Acórdão nº 266/00.6PATMV-A de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Dezembro de 2007

Magistrado ResponsávelGABRIEL CATARINO
Data da Resolução19 de Dezembro de 2007
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

  1. – Relatório.

    Em contra mão com o despacho do Juiz do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas que determinou a emissão de mandado de detenção europeu contra o cidadão de nacionalidade colombiano, A..

    ., recorre a digna Magistrada do Ministério Público tendo rematado a proficiente motivação com a síntese conclusiva que a seguir se deixa extractada.

    “1.º - O artigo 2º, nº 1 da Lei 65/03 de 23-08 dispõe que o mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis com pena de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses.

    1. - O arguido foi acusado nos autos por um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203º, do C.P., punível com pena de prisão até 3 anos, encontrando-se contumaz.

    2. - O Mmo. Juiz a quo emitiu mandados de detenção europeus para captura do arguido a fim de este «prestar Termo de Identidade e Residência ou eventualmente outra medida de coacção e ser sujeito a julgamento».

    3. - Nos termos do C.P.P. a detenção do arguido in casu só é de admitir ao abrigo do preceituado no artigo 337.º, nº 1 e 336.º, nº 2 de tal diploma legal.

    4. - Porém, não sendo admissível a aplicação ao arguido quer de qualquer medida de coacção detentiva (quer prisão preventiva quer de qualquer outra medida deste género), atento o disposto no artigo 202.º, nº 1, al. a), 201.º e mesmo 200º todos do C.P.P., o mesmo apenas poderá permanecer detido pelo período máximo de 48 horas nos termos do artigo 254.º, nº 1 também do Código de Processo Penal.

    5. - Tal regime aplica-se subsidiariamente ao processo de execução do Mandado de Detenção Europeu – cfr. o artigo 34.º da Lei n.º 65/2003.

    6. - Ora, no caso concreto com a eventual detenção no cumprimento de um Mandado de Detenção Europeu o arguido irá ficar detido no mínimo pelo período de 10 dias – cfr. o artigo 26.º da Lei n.º 65/2003.

    7. - Tal período de detenção é manifestamente desproporcionado aos fins que se visam com a detenção do arguido: prestação de Termo de Identidade e Residência para poder ser submetido a julgamento.

    8. - A finalidade com que foi emitido o Mandado de Detenção Europeu contra o arguido é in casu, desproporcionada e violadora do disposto no artigo 18.º (princípio da proporcionalidade) e 27.º e 28.º todos da C.R.P.

    9. - Viola também os princípios que norteiam a emissão dos Mandado de Detenção Europeu (construção de um espaço comum de liberdade, segurança e justiça, supondo um território comum de valores que federem sociedades, e princípios livremente partilhados que constituam âncoras de liberdade e segurança. Tal comunidade supõe a existência de valores e bens jurídicos comuns que devem ser tutelados pelo direito penal, aceitando os seus membros que a incriminação de comportamentos que afectem tais valores é inerente à partilha de valores comuns) e o artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

    10. - Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado e determinar-se a imediata recolha dos Mandado de Detenção Europeu expedidos, mantendo-se apenas o pedido de localização do arguido para que possa ser notificado e com recurso aos meios próprios em sede de cooperação internacional (cfr. a Lei nº 144/99) se solicite a aplicação ao mesmo de Termo de Identidade e Residência.

    O Juiz do 1º sustentou o despacho sob impugnação e que adiante se deixará transcrito e nesta instância a Distinta Procurador-geral Adjunto e de parecer que: “[…] na argumentação expendida pela Exma. Magistrada do Ministério Público na 1ª instância, na Motivação do recurso interposto, que no essencial sufragamos, nada mais de relevo para a decisão a proferir, se nos oferecendo aduzir em abono do que em tal peça processual vem e bem sustentado.

    Nessa medida, convocando os argumentos ali expendidos, somos de parecer que ao recurso interposto deve ser concedido provimento”.

    Atina a questão que constitui objecto do recurso com o esculcar da proporcionalidade e necessidade da medida ditada pelo Juiz do 1º Juízo para os fins a que tendem – prestação, pelo arguido contumaz, de Termo de Identidade e Residência e eventual sujeição a julgamento.

  2. – Fundamentação.

    II.A. – Elementos Pertinentes para a decisão.

    1. - Despacho de fls. 10, datado de 21.12.2001 “Não obstante a realização das diligências necessárias não foi possível notificar o arguido A... do despacho que designa dia para a audiência de julgamento.

      Notificado por editais para se apresentar em juízo no prazo de vinte dias, sob pena de ser declarado contumaz, o mesmo não o fez.

      Assim, e ao abrigo do disposto nos artigos 335º, nº 3 e 337º do Código de Processo Penal, declaro contumaz o arguido A..., em consequência do que ficam suspensos os ulteriores termos do processo até à apresentação ou detenção do arguido.

