Acórdão nº 416/10.4JACBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Fevereiro de 2012
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 01 de Fevereiro de 2012 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
No 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Tondela, mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido A...
, com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, a) e c) do C. Penal, e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nºs 1, c), e 2 a 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei nº 17/2009, de 6 de Maio.
O assistente B... e C... deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento, da quantia de € 215.000, por danos não patrimoniais.
A assistente D... deduziu pedido de indemnização contra o arguido com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 130.000, por danos não patrimoniais.
Por acórdão de 12 de Setembro de 2011, rectificado por despacho de 13 de Setembro de 2011, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, a), do C. Penal, na pena de vinte e um anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nºs 1 e 2, c), do C. Penal, na pena de vinte e três anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nºs 1, c), e 2 a 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro [redacção da Lei nº 17/2009, de 6 de Maio], com referência aos arts. 2º, nº 1, ar) e 3º, nº 6, c), da mesma lei, na pena de um ano e dois meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de vinte e cinco anos de prisão.
Mais foi o arguido declarado incapaz de suceder, por indignidade, a seu pai E..., condenado no pagamento aos demandantes B... e C... da quantia de € 115.000 por danos não patrimoniais, e condenado no pagamento à demandante D... da quantia de € 60.000 por danos não patrimoniais.
* Inconformado com a decisão dela recorre o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “ (…).
1 – O objecto do presente recurso assenta, fundamentalmente, no erro da apreciação da factualidade dada como provada, na qualificação jurídica dos crimes pelos quais o Arguido foi condenado e na medida da pena aplicada.
2 – Assim, e salvo o devido respeito e melhor opinião, os pontos 2, 3, 4, 18, 20, 21 dos factos provados não podem ser assim considerados, pois a prova produzida na audiência de julgamento e os diversos relatórios juntos aos autos, não poderiam fundar a convicção do Tribunal a quo, tal como é descrita ao longo do douto Acórdão.
3 – Pelos motivos que se expuseram e devido às concretas declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento, não podia o Tribunal ter considerado provado que o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente e que os crimes que cometeu integram o tipo de homicídios qualificados.
4 – Ao dar como provados todos os factos relativos aos crimes de homicídio qualificado, nos precisos termos constantes da douta acusação, o Tribunal a quo andou mal e violou as regras de apreciação da prova, pois ignorou partes do depoimento do Arguido, das testemunhas e as regras da experiência comum, bem como os relatórios médico (realizado pelo médico assistente do Arguido), sobre a personalidade, sócio-económico e médico-legal.
5 – O Tribunal a quo ao não permitir que se renovasse a perícia médico-legal para se aferir em que medida a vulnerabilidade ao stress condicionou a conduta e a vontade do Arguido no momento da prática dos crimes, impediu que se descobrisse a verdade e violou o disposto nos artigos 158º e 163º do C.P.P.
6 – O Tribunal a quo não teve em consideração que o Arguido confessou e demonstrou arrependimento.
7 – Violou o Tribunal a quo assim, o disposto no Código Penal, pois valorou de forma desadequada as condições pessoais do arguido bem como a sua conduta anterior aos factos em questão e posterior a estes.
8 – O Tribunal a quo deveria ter levado em conta que o arguido foi cooperante com a policia desde o primeiro momento, tendo confessado sempre os factos centrais que integram os ilícitos de que vinha acusado, permitindo assim ao Tribunal dar a acusação como provada, o de outro modo não seria possível, uma vez que não houve testemunhas oculares do que se passou dentro de casa.
9 – Deveria ainda o Tribunal ter tido em consideração os factos que imediatamente antecederam o crime, naturalmente não desgarrados do passado porque, só assim, na sua globalidade, serão totalmente compreensíveis e capazes de provocar reacção, pelo que diminuem a culpa do Arguido.
10 – O presente recurso assenta também, no errado enquadramento jurídico dos factos, que, salvo melhor opinião, apontam para o homicídio privilegiado – art.º 133.º do Cód Penal, tal como atrás se demonstrou.
11 – No entanto se assim, se não entender, deve decidir-se pela aplicação ao arguido do disposto na atenuação especial, prevista nos art.ºs 71.º a 73.º do Cód. Penal, impondo uma redução das penas aplicadas para limite mínimo.
12 – Do elenco factual, relevante para a aplicação do tipo de homicídio privilegiado, importa convocar os elementos essenciais, que possam conduzir a um efeito diminuidor da culpa, no que ao caso concreto do recorrente respeita.
13 – Será, pois, de apurar, desde logo, o nexo causal, entre a circunstância e a prática dos crimes, já que, se impõe saber da conexão entre os estados e motivos, com uma concreta situação de exigibilidade diminuída, por eles determinada, tendo actuado debaixo daquele domínio.
14 – Qualquer homem comum, perante o quadro envolvente, sujeito, todos os dias e de novo no dia da prática dos crimes, a ter por perto, quem o perturbava (a madrasta) que lhe condicionava os passos e a própria liberdade individual, atrás de si, aos gritos, gesticulando, com os braços no ar, dirigindo-lhe insultos, só poderia sentir pavor, aflição, angústia e ausência total de esperança.
15 – Esta humilhação prolongada, de que se sentiu vítima por parte da madrasta, causou no Arguido notória impotência, decorrente do estado emocional, que, de si se apoderou.
16 – O privilegiamento, que se invoca, deve-se ao estado de consciência alterado invocado ao longo deste recurso e consequente culpa diminuída, pelo que se julga poder imputar-se ao aqui recorrente a prática de crimes de homicídio privilegiado, previsto e punido pelo artigo 133º do C.P..
17 – E por isso pensamos ter havido erro de julgamento, ao imputar-se ao Arguido a prática dos crimes de homicídio previsto e punido artº 131.º e 132.º nºs 1 e 2 al. a) e c) do C. Penal.
18 – Ficou provado que Arguido, estava integrado, social e familiarmente, era socialmente aceite, sempre com boa conduta, com princípios rígidos, era reconhecidamente um bom homem, amigo do seu amigo, solidário e fiel.
19 – Tendo estes aspectos em conta, a conduta do Arguido só poderá ser compreensível, à luz de factores externos, que lhe terão provocado tamanho desespero e emoção violenta.
20 – Estes factores especialmente atenuadores da culpa, não foram ponderados pelo Tribunal a quo.
21 – Portanto, mal andou o Tribunal a quo, ao não julgar como deveria que o Arguido cometeu os crimes de homicídio privilegiado, previsto e punido pelo artigo 133º do C.P.
22 – Violou ainda o Tribunal a quo, por erro de interpretação e aplicação, os art.ºs 40.º, 71.º, 72.º,73.º todos do Código Penal.
TERMOS EM QUE, - Deve dar-se provimento ao presente Recurso, e em consequência, o Acórdão recorrido ser revogado, substituindo-se por nova decisão, que acolha as motivações e conclusões do Arguido, condenando-o por dois crimes de homicídio privilegiado previsto e punido pelo artigo 133º do C.P.; - caso assim não se entenda, deve aplicar-se ao arguido uma pena concreta fixada no limite mínimo, proporcional, equilibrada e justa; - Quanto à parte da decisão vertida no Acórdão recorrido que respeita à indignidade do Arguido, a mesma deve ser revogada.
assim se fazendo JUSTIÇA.
(…)”.
* Responderam ao recurso os demandantes B... e C..., invocando os exames psiquiátricos que concluíram pela imputabilidade do recorrente, pela justeza da qualificação jurídica e adequação das medidas das penas aplicadas, concluindo pelo não provimento do recurso.
* Respondeu também ao recurso a assistente D..., formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: “ (…).
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– O arguido não é inimputável, conforme perícias realizadas; 2ª – O arguido agiu a titulo de dolo directo, porquanto, nos termos do artigo 14 nº. 1 do CP, representou a morte do pai e da madrasta, actuando com a intenção do resultado morte destes, propósito que vinha mantendo conforme referiu momentos depois da prática dos factos: "Já está, Já está".
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– O arguido não relatou circunstâncias exteriores que justificassem ou até atenuassem a prática dos seus actos, já que limitou-se a referir que haviam discussões, e desprezo por parte da madrasta, já quanto ao pai, ainda que houvessem discussões tudo ficava logo resolvido, tudo relatado de forma genérica e abstracta, não permitindo que o Tribunal pudesse apurar a gravidade ou futilidade das mesmas, e formar uma convicção sobre a motivação das discussões; 4ª – Em sede de Audiência ficou demonstrado que a relação entre o arguido e pai não era meramente de reconhecimento na certidão de nascimento, viviam juntos, foi o pai que ficou a cuidar deste, "o arguido era o menino do pai", o pai sempre se empenhou na ajuda do filho, nomeadamente no que concerne à vida escolar, já que foi o pai quem custeou todas as despesas no ingresso ao ensino superior, mesmo sem rendimentos escolares.
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– A decisão do arguido em matar o pai assentou em pressupostos absolutamente inaceitáveis, Mata o pai como forma de se vingar porque ficava do lado da madrasta, e sempre que discutiam (pai e filho) tudo ficava resolvido, deixando-se motivar por factores completamente desproporcionados, o que aumenta a intolerância perante tal acto típico e ilícito, revelador...
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