Acórdão nº 139/11.7JAFAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelMARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório 1. No processo de inquérito (actos jurisdicionais) n.º 139/11.7JAFAR-A do Tribunal Judicial de Albufeira (1º Juízo), por despacho proferido em 9 de Novembro de 2011, foi indeferida a realização de intercepções telefónicas promovida pelo MP, no acolhimento de sugestão apresentada pelo OPC.

  1. Inconformado com aquela decisão, o MP interpôs recurso da mesma, pugnando pela revogação daquele despacho e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: 1. O Meritíssimo Juiz de Instrução indeferiu o requerimento apresentado pelo Ministério Público para que fosse autorizada a intercepção e gravação das conversações e comunicações telefónicas dos cartões e IMEIs dos suspeitos nos presentes autos de inquérito.

  2. Especialmente, com base na argumentação que “as meras denúncias anónimas são imprestáveis para sustentar um inquérito quando desacompanhadas de outros elementos que as corroborem “ e que “ … não foram ainda revelados indícios que com um mínimo de sustentação permitam seja autorizada a realização de intercepções telefónicas e o acesso aos dados pretendidos”.

  3. Não assiste razão ao Meritíssimo Juiz de Instrução.

  4. Na verdade, a recolha de informações relevantes por parte da Polícia foi efectuada através de uma fonte que por questões de segurança pessoal, solicitou o anonimato. Não estamos, pois, perante uma denúncia anónima tout court.

  5. Aquela denúncia anónima surge num quadro investigatório constituído por um leque de diligências já realizadas que permitem concluir pela existência de indícios da prática do crime de tráfico de estupefacientes.

  6. É entendimento pacífico que deve existir um acrescido rigor na apreciação dos indícios susceptíveis de fundamentar o recurso legal ao meio de obtenção de prova em causa (escutas telefónicas) exclusivamente decorrente do carácter anónimo da denúncia. Mas, como refere André Damas Leite “Face ao quadro normativo (...) nada impede – ponto é que se preencham os requisitos do art. 246º nº5 e nº6 – que uma denúncia anónima baseie, nos termos gerais do art. 187º nº1, uma obtenção de prova por intermédio de escutas telefónicas.

    “ – in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 17, Nº4, Outubro-Dezembro 2007, Coimbra Editora, pág. 630.

  7. Conforme se pode apurar das diligências já realizadas, das informações colhidas e das vigilâncias efectuadas, existem, em nosso entender indícios da possível existência de uma rede de tráfico de droga que funciona naquilo que se pode apelidar de três planos distintos, mas articulados entre si. A saber: o tráfico médio elevado; o médio tráfico e o tráfico de rua.

  8. Acresce que, face ao tipo de crime em causa, a sua investigação é complexa, na medida em que se trata de meio criminoso bastante fechado, com a formação de cumplicidades, nomeadamente, entre os vários fornecedores de estupefacientes e entre estes e os respectivos traficantes de rua e consumidores, sendo difícil penetrar nesse mundo sem que se seja notado.

  9. Alguns dos visados têm antecedentes criminais pela prática de idêntico crime.

  10. As operações de vigilância já efectuadas permitiram apurar que os mesmos se relacionam entre si, porém a efectivação de escutas telefónicas aos telemóveis identificados afigura-se o meio adequado para conseguir entender o modo de actuação e os movimentos dos suspeitos, a natureza e a quantidade de produtos estupefacientes que eventualmente comercializam, o respectivo fornecedor dos estupefacientes ou a identidade de outras pessoas envolvidas na actividade ilícita, os pontos de venda e a identidade dos respectivos consumidores, obtendo-se, desta forma, as informações necessárias para recolher outras provas para além das que já constam dos presentes autos.

  11. Atentas as características do tráfico descritas no citado relatório policial, nomeadamente ao recurso telefónico para o seu exercício, (inclusive com recurso a cartões telefónicos espanhóis), tal meio de obtenção de prova afigura-se essencial às finalidades da investigação em curso.

  12. As escutas telefónicas mostram-se indispensáveis para a descoberta da verdade, sendo a prova impossível de obter de outro modo “Se os contactos entre os traficantes/suspeitos são exclusivamente preparados telefonicamente, como investigar sem o recurso a escutas telefónicas – in acórdão da Relação de Évora de 12.04.2011, Relator Edgar Valente, disponível em www.dgsi.pt.

  13. É certo que as escutas telefónicas constituem expediente atentatório de direitos fundamentais onde se procura o equilíbrio entre a realização da justiça e os direitos de defesa do arguido, pelo que se exige o seu carácter “indispensável” para a obtenção da prova. Bem assim, como se exige a necessidade de fundamentação da medida.

  14. Porém, e conforme refere Benjamim Silva Rodrigues “não se deve cair no exagero de que a motivação seja tão completa como se se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime, pois, a ser assim, ficaria deslegitimado o recurso a tal meio visto que os factos teriam já a clareza e concisão suficientes para autonomizarem e fundarem um juízo de acusação.

    (...) A decisão judicial de intervir parte do pressuposto de que uma investigação criminal necessita de elementos de convicção nos quais estruturar as vias e indícios que podem levar à constatação de perpetração de determinado ou determinados delitos, pelo que não pode impor um dever tal de exigência na motivação e na própria base na qual se estrutura que resolva precisamente o conflito; chegar a tais níveis de exigência levaria precisamente à desnecessidade da medida, pois uma tão radical exigência suporia nada mais nada menos que a existência de indícios suficientes de criminalidade que tornariam supérflua a investigação.

    “ – in Das Escutas Telefónicas, Tomo I, A monitorização dos fluxos informacionais e comunicacionais, Coimbra Editora, 2008, pág. 227 e 228.

  15. Na articulação entre a Lei Fundamental e as regras processuais, quanto ao regime das escutas telefónicas, entendemos que não procedem os argumentos avançados no despacho de que ora se recorre.

  16. Com efeito, verifica-se que In casu o Princípio da Proporcionalidade é respeitado, porquanto está em causa a investigação do crime de tráfico de estupefacientes particularmente grave, havendo a convicção que através das escutas se conseguirá atingir a...

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