      Implica, ainda, tal declaração a passagem imediata de mandados de detenção para sujeição do arguido a Termo de Identidade e Residência (cfr. artigos 336º, nº 2 e 337º, nº 1 do Código de Processo Penal), bem como a anulabilidade dos negócios jurídicos de natureza patrimonial celebrados após a declaração.

      Mais, decreto a proibição do arguido obter documentos, certidões ou registos junto de autoridades públicas, designadamente junto do C.IC.C, D.G. de Viação, Conservatórias do Registo Civil, Automóvel e Predial e Cartórios Notariais, Embaixadas e Consulados.

      Publique e notifique conforme o disposto no artigo 337º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Penal.

      Ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 337º, nº1, 336º, nº 2 e 254º, nº1, al. a) parte final, todos do Código de Processo Penal, determino que se passem mandados de detenção do arguido a fim do mesmo prestar termo de identidade e residência.

    2. - Despacho (recorrido) de fls. 12, datado de 10.01.2207 “Dos elementos juntos aos autos, designadamente o facto do mesmo não ter sido encontrado pelos Órgãos de Policia Criminal a quem foram enviados os mandados de detenção, e tendo em conta que o arguido é nacionalidade colombiana, suscita-se uma possibilidade muito forte de o mesmo ter abandonado o país e fugido para o estrangeiro.

      Consequentemente, por se suspeitar que o arguido A... tenha saído de Portugal e se encontre actualmente dentro de um outro território europeu que faz parte do Espaço Shengen, decide-se ordenar que se proceda à passagem de mandados de detenção europeu referentes à mesma, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº2 alínea s), 3º, 4º, 5º e 36º, da Lei nº 65/2003, de 23-8, e a ordem de indicação da pessoa procurada no Sistema de Informação Shengen (SIS) para que a mesma seja detida e entregue neste tribunal para prestar Termo de Identidade e Residência, ser sujeita a outra medida de coação que se considerar adequada, e para ser submetida a julgamento pelos factos por que vem acusada.

      Deverá para o efeito: a) Preencher um formulário anexo à citada lei, devidamente preenchido, a remeter directamente ao Gabinete Nacional Sirene para difusão nos Estados da União Europeia integrados no Espaço Schengen com os elementos necessários para a identificação do arguido e dos crimes pelos quais o mesmo se encontra acusado; b) Um formulário, em duplicado, devidamente preenchido, a remeter directamente ao Gabinete Nacional da Interpol para difusão do Reino Unido e da Irlanda.

    3. - Despacho de fls. 42, datado de 26.09.2007.

      “Consideramos que os argumentos apresentados pelo Ministério Público nas suas alegações de recurso de forma alguma abalam a decisão que foi tomada no despacho recorrido.

      Na verdade, resulta do disposto no artigo 2º, nº 1, da Lei no 65/2003, de 23-8, que o mandado de detenção europeu pode ser emitido por factos puníveis, pela Lei do Estado Membro da emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses.

      Ora, verifica-se que o arguido A... foi acusado nos presentes autos pela prática de um crime de furto simples, p.p. pelo artigo 203º, nº1 do Código Penal que é punido com pena de prisão, cujo limite máximo da medida abstracta é de 3 anos. Deste modo, a situação em causa nos autos integra-se na previsão daquela norma, tendo assim o Tribunal legitimidade e competência para emitir o mandado de detenção europeu em relação ao arguido, nos termos do artigo 36º, daquela Lei nº 65/2003.

      Na verdade, como a pena aplicável ao arguido pelo crime por que vem acusado é superior a 12 meses, será admissível a emissão desses mandados.

      Por outro lado, e salvo o devido respeito, considera-se que o Ministério Público cai num evidente contra-senso quanto à argumentação que apresenta.

      Na verdade, se fosse aplicável aos mandados de detenção europeus o disposto no Código de Processo Penal, designadamente no artigo 254º, que determina que a detenção do arguido não poderá ultrapassar as 48 horas, nunca seria possível emitir aqueles mandados. Na verdade, conforme refere o Ministério Público, atenta a distância geográfica, existe a possibilidade de os arguidos ficarem detidos 10 dias antes de serem presentes a um magistrado. Logo seria sempre ultrapassado o referido prazo de 48 horas, e o mesmo nunca seria cumprido. Ainda que se aplicasse a medida de coacção de prisão preventiva, a mesma não é confundível com a detenção. Logo e em qualquer dos casos seria sempre ultrapassado o referido prazo das 48 horas.

      Acresce que não vemos fundamento legal para que os mandados de detenção europeus só sejam passíveis de ser emitidos quando seja possível aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, ou seja quando o crime de que existem indícios ter sido por si praticado ser punido por pena de prisão superior a 5 anos, conforme resulta do artigo 202º, alínea a), do Código de Processo Penal, na nova redacção introduzida pela lei no 48/2007, de 29-8. Na verdade, não teria assim qualquer nexo que o legislador tivesse determinado no artigo 2º, nº 1, da Lei nº...

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