Acórdão nº 267/08.6TAVRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes, após conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1 - Relatório.

No Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António corre termos o processo comum singular nº 267/08.6TAVRS no qual o arguido CA, casado, industrial da construção civil, nascido em 10.03.1963,... residente na...., Lisboa, foi pronunciado pela prática, em concurso efectivo, de três crimes de devassa da vida privada p. e p. pelo artº 192°, nº l, alínea b) do Código Penal.

A assistente LR deduziu pedido de indemnização civil contra o demandado/arguido, peticionando a condenação deste no pagamento da quantia de € 25.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais ocasionados.

Durante a audiência o tribunal a quo alterou a qualificação jurídica dos factos, passando a imputar ao arguido a prática de um crime de devassa da vida privada p. e p. pelo artº 192°, nº 1, alínea b) do C. Penal.

Durante a mesma também o tribunal procedeu à comunicação da alteração não substancial de factos, nada tendo sido requerido nos termos do artº 358º, nº 1 do Código de Processo Penal (CPP).

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, por sentença datada de 14.04.2011, condenado o arguido pela prática de um crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artº 192°, nº l, alínea b) do Código Penal, na pena de 175 dias de multa à taxa diária de € 50,00, num total de € 8750,00. Também foi julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado e, em consequência, condenado o demandado a pagar à demandante a quantia de € 15.000,00, a título de compensação pelos danos morais sofridos, tendo o demandado sido absolvido do demais peticionado.

Inconformado, o arguido/demandado interpôs recurso daquela decisão, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): ''O Tribunal “a quo” na douta sentença recorrida considerou provados os factos constantes nos pontos 3., 7., 9., 11. e 12, sendo que aí se imputa ao arguido a prática de um crime de devassa da vida privada, p.p pelo art. 192º do Código Penal.

Não foram positivamente valoradas pelo Tribunal as declarações prestadas pelo Arguido quanto à explicação por si dada em referência à mensagem por si enviada, quando o devia ter sido, da mesma forma que o foi relativamente aos restantes factos e às suas condições sócio-económicas.

Face à impossibilidade de concretizar o modo como ocorreram os factos, bem como as razões motivadoras dos mesmos e, consequentemente a sua ilicitude, ou não, e sendo que não se atingiu um estado de prova certa, consistente e irrefutável, aplicando-se o princípio do in dubio pro reo, deveria o arguido ter sido absolvido do crime de que vinha acusado.

Não foram valoradas positivamente as declarações do arguido recorrente, que, para além do que foi dito em audiência de discussão e julgamento, em vários momentos dos autos veio contraditar a acusação e veio em todas as fases processuais, dar a sua versão coerente e não contraditória dos factos.

Posto isto, deveriam ser também avaliadas aquelas declarações no mesmo sentido que foram as da assistente.

Uma vez que não o foram, peca neste ponto a douta sentença por um erro de raciocínio lógico na apreciação da prova.; Pelo que terá de se considerar que a douta sentença recorrida não fez uma correcta interpretação, avaliação e valoração da prova produzida, impondo-se, portanto, a sua reapreciação (art. 412º, 2 alínea a) do CPP); Não podemos descurar todo e qualquer pormenor, pois qualquer ponto, por mais insignificante que pareça, suscita dúvidas sobre a credibilidade do caso.

Não há qualquer facto que permita imputar ao recorrente a vontade ou a intenção de ofender, pelo que não pode ser punido a tal título, em respeito ao princípio in dubio pro reo.

Considerando o Arguido que a douta sentença proferida enfermará de: a - insuficiência para a decisão da matéria de facto considerada como provada (art. 412º, 2 alínea a) do CPP), e b - incorrecta apreciação da matéria de facto considerada provada (art. 412º, 3 alínea a) e b) do CPP, Deveria o mesmo ter sido absolvido dos crimes que lhe são imputados.

Ainda que não se concorde com as conclusões constantes dos pontos anteriores, no que à medida da pena em concreto se refere, deveria o Tribunal “a quo” ter considerado/ponderado os demais encargos relacionados pelo arguido nas suas declarações: os encargos com seguros de vida, de acidentes e de responsabilidade civil das suas filhas e as demais despesas normais de qualquer cidadão, com vista a aplicação de uma taxa diária justa, adequada e proporcional.

Também o montante da indemnização fixado pelo Tribunal “a quo” deveria ter sido balizado por critérios de equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso concreto e bem assim, as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

Nestes termos Deve a Douta Sentença recorrida ser revogada e absolvido o recorrente do crime que lhe foi imputado'' Notificado para o efeito, o MP respondeu, concluindo que (transcrição): ''1ª - O arguido CA impugna a doutra sentença que o condenou pela autoria material de um crime de devassa da vida privada, previsto e punido pelo art.º 192.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 175 dias de multa, à taxa diária de € 50,00, no total de € 8.750,00.

