Acórdão nº 79/10.7TAVVD de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Fevereiro de 2012

Magistrado ResponsávelFERNANDO CHAVES
Data da Resolução06 de Fevereiro de 2012
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório 1.

Nestes autos de processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 79/10.7TAVVD, a correr seus termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, o arguido Manuel M..., já melhor identificado nos autos, foi submetido a julgamento, após o que foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: «Pelo exposto, o Tribunal decide: 1.º condenar o arguido Manuel M... pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artigo 152.º n.º 1 a), n.º 2, n.º 4 e n.º 5 do Código Penal numa pena de três anos e seis meses de prisão; 2.º condenar o arguido Manuel M... pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido nos termos dos artigos 86.º n.º 1 c), 90.º, 93.º e 94.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, por referência aos artigos 2.º n.º 1 x) e ae) e 3.º n.º 1 l) e n.º 4 a) numa pena de um ano e seis meses de prisão; 3.º condenar o arguido Manuel M... pela prática de um crime de falsidade de declaração, previsto e punido nos termos do artigo 359.º n.º 1 e n.º 2 do Código Penal numa pena de oito meses de prisão; 4.º em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido Manuel M... na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por quatro anos e seis meses, sob condição de o Arguido se submeter a regime de prova, cujo plano individual de readaptação social será determinado e acompanhado pelo Instituto de Reinserção Social, devendo nomeadamente o Arguido responder a convocatórias do técnico de reinserção social, receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência, informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data do previsível regresso.

  1. Condena-se ainda o arguido Manuel M..., ao abrigo do disposto no artigo 152.º n.º 4 e n.º 5 do Código Penal na pena acessória de proibição de contacto com Maria das M..., incluindo o afastamento do prédio onde a mesma reside, e proibição de uso e porte de armas por um período de quatro anos e seis meses.

  2. Condena-se o arguido Manuel M..., ao abrigo do disposto no artigo 152.º n.º 4 e n.º 5 do Código Penal na pena acessória de frequência de um programa específico de prevenção da violência doméstica, a iniciar no prazo máximo de seis meses.

  3. Declaram-se perdidas a favor do Estado as armas designadas «Star» e «Colt», mais bem identificadas a folhas 148 e 149 dos autos.

  4. Após o decurso do período de proibição de uso e porte de arma referido em 5.º será ordenada a restituição ao arguido da espingarda mais bem identificada a folhas 149 dos autos.

* Condena-se o arguido no pagamento de 5 UCs de taxa de justiça e dos respectivos encargos – artigo 8.º n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais.» 2.

Inconformado com a decisão, o arguido dela interpôs recurso, concluindo a sua motivação nos termos seguintes (transcrição): «I - O Tribunal Recorrido cometeu erros notórios na apreciação da prova produzida em audiência; II - Fundamentou a sua convicção apenas no depoimento da assistente e de dois dos seus quatro filhos, as testemunhas Luís M... e Fernando M...; III - O Tribunal desvalorizou completamente o depoimento produzido em audiência pela filha da assistente e das demais testemunhas; IV - Mais, essa desvalorização foi feita com base em juízo de valores negativos relativamente às testemunhas referidas no número anterior ao mesmo tempo que o Tribunal ignorava que as duas testemunhas de acusação tinham declarado estar de relações cortadas com o próprio pai, o aqui arguido; V - Nos factos dados como provados alguns ocorreram há mais de 40 anos e outros há cerca de 40 anos (na infância das testemunhas quando, segundo declararam tinham 5/6 anos) o que ao serem utilizados como justificação da condenação ofende o art° 29° do C.R.P.; VI - É o caso dos factos supra referidos sob os n°s. 3, 4, 5 e 6.

VII - Também não podia o Tribunal fundamentar a sua convicção nos factos descritos de forma genérica e indefinidos temporalmente o que, de igual modo, constitui uma nulidade; VIII - É manifesta a contradição dos depoimentos quer da assistente quer das testemunhas Luís M... e Fernando M... sobre os factos referidos nos n°s. 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 17; IX - Tais factos reportam-se a ações alegadamente praticadas nos dias 24 e 25 de Fevereiro e 1 de Julho de 2010; X - Mesmo que esse conjunto de factos vierem a ser considerados como provados, nunca preencheriam no seu todo, o tipo legal de crime de violência doméstica.

XI - O Tribunal não só se equivocou na factualidade que deu como provada como errou na apreciação e valoração dos documentos juntos aos autos; XII - Efetivamente não tendo Tribunal qualquer competência especifica para comparar um relatório médico com um relatório dum psicólogo, desvalorizando o teor daquele em função deste último em matéria de exclusiva reserva médica; XIII - Também o Tribunal não atendeu ao circunstancialismo, de resto amplamente documentado nos autos, em que decorreu a busca das armas, a detenção do arguido, a circunstancia em que prestou declarações ao Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal e à sua posterior retratação relativamente aos seus antecedentes criminais.

