida pelo arguido é superior ao limite legalmente admissível para o consumo de 10 dias.

  4. Não obstante o arguido não ter interposto recurso do despacho que recebeu a acusação, sempre se dirá que a ausência daquela afirmação da factualidade plasmada na acusação não é fundamento de rejeição da mesma, por não se vislumbrar nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 311º do CPP, nem tão pouco a não rejeição da acusação gera a nulidade da sentença, por não se verificar nenhuma das circunstâncias previstas no artigo 379º do CPP.

  5. Tendo sido dado...

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