  1. - Apesar de ter dado cumprimento ao disposto no art.º 412.º, n.º 3 e n.º 4 do Código de Processo Penal na motivação do recurso, o Recorrente não o fez nas conclusões, pelo que se afigura que deve haver lugar a convite ao aperfeiçoamento previsto no art.º 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal; 3.ª – Fundamenta o recurso no pretenso vício da decisão recorrida traduzido no erro de julgamento da matéria de facto, consistente na incorrecta valoração das suas próprias declarações, cujo teor deveriam ter provocado no Tribunal um estado de dúvida probatória determinante da sua absolvição, por força do princípio «in dubio…»; subsidiariamente, pede a atenuação da sanção aplicada, mas sem explicitar o pedido; 4.ª – Parece seguro que a decisão recorrida não padece do invocado vício ao nível do julgamento de facto, pois o Recorrente limita-se a valorar as suas declarações – naturalmente - de modo diverso daquele que o Tribunal adoptou, mas sem concretizar o erro pretensamente existente no procedimento de formação da convicção, à luz dessa prova; 5.ª - Acresce que não é apreensível do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum, o vício de erro notório na apreciação da prova, no âmbito do qual se deve tratar a invocada violação do princípio «in dubio pro reo»; 6.ª – A pena de multa aplicada mostra-se justa, proporcional e adequada, atendendo à particular censurabilidade da conduta do arguido e à sua robusta situação económica, visto que detém participações sociais, salário líquido mensal de € 2.900,00, a propriedade de quatro lojas, uma casa de férias em conceituada zona de veraneio, um armazém, um barco, quatro automóveis e motorizadas; 7.ª – A douta decisão recorrida não enferma de qualquer vício, pelo que deve ser totalmente confirmada, negando-se provimento ao recurso.

    '' Também a assistente respondeu à motivação, pugnando pela manutenção do decidido e pela improcedência do recurso.

    O Exmº PGA neste Tribunal da Relação concluiu pela manutenção da decisão recorrida.

    O arguido não respondeu.

    Procedeu-se a exame preliminar.

    Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    Levaremos em conta o teor da decisão recorrida, que se reproduz na parte que interessa: ''1 - O arguido e a assistente mantiveram uma relação de cariz sexual durante alguns anos, que terminou em data não concretamente apurada mas anterior a Março de 2007.

    2 - Durante esse tempo, com o consentimento da assistente, o arguido captou e manteve várias imagens de LR em espaços e cenas de intimidade que os dois vivenciaram, guardando-as consigo.

    3 - Por iniciativa do arguido foram colocadas no dia 19 de Junho de 2008 no estabelecimento comercial onde a assistente exerce a sua actividade profissional como empresária do ramo da imobiliária, sito na Av....,em Vila Real de Santo António, o qual apresenta montras e porta de vidro transparente, 7 fotografias, 6 das quais retratam a ofendida nua e em cenas de intimidade, e outra retrata parte do corpo de uma mulher, sem que se veja a cara, em práticas de bestialidade.

    4 - As fotografias foram expostas com as imagens viradas para cima e junto à porta de forma a serem vistas e percepcionado o seu conteúdo na totalidade da parte de fora por quem por ali passasse.

    5 - Na sequência do referido em 3, o arguido enviou para a queixosa do telemóvel com o nº 91-----, registado em nome da empresa de que é sócio e por si utilizado, uma mensagem com o seguinte teor: "Passei no seu trabalho tinha muita gente olhando na porta e rindo".

    6 - As fotografias foram vistas nesse mesmo dia por pelo menos PG que as recolheu.

    7 - No dia 19.06.2008, por iniciativa do arguido foram colocadas diversas fotografias idênticas às referidas em 3 por baixo da porta do estabelecimento comercial de pronto a vestir de PM, sito na Rua ..., em Vila Real de Santo António, onde a assistente surge perfeitamente identificável, nua e em cenas e espaços íntimos.

    8 - Tais fotografias foram vistas por PM, que as recolheu.

    9 - No dia 19.06.2008, por iniciativa do arguido foi colocada pelo menos mais uma fotografia em que aparece parte do corpo da assistente nu, sem que se percepcione a cara da mesma.

    10 - Tal fotografia foi vista pelo menos por três pessoas, S. e EC e MB.

    11 - Ao agir da forma vinda de descrever, o arguido actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, com intenção concretizada de devassar a vida privada de LR, designadamente a sua intimidade sexual, bem sabendo que a forma como agia, ao expor ao público em geral imagens...

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