Acórdão nº 53/09.6T2AND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2012
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

Caves … Lda., habilitada, na sequência de cessão de crédito, na posição da primitiva autora, B…., apelou da sentença do Sr. Juiz de Direito do Juízo de Grande Instância Cível da Anadia, da Comarca do Baixo Vouga, que julgou improcedente a acção e absolveu a Ré H… do pedido e condenou a Habilitada/Cessionária Caves … Lda. na posição da Autora B... nas custas, e julgou parcialmente procedente a reconvenção e condenou a Autora Caves … Lda no pagamento ao habilitado/cessionário, V…, na posição da Ré H., da quantia de € 396,79, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, à taxa legal aplicável às transacções comerciais até integral e efectivo pagamento, e condenou a Autora e a Habilitada/Cessionária Caves …, nas custas na proporção de 1/100 e 99/100, respectivamente.

A recorrente pede, no recurso, a sua revogação por decisão que considere o pedido parcialmente procedente e, em consequência, seja a ré condenada a pagar à recorrente a quantia de €424.342,99, acrescida de juros comerciais desde a data da citação até integral pagamento, assim como condenar a ré como litigante de má-fé, em multa condigna e indemnização a favor da recorrente em montante não inferior a €80.000,00 e, ainda, revogação da sentença no que tange às custas de modo a que a recorrente seja absolvida do pagamento de qualquer quantia a título de custas do pedido reconvencional.

A recorrente extraiu da sua alegação estas conclusões: ...

Na resposta, a recorrida, concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.

Entretanto, já depois do recurso interposto mas antes do oferecimento pela recorrente da sua alegação, o Sr. Juiz de Direito, sob requerimento conjunto de… e da A. Caves ..., reformou a sentença quanto a custas, no segmento relativo à reconvenção, de modo a que onde se lê Custas a suportar pela Autora e a Habilitada/Cessionária Caves …, na proporção de 1/100 e 99/100, se passasse a ler, Custas a suportar pela Autora Caves … Lda. e Habilitado/Cessionário V…, na posição da Ré Reconvinte …, na proporção de 0,73/1000 e 999,27/1000.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    2.1. Foram insertos na base instrutória, entre outros, os seguintes enunciados: ...

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nas conclusões da sua alegação é lícito ao recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (artº 684 nº 2 do CPC). Porém, se tiver restringido o objecto do recurso no requerimento de interposição, não pode ampliá-lo nas conclusões[1].

    Um dos fundamentos da impugnação consiste no erro de julgamento no tocante à condenação da recorrente nas custas da reconvenção. Essa impugnação era inteiramente exacta.

    Realmente, a recorrente, apesar da sua habilitação, não era parte da instância reconvencional: partes nessa instância, nas vestes processuais de reconvinte e reconvinda, eram V… - que assumiu essa qualidade por habilitação na posição de …, e Caves …, Lda., respectivamente.

    Simplesmente, sob requerimento também subscrito pela recorrente, o Sr. Juiz de Direito, deferindo-o, reformou a sentença recorrida no sentido propugnado pela apelante, fazendo recair a responsabilidade pelas custas da reconvenção não sobre ela, mas sobre a parte que detinha a qualidade jurídico-processual de reconvinda: Caves … Lda.

    Dado que o requerimento de reforma da sentença quanto a custas foi atendido, a nova decisão integrou-se na primitiva (artº 670 nº 2, 2ª parte, do CPC). Dessa integração – apesar da nova decisão ter sido provocada também pela própria parte que já interpusera o recurso - resulta uma inevitável repercussão sobre o recurso interposto e mesmo uma modificação automática do seu objecto: o recurso passou a ter por objecto a sentença tal como se apresenta agora, em consequência da integração da nova decisão na primitiva (artº 686 nº 2, por analogia, do CPC).

    Todavia, a nova decisão não desfavorece a recorrente, antes a favorece. Ora, perante a decisão reformada, em sentido favorável à recorrente, o recurso, nessa parte, já não tem razão de ser.

    Em consequência da modificação da sentença impugnada e, consequentemente do objecto do recurso, estava indicado, talvez, que a recorrente dele desistisse, na parte, evidentemente, em que a nova decisão a favorece. Todavia, mesma na ausência dessa desistência é claro que o recurso se tornou, nessa parte, supervenientemente inútil, com a consequente extinção, no segmento correspondente, do direito à impugnação (artº 287 e) do CPC).

    Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.

    No primeiro caso, o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação[2].

    No direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento.

    Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados ou ampliados na 2ª instância se houver acordo das partes – eventualidade mais que rara – bem pode assentar-se nisto: que os recursos interpostos para a Relação visam normalmente apreciar o pedido formulado na 1ª instância com a matéria de facto nela alegada.

    Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.

    Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas[3].

    Excluída está, portanto, a possibilidade de alegação de factos novos - ius novarum nova – na instância de recurso. Em qualquer das situações, salvaguarda-se, naturalmente, a possibilidade de apreciação, em qualquer grau de recurso, da matéria de conhecimento oficioso[4].

    Ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, v.g., o abuso do direito, os pressupostos processuais, gerais ou especiais, ou a litigância de má fé, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3 nº 3 do CPC).

    Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

    A função do recurso ordinário é, no nosso direito, a reapreciação da decisão recorrida e não um novo julgamento da causa. O modelo do nosso sistema de recursos é, portanto, o da reponderação e não o de reexame[5].

    Na espécie sujeita, o recurso tem nuclearmente por objecto a impugnação da decisão da matéria de facto. No ver da recorrente, o tribunal a quo incorreu, na decisão dos enunciados de facto insertos na base instrutória sob os nºs 27º e 28º, 74º a 76º e 111º e 114º, num error in iudicando, por erro na aferição ou valoração das diversas provas produzidas.

    Os pontos inclusos na base instrutória sob os nºs 74º a 76º e 111º e 114º – nitidamente instrumentais relativamente aos factos essenciais relativos aos saldos, credor e devedor, das contas-correntes – tinham por objecto este facto: a entrega, pela apelante à recorrida, em 1997, de oito letras de câmbio aceites por … e, em 1998, de dez letras de câmbio aceites, em branco, por … O facto da entrega, pela apelante, e do seu recebimento, pela apelada, daqueles títulos de crédito foi alegado de forma genérica, logo na petição inicial - artº 6º - e de forma concretizada no articulado de réplica: artºs 14º, 15º, 45º e 46º, respectivamente.

    Todavia, o único facto alegado em qualquer destes articulados é singelamente este: que a recorrente entregou e a recorrida recebeu aquelas letras. Em lado nenhum daqueles articulados produzidos pela recorrente se alega o pagamento, designadamente pelo aceitante, das quantias pecuniárias inscritas em tais títulos de crédito cambiários.

    No entanto, nos fundamentos do seu recurso, a impugnante além de invocar o erro de julgamento do facto relativo à entrega e ao recebimento daquelas letras de câmbio – que, na sua perspectiva deve julgar-se provado – alega um outro facto – o pagamento desta letras, facto que, no seu ver, também deve julgar-se demonstrado. Como é bem de ver, uma coisa é a entrega e o recebimento das letras de câmbio – outra, bem diferente, é o seu pagamento.

    E a verdade é que o facto do pagamento das letras de câmbio não foi alegado na instância recorrida, fosse pela...

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