XIV - Por isso são absolutamente excepcionais e, por isso também ilegais, as penas parcelares em que o arguido foi condenado, bem como o respetivo cúmulo e penas acessórias.

A sentença recorrida violou, entre outros, os seguintes preceitos legais: - Art° 26° da Constituição da República Portuguesa; - Art°s 152° e 359° do Código Penal; - Art°s 86°, 90° e 93 da Lei 5/2006; - Art° 410° do Código de Processo Penal.

Os depoimentos prestados em audiência são incindíveis pelo que devem ser renovados em toda a sua extensão designadamente quanto à assistente, ao arguido e às três testemunhas Luís M..., Fernando M... e Isabel M....

Por todas as razões expostas entende o Recorrente, que a decisão proferida em 1ª Instância deve ser revogada e substituída por outra que, atendendo às circunstâncias de facto e de direito que o Venerando Tribunal não deixará de atender, fará a esperada Justiça.» 3.

O Ministério Público e a assistente Maria M... responderam ao recurso, pugnando pela manutenção do julgado.

  1. Nesta instância, o Ministério Público teve vista do processo nos termos do n.º 2 do artigo 416.º do Código de Processo Penal.

  2. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a audiência.

* II - FUNDAMENTAÇÃO 1. A sentença recorrida 1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos (transcrição): «Resultou provado que: Manuel M... contraiu casamento com a assistente Maria M... em 15 de Agosto de 1966, tendo nascido de tal união quatro filhos, Luís M..., nascido a 16 de Março de 1967, Isabel M..., nascida a 16 de Março de 1967, Fernando M..., nascido a 10 de Julho de 1970, e António M..., nascido a 10 de Julho de 1970.

Desde o início do casamento o arguido e a assistente sempre residiram em habitações situadas em Vila Verde e ultimamente residem na P... Outubro, em Vila Verde.

Uns dias antes da realização do casamento o arguido desferiu bofetadas e murros na cabeça, nos braços e nas costas da assistente, provocando-lhe dores nas partes do corpo assim atingidas, o que ocorreu numa residência situada em Nevogilde, Vila Verde.

Após o casamento, em diversas ocasiões que não foi possível apurar, no interior da referida última residência do casal, o arguido desferiu bofetadas, murros e pontapés no corpo da assistente ao mesmo tempo que a apodava de “puta”, “vaca”, “vadia”, o que ocorria na presença dos filhos do casal, à data ainda menores.

Também por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, a assistente pediu ao arguido dinheiro para fazer face às despesas do dia-a-dia, ao que aquele lhe retorquia “puta, vaca, vadia, sua vagabunda, vai trabalhar sua puta que te tenho mantido há muitos anos”.

Ainda após o casamento, em outras ocasiões, que não foi possível circunstanciar temporalmente, o arguido disse à assistente que a iria matar.

No dia 24 de Fevereiro de 2010, ao início da tarde, o arguido substituiu as fechaduras da entrada principal da residência do casal, enquanto a assistente permanecia no seu interior, assim impedindo que esta saísse da referida residência.

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido desferiu pontapés, sobretudo na zona da barriga, provocando dores à assistente.

Após, o arguido abriu a porta principal da residência, deslocou-se para o exterior da mesma, fechou a referida porta, deixando no seu interior a assistente que assim ficou impedida de sair da referida residência, não lhe tendo entregue a chave da nova fechadura.

No dia seguinte (25 de Fevereiro de 2010), pelas 08h30, a assistente dirigiu-se ao arguido e questionou-o acerca da mudança de fechadura, tendo de imediato o arguido desferido murros na cabeça e estalos nos ouvidos da assistente, empurrou-a contra as grades do aquecimento central, o que provocou a sua queda e, com esta no chão, pontapeou-a, incidindo sobretudo na zona abdominal.

Em virtude de tais agressões a assistente teve que ser assistida medicamente no Hospital da Misericórdia de Vila Verde.

Como consequência das agressões descritas sofreu a assistente as seguintes lesões: escoriação linear na hemiface esquerda, com 1,5cm de comprimento, equimose violácea na face antero-lateral do antebraço direito, terço distal, com 2 x 1 cm de maiores dimensões e equimose azulada, na face posterior do braço esquerdo, terço médio, com 1,5cm de diâmetro.

As lesões supra referidas causaram à assistente 7 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.

Em virtude dos factos descritos a assistente passou desde data não concretamente apurada a fechar a porta do espaço onde